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Como sobreviver à crise

Com Portugal a ser fustigado pela crise económica e financeira, muitas empresas viram a sua actividade diminuir, enquanto outras aproveitavam para tirar algum partido do abrandamento económico. O que é preciso fazer para passar pela tormenta sem deixar afundar o barco?

18 de Agosto de 2011 às 10:52
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A crise chegou há mais de dois anos e ainda não é visível a luz ao fundo do túnel. Com Portugal a viver sob o peso da ajuda externa e das medidas de austeridade, raros são aqueles que podem dizer que a crise não lhes toca. As empresas estão na linha da frente, mas a verdade é que nem todas sentem o impacto da mesma maneira e há até quem acabe por ver o seu trabalho aumentar e tenha encontrado estratégias para dar a volta à situação.

As empresas de consultoria, que têm registado um acréscimo da actividade desde que a crise começou, defendem que pedir ajuda enquanto ainda é tempo, pode ser uma forma de salvar o negócio. Embora as empresas estejam a atravessar tempos difíceis, muitos dos problemas podem ser solucionados se os gestores souberem reconhecer atempadamente que precisam de ajuda. "A maior partes das empresas que nos aparecem estão no limite em termos de dificuldades. Mas algumas, com maior ou menor esforço, conseguem ser recuperadas", diz Andreia Teixeira.

Segundo a directora da Turn and Win Lisboa, este é um dos principais entraves à recuperação das empresas, que só consideram a procura de um plano de viabilização quando chegam ao final da linha, tentando por todos os meios evitar o estigma que surge agregado ao estatuto de insolvente.

"É complicado explicar a um empresário do ramo imobiliário que tem 100 milhões de euros de activos e apenas 50 milhões de passivos que está insolvente". No entanto, desde que a empresa não consiga, no curto prazo, cumprir os seus compromissos, este é o termo correcto a utilizar. "Pode ter 100 milhões de euros de activos para venda, mas se não os conseguir vender e pagar as facturas, é insolvente", explica Andreia.

Quase todos os processos que passam pelas mãos desta consultora especializada na recuperação e reestruturação de empresas acabam por seguir a via da insolvência, que permite suspender os ataques dos credores e impedir que as máquinas comecem a ser penhoradas e leiloadas, altura em que se torna quase impossível que a empresa consiga sanar os seus problemas.

Por isso, é importante agir a tempo. "E, se a empresa for inteligente, pode reestruturar-se de facto e repor os fluxos de Tesouraria", alerta Andreia Teixeira.

Tentando aproveitar as oportunidades do mercado, a consultora Deloitte criou um serviço de "debt advisory", que pretende dar resposta às empresas que estão actualmente a enfrentar limitações para lidar com dívida existente ou para contrair nova dívida. "Pareceu-nos que podíamos ajudar as empresas neste problema que enfrentam", afirma José-Gabriel Chimeno, partner e responsável pela área de corporate finance da Deloitte.

O trabalho da Deloitte nesta matéria, que já atraiu cerca de 20 a 30 clientes, consiste em ajudar as empresas a elaborar a apresentação perante os credores que querem reestruturar ou contrair a dívida, tentando assim facilitar o processo.

Numa altura em que a questão da dívida portuguesa faz notícia um pouco por todo o mundo, José-Gabriel Chimeno aconselha as empresas a assegurarem a sua situação financeira para os próximos três a quatro anos. "Sem essa preocupação, as empresas podem concentrar-se inteiramente no desenvolvimento das operações."

Oportunidade e uma boa promoção
Por via das dificuldades que o país atravessa, as consultoras acabaram por ver o seu negócio aumentar, mas não são caso único. Há outros sectores que também estão a singrar e, no caso da Valores, o sucesso tratou-se sobretudo de um daqueles momentos em que se está na altura certa no sítio certo. Fundada em 2008, a empresa veio aproveitar uma altura em que a crise se instalava em Portugal e as pessoas começavam a procurar fontes de obter liquidez rápida. E entrar numa loja com uns brincos velhos e sair com as notas na mão, é o epítome da rapidez.

A empresa não beneficiou só do contexto de crise, mas também de uma forte aposta na publicidade e na criação de uma rede capilar de lojas franchisadas, que dava mais segurança aos clientes do que os "vãos de escada e casas do primeiro andar, que deixavam as pessoas de pé atrás", diz José João Oliveira, que supervisiona as lojas Valores em Lisboa. "Fomos pioneiros em Portugal. Quando começámos não havia nenhuma loja. Com uma loja na rua, as pessoas sentem-se mais à vontade, porque sabem que vamos estar ali hoje, amanhã e depois".

Aos potenciais franchisados, o investimento - a partir de 25 mil euros - pareceu atractivo, tendo em conta que se tratava de trabalhar com um dos produtos que mais valoriza historicamente quando toda a restante economia entra em decadência. Assim, o número de lojas abertas cresceu a olhos vistos.

A junção de factores funcionou em pleno. Neste momento, a Valores tem entre 180 a 190 lojas em território nacional e pretende terminar 2012 com o número redondo de 200 portas abertas ao público. E, para além disso, a Valores tem ainda lojas em Espanha e no México.

Quem mais perde com a crise
Quando a crise bate à porta a actividade contrai, o consumo diminui, as vendas descem e os lucros encolhem. Embora haja negócios que escapam ao sentimento negativo geral, grande parte dos sectores espera e desespera pela recuperação. Entre estes, a construção e o comércio e serviços figuram entre os mais atingidos.

Como sector cíclico que é, a construção é dos tradicionalmente mais penalizados pelas crises económicas e, desta vez, não houve excepção. "Portugal está numa situação difícil e o sector da construção tem sido o mais penalizado na última década. Desde 2002, houve uma quebra da produção de 36%, tendo-se perdido cerca de 201.000 postos de trabalho", esclarece Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário.

Segundo o responsável, só no último ano 5.630 empresas fecharam, algo grave para um sector que representa 1/5 do produto interno bruto de um país a tentar sair da recessão. Nos últimos anos, refere Reis Campos, as empresas de construção tiveram cada vez menos obras e, mesmo aquelas que estavam já anunciadas, acabaram por ser adiadas ou canceladas. E tudo isto num cenário em que o acesso ao crédito é cada vez mais difícil, com os bancos a pedirem elevadas garantias.

Face à adversidade do momento que Portugal atravessa, o presidente da CPCI acredita que atrair investimento privado para a reabilitação urbana pode ajudar a aliviar os problemas do sector. "Como a construção de casas novas não vai acontecer, a solução é apostar na reabilitação", afirma, notando que cada vez mais jovens querem ir para o centro da cidade. "O arrendamento tem de ir para níveis europeus, para perto dos 21%".

É preciso ser criativo e ter capacidade de adaptação
Para Sandra Horta, dona da Aberto para Obras, épocas de crise como aquela que estamos a viver são alturas em que o engenho dos empresários é posto à prova, sendo necessária uma boa dose de criatividade para sobreviver e seguir em frente. Muitas vezes, diz, ainda há solução para os problemas, mas é preciso ter "capacidade de nos remodelarmos, de reinventarmos aquilo que fazemos. É preciso que quem ainda pode, quem ainda tem essa capacidade, tenha muita imaginação".

Ter uma estrutura leve e facilmente adaptável ajuda em muito a que as empresas possam moldar-se à conjuntura e, assim, ultrapassar as dificuldades. Quando criou a empresa, Sandra optou por não contratar muita gente e na sua folha de pagamentos consta apenas o seu próprio nome. No dia-a-dia, prefere contar com uma rede de parceiros em quem confia e a quem se alia de acordo com os requisitos de cada trabalho do que ter sempre uma estrutura fixa. "Assim, para cada projecto crio uma equipa com as especialidades de que preciso e, se não tiver trabalho, consigo sobreviver com pouco, pois não tenho uma série de ordenados para pagar", explica.

E se tiver um pico de trabalho, o trabalho temporário é uma opção que lhe permite responder à altura e, ao mesmo tempo, manter sempre uma estrutura flexível. Apesar de esta opção poder não ser vista com bons olhos por alguns, a verdade é que muitos arquitectos, pintores ou carpinteiros preferem trabalhar neste regime que, ao fim do dia, lhes dá rendimentos mais elevados e uma maior liberdade para explorar oportunidades.

Comércio e Serviços: o regresso do pedir fiado
A par da construção, o sector do comércio e serviços é outra das faces mais visíveis de qualquer crise económica, com os números a revelarem uma dura realidade. Como habitualmente, quando o dinheiro diminui na carteira dos consumidores, as empresas desta área são das primeiras a fraquejar. "Multiplicou-se o número de encerramentos, que é de cerca de 40 a 50 por dia. São milhares de empresas que estão a ser afectadas", diz João Vieira Lopes. Segundo o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, "só no último ano perderam-se cerca de 40.000 postos de trabalho".

E, para o responsável da CCP, que reconhece a necessidade de se fazer o ajustamento das contas públicas, o cenário de austeridade que se avizinha não é um bom prenúncio para o futuro, pois virá agravar ainda mais a retracção do consumo. "Nas zonas de menor poder de compra houve mesmo um regresso a uma prática que tinha quase caído em desuso - o pedir fiado", nota.

Mas também neste caso pode haver formas de dar a volta. Apostar em bens transacionáveis é uma delas, ainda que Vieira Lopes alerte que aqui deve ser tido em conta que dificilmente as empresas conseguirão competir com os BRIC (Brasil, Rússia, Índica e China), que são muito concorrenciais. Assim, defende que deve haver também uma dinamização da exportação de serviços, que não têm tido apoio no mercado interno.

Transportes aceleravam com incentivos certos
Numa altura em que também as transportadoras sentem os efeitos colaterais do abrandamento económico, a Transportes Henrique e Catarina defende que, neste sector, as alternativas passam sobretudo pelos incentivos que estão sobretudo nas mãos dos governantes. Pela importância que tem para o crescimento económico nacional, o sector deveria receber alguns incentivos cruciais, que permitissem às transportadoras contribuir para o esforço de recuperação do país, dizem os responsáveis da empresa.

Entre as medidas mais necessárias, esta empresa que arrancou em 1998 como transportadora especializada de vestuário destaca a diminuição dos custos com combustíveis, que representam uma importante fatia das despesas. "O sector dos transportes está muito dependente do custo do gasóleo, uma vez que este representa cerca de 35% dos custos de exploração", dizem Henrique e Catarina, ao mesmo tempo que defendem uma diminuição do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos. "A implementação desta medida, por si só, permitiria aumentar a nossa competitividade", afirmam.

Para além disso, os sócios da empresa bracarense defendem que uma diminuição das taxas cobradas nas SCUT poderia ajudar em muito as transportadoras, que se habituaram a usar estas vias como uma alternativa às ainda mais caras auto-estradas e não encontram opções com condições para a circulação de veículos pesados de mercadorias.

Para finalizar, apontam a redução da taxa social única, a descida ou eliminação do pagamento especial por conta e a flexibilização do mercado laboral como uma forma de dar capacidade às empresas para fazer face aos desafios que enfrentam. Pelo menos do lado da TSU, a Transportes Henrique e Catarina deverá em breve ver o desejo tornado realidade.






Caminhos para superar a crise

1. Use a criatividade. Para quem ainda pode, é preciso reinventar o negócio, a oferta, a promoção.
2. Manter uma estrutura leve e flexível. Quanto menores forem os encargos fixos, mas fácil será a empresa sobreviver quando o negócio desacelera.
3. Entrar no mercado no momento certo. Saber quando se deve dar o passo em frente é, muitas vezes, um dos factores mais importantes para o sucesso.
4. Reconhecer que se precisa de ajuda. Um processo de insolvência iniciado no momento certo pode ser um importante passo no caminho da recuperação.
5. Ter apoio do Estado. São precisos incentivos-chave, que permitam às empresas desenvolver-se e contribuir para o crescimento económico do país.
6. Garantir liquidez da banca. Muitas empresas querem comprar matérias-primas e não têm capacidade para isso. E, se não têm com que produzir, também não vendem.

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