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Negócios rumo à China

São projectos portugueses cujo sucesso passou pela entrada no mercado chinês. Conheça as histórias de quem aproveitou as oportunidaedes da segunda maior economia do mundo para crescer.

Ana Pimentel 05 de Maio de 2011 às 10:55
Cortiça, farmácia ou "software" multimédia e industrial. Não importa de onde vêm, mas sim para onde vão. Na Mind, 80% das vendas internacionais já chegam do mercado chinês. A língua, a distância e a cultura podem dificultar a viagem, mas não impedem o sucesso das negociações. Dizem os especialistas que o segredo está na calma, na persistência e na paciência. E no respeito pela cultura de negócio.

Em 2020, a PriceWaterhouseCoopers (PWC) prevê que a China tenha ultrapassado os Estados Unidos da América (EUA) na liderança das maiores economias do mundo. Em 2050, é a vez da Índia. "Qualquer empresa industrial - que queira ser um líder mundial - tem de ter uma grande presença nos mercados emergentes", disse Ed Breen, presidente da Tysco International, no 14º CEO Survey, um inquérito realizado a mais de 1200 gestores em todo o mundo pela PWC. As maiores expectativas estão depositadas na China, eleita por 39% dos inquiridos como um dos três países mais importantes para o crescimento das empresas.

A Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI) está naquele país desde 1999. Começou o processo de internacionalização dois anos depois de ter surgido e já conta com 65 colaboradores, de 10 nacionalidades diferentes. Seis são chineses. No ano passado, abriu uma empresa de direito chinês, em Macau. Durante este período, tem desenvolvido vários trabalhos para a Comissão Europeia, com o governo americano e com empresas que queiram internacionalizar-se através da exportação, importação ou procura de parcerias. Celebrou dois acordos específicos: com um parque de ciência e tecnologia em Pequim, e com uma empresa criada pela Universidade de Tsinghua, "muito forte na área da transferência de tecnologia". "Conseguimos exportar todo o tipo de apoio, desde a fase inicial até ao estabelecimento de joint-ventures e outras parcerias", explica Sara Medina, administradora e coordenadora das actividades e serviços da consultora na China, desde 2004.

Nos últimos anos, confessa que tem havido uma grande procura. "As empresas estavam muito receosas em ir para a China, mas agora o processo de decisão é mais rápido", diz. Quem quiser apostar na segunda maior economia do mundo tem de a ver como um investimento. Para os chineses, a confiança é essencial. Por isso, há que ter cuidado na aproximação. "A primeira vez que fui a uma reunião à China, quis falar logo de negócios. Eles disseram que, primeiro, tínhamos que nos dar a conhecer", conta.

Os empresários devem fazer visitas ao país regularmente, para que estabeleçam um grau de confiança com os parceiros. "Hoje, as pessoas vêm o mundo de uma forma mais global. Ir à China há uns anos parecia mais longínquo do que agora", adianta. O facto de os governos parecerem mais próximos também tem gerado um clima de confiança nas empresas. "É preciso tratar a China de uma forma muito profissional", diz Sara Medina. Com confiança, respeito pela cultura e persistência. "É preciso tempo para ambas as partes se conhecerem. E paciência. A China tem de ser vista como um investimento", conclui.

Para Eduardo Beira, professor do programa The Magellan MBA, da EGP - University of Porto Business School (EGP-UPBS), as diferenças culturais são muito mais profundas do que as existentes no protocolo social. "Veja-se o exemplo do sentido de lealdade na cultura chinesa de negócios. É completamente diferente do ocidental. Aquilo que é visto por um ocidental como uma 'golpada', é para o chinês uma 'jogada inteligente' que mercê todo o mérito", explica.

Primeiro, prudência
Ana Teresa Lehman, coordenadora do programa Managing Internationally da EGP-UPBS, recomenda prudência. As iniciativas de internacionalização devem ser precedidas de muita avaliação e estudo, sobretudo com a conjuntura económica actual. "Como referiu Rahm Emanuel, não se deve desperdiçar uma boa crise. São momentos privilegiados para repensar estratégias, reposicionar actividades e recursos, racionalizar, consolidar e, em alguns casos, aproveitar agressivamente oportunidades que surjam de adquirir empresas e competências a bom preço."

Em todos os sectores, há actividades e empresas com potencial de internacionalização. "Tenho a firme convicção de que Portugal não pode abdicar da sua vocação industrial, particularmente centrada nos 'clusters' da região do Norte", revela. A atenção centra-se em áreas como a automação, máquinas industriais, saúde, agro-alimentar, florestas, recursos do mar, indústrias criativas e outros sectores com tradição, mas com elevada componente tecnológica ou de 'design'. "Salientaria ainda o sector da energia, em que Portugal se destaca positivamente", acrescenta. Sem esquecer o turismo, cujo contributo para as exportações também é "mensurável".

Por isso, é preciso simplificar processos, reduzir burocracias e ter uma melhor articulação entre as instituições. Os exportadores devem estar atentos às garantias e aos seguros de crédito. "Ainda há um longo caminho até que possamos assumir que prestamos serviços de apoio a investidores de excelência e que somos um país ágil, coordenado e pouco burocrático."

Segundo Ana Teresa Lehman, a internacionalização pode ser vista como um menu de escolhas entre vários modos de entrada nos mercados internacionais. "Há que ter muita atenção às questões culturais e fazer uma correcta avaliação do mercado e dos riscos." É importante ter um parceiro que domine as especificidades do mercado, de confiança e planos de contingência para cenários distintos. "Na maioria dos casos, as empresas portuguesas só serão competitivas na China com produtos diferenciados e com estratégias de nicho. O consumidor chinês com poder de compra é sofisticado, exigente e gasta muito. Essa elite económica representa muitos milhões de pessoas", frisa. Além da China, Ana Teresa Lehman aconselha as empresas a estarem de "olhos postos" na América Latina (Brasil, Colômbia e México) e noutros países asiáticos, como a Índia e Indonésia.

"Enquanto outros mercados forem mais acessíveis, mais rentáveis e de menor risco para o investimento, penso que deverão ser vistos como prioritários em relação à China", diz Eduardo Beira. Continua a haver muito para explorar no mercado europeu e "prudência" é a palavra de ordem. "É verdade que a China é um mercado fabuloso e em grande crescimento e haverá por lá, certamente, muitas oportunidades, mas, mais uma vez, não é o mar de facilidades que muita comunicação social e entidades politicas insistem em idealizar, muito em especial para empresas não asiáticas."



EDUARDO BEIRA, Professor no programa "the magellan MBA"
Para entrar na China é preciso "ter a casa muito bem arrumada"

O que devem fazer as empresas que queiram entrar no mercado chinês com sucesso?
Para entrar no mercado chinês com perspectivas de sucesso, é necessário atender a requisitos muito específicos: ter vastos recursos, inclusive humanos, uma grande capacidade de absorver riscos financeiros de longo prazo, uma elevada capacidade de gestão (incluindo a disponibilidade de quadros capazes), possuir um perfil empresarial extremamente maduro e com uma situação de base muito sólida no mercado doméstico. No fundo, é necessário 'ter a casa muito bem arrumada'. A verdade é que os investimentos directos na China exigem, regra geral, um perfil que está fora do alcance das PME portuguesas. Implicam um risco que, praticamente, só as grandes multinacionais podem suportar.

Que cuidados devem ter?

São vários os aspectos que podem dificultar a entrada no mercado chinês. Além das diferenças culturais, a concorrência feroz é um dos aspectos a ter em conta. A China tem, neste momento, ao nível do mercado interno, o maior nível de concorrência capitalista alguma vez registado nas economias internacionais. Ignorar esta realidade pode ser um suicídio para um pequeno ou médio investidor. Pode parecer que a China é um paraíso para empresários ocidentais, porque a mão obra é 'barata', trabalha muito, tem mercadorias mais baratas ou ainda porque o ocidente e o mercado local escoam quase tudo, mas nada é mais falso. Além da concorrência ser fortíssima, é regida por regras bastante diferentes.

Que áreas de actividade têm maior probabilidade de sobreviver na economia chinesa?

O mercado dos produtos de consumo será naturalmente um mercado interno, que vai continuar a conhecer um forte crescimento, assim como os serviços financeiros. O nicho dos artigos de luxo será dos mais atraentes para produtores europeus. Outro mercado é o das matérias-primas, em que a China é pouco abundante. Veja-se o que se tem passado com a Austrália e alguns estados africanos. Podem as nossas facilidades nas relações com África (e Brasil) permitir uma aproximação triangular a possíveis negócios com a China? Nalguns casos não será impossível...
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