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As regras do jogo

Agora que a liga de futebol atinge a sua fase derradeira, imagine-se, por exercício académico, que é alterada a regra de atribuição de pontos por vitória, passando dos actuais três pontos para apenas dois, com efeitos retroactivos à...

21 de Maio de 2009 às 14:43
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Em Dezembro do ano passado, o Governo decidiu alterar a taxa das tributações autónomas no IRC, que passou de 5% para 10%. A aplicação retroactiva pode justificar uma reclamação.

Agora que a liga de futebol atinge a sua fase derradeira, imagine-se, por exercício académico, que é alterada a regra de atribuição de pontos por vitória, passando dos actuais três pontos para apenas dois, com efeitos retroactivos à primeira jornada. Não confirmei, mas é certo que haveria alguma reordenação de posições na tabela classificativa, para descontentamento das equipas que, ao longo da época, privilegiaram o futebol ofensivo. Podem descansar alguns adeptos e desiludir-se outros, porque não se alteram regras no decurso do campeonato - é dos livros.

A lei só deve dispor para futuro, o que significa que a sua aplicação deve apenas abranger os factos que ocorrerem após a sua entrada em vigor. Este é um princípio muito caro ao direito fiscal, sendo a própria Constituição a proibir a criação de impostos retroactivos. Note-se que o comportamento dos contribuintes é, em parte, influenciado pelo regime fiscal em vigor, e também por isso a alteração das "regras do jogo" não deve atingir factos e comportamentos passados. Recorrendo mais uma vez à alegoria futebolística, o comportamento das equipas é influenciado pelas regras que vigoram no início da época. E é assim, também, na fiscalidade.

Este princípio da não retroactividade da lei fiscal não foi seguido na alteração das taxas de tributação autónoma de IRC de 5% para 10%, à qual se atribuem efeitos a partir de Janeiro de 2008. Concretizando: por lei emitida a 5 de Dezembro de 2008, foi aumentada de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma sobre encargos relativos a despesas de representação e viaturas ligeiras, que a lei manda aplicar a todo o exercício de 2008. As taxa de tributação autónoma incide sobre certos encargos que são fiscalmente admissíveis, mas que, devido à sua especial natureza potenciadora de abusos (no caso, despesas com automóveis e de representação), o legislador onera com tributação, independentemente da existência de lucros.

Assim, durante o exercício de 2008 o comportamento das empresas neste domínio foi balizado por uma taxa de 5%, no que respeita quer ao valor de investimento em representação da empresa, quer ao investimento na frota automóvel. No final do exercício de 2008, a empresa é confrontada com a duplicação da taxa incidente sobre esses encargos, através de uma alteração legislativa que pretende aplicar a nova taxa a factos passados. Ou seja, uma decisão tomada em Janeiro assentava num quando fiscal que vem a ser alterado em Dezembro.

Invariavelmente, o Estado beneficiará da inércia de algumas empresas neste domínio, na medida em que, para uma grande parte, a duplicação da carga fiscal nas tributações autónomas não justifica um arregaçar de mangas contra esta lei. De facto, nem todas as empresas quererão reagir a este diploma, por ponderarem, justificadamente, o binómio custo-benefício.

Outras empresas, porém, terão incentivo e fundamento para reagir a esta alteração, por parecer clara a desconformidade com o princípio da não retroactividade da lei fiscal, expressamente consagrado na Constituição e na Lei Geral Tributária. Uma aplicação correcta da lei seria, julga-se, a divisão do período de tributação em dois, sendo até à data da emissão do diploma aplicada a taxa de 5% e, a partir daí, a taxa de 10%. Considerando que a declaração de IRC (modelo 22) de 2008 é para entregar até ao final deste mês de Maio, é tempo de ponderar o posicionamento da empresa nesta matéria.

As empresas poderão igualmente ter presente que uma posição mais conservadora será a de assumir a nova taxa de 10% para efeitos de auto-liquidação, mas reclamar posteriormente, invocando a sua inconstitucionalidade e o consequente reembolso do imposto auto-liquidado em excesso.

O que fazer

Certos encargos dedutíveis para cálculo do IRC são sujeitos a tributação autónoma, independentemente da existência de lucros. Isto deve-se à especial natureza desses encargos, tidos como potenciadores de abusos (no caso, despesas com automóveis e de representação).

Até ao exercício de 2007, inclusive, a taxa das tributações autónomas em IRC era de 5%. A 5 de Dezembro de 2008, essa taxa foi elevada para 10%, sendo aplicável a todo o período de tributação de 2008. A lei fiscal não deve ser retroactiva sob pena de inconstitucionalidade, e a tributação autónoma, por referência a 2008, a taxas agravadas aparenta ser retroactiva.

Sujeito a cuidada análise, as empresas poderão ponderar invocar a inconstitu-cionalidade da nova taxa para 2008. Nesse caso, deverão ter essa opção presente aquando da entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 até 31 de Maio:

a) aplicando a taxa de 5% a todas as despesas;
b) aplicando a taxa de 10% apenas às despesas posteriores à entrada em vigor da lei;
c) aplicando a taxa de 10% a todas as despesas;
d) procedendo conforme b) ou c) mas reclamando posteriormente nos termos de a) ou b).
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