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Abel Mateus: Governo “não atendeu às críticas da Concorrência “ aos CMEC

O antigo presidente da Autoridade da Concorrência garante que alertou o Governo para os perigos dos CMEC. E segundo as contas do economista, os subsídios à geração de electricidade já custaram 22,6 mil milhões de euros.

Miguel Baltazar
11 de Setembro de 2018 às 11:40
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"A Autoridade da Concorrência (AdC)  teve um papel diminuto na elaboração das políticas energéticas desde 2003. Grande parte do sistema já estava planificado. Além disso, os agentes económicos, os ministros que eram responsáveis pela elaboração dessa política, não atenderam às preocupações e críticas que a Concorrência  já estava a apontar nessa altura". A revelação foi feita por Abel Mateus, o primeiro presidente da AdC, entre 2003 e 2008, na sua intervenção inicial na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da energia.

O antigo presidente do regulador que está esta terça-feira a ser ouvido no Parlamento no reinicio dos trabalhos da comissão sobre o regime dos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) comentou ainda que "é muito difícil indicar o montante de rendas excessivas. É uma questão muito complexa".

Porém, avançou com alguns cálculos tendo como base dados da ERSE em que conclui que entre 2006 e 2018 os consumidores pagaram 22,6 mil milhões de euros de subsídios à geração de electricidade. "Montante que os contribuintes também já contribuíram para o sistema bancário português. O que mostra a existência de enormes impostos indirectos que os portugueses têm de suportar para economia portuguesa", apontou.

Deste total, segundo o economista, a maior parte está relacionada com as energias renováveis, entre os quais 5,3 mil milhões deuros com as eólicas e 6,8 mil milhões com as restantes fontes de energia renováveis. Quanto aos CAE e aos CMEC, os cálculos de Albel Mateus apontam que tiveram sobrecustos  na ordem dos 3 mil milhões de euros e 1,6 mil milhões de euros, respetivamente.

Abel Mateus não tem dúvidas de que a EDP saiu beneficiada com a passagem dos CAE para os CMEC. O responsável comentou que ainda hoje não percebe como é que foram feitos os contratos  para as centrais do Pego e da Tapada do Outeiro da EDP, uma vez que os  investimentos já estavam feitos. "Não fazia qualquer sentido a extensão dos CAE à EDP", criticou.

"Mas", continuou, " o que me faz mais espécie é o seguinte: os contratos foram formulados entre duas empresas que ainda estavam controladas pelo Estado", disse referindo-se à EDP e à REN. "E não há uma única referência nos relatórios da EDP e da REN até aos anos 2000. Como é que se fazem estas coisas sem haver qualquer discussão ou transparência?", questionou.

Umprimeiros grandes dossiê que a AdC teve em mãos relacionado om o sector da energia foi a fusão entre a EDP com a Gás de Portugal - subsidiária da Galp para o gás natural. "Na altura, a AdC pediu um estudo à Cambridge Economic [Policy Associates] que apresentou alguns argumentos contra essa fusão". Segundo Abel Mateus este documento foi enviado ao Governo e à Comissão Europeia. "Nesse estudo, a CEPA já alertava que a transformação dos CAE nos CMEC poderia ser ainda mais grave do que a fusão que estava em cima da mesa".

Ainda sobre a privatização, comentou que "a maior preocupação era maximizar o encaixe para o Tesouro e não qualquer preocupação sem termos sociais".

O economista revelou ainda que em 2005, quando entrou em funções novo Governo, o ministro da Economia à data, Manuel Pinho, pediu uma exposição  sobre o sector da electricidade. O responsável garante que já na altura a AdC alertou então "para a falta de concorrência" e para "grande parte dos problemas que hoje se fala". Porém, tal como aconteceu com o ministro Carlos Tavares em 2004, segundo o economista, as críticas "não foram ouvidas" também por Manuel Pinho. E a AdC não mais foi consultada", criticou.

Para evitar situações semelhantes, considera que "devia haver nos estatutos, tanto da ERSE como da AdC, algo que obrigasse o Governo e o Parlamento a consultar estes reguladores quando houver transformações fundamentais do mercado. Não é obrigatório. Nos estatutos actuais é facultativo", explicou.

Questionado sobre a última vez que reuniu com Manuel Pinho, revelou que foi em 2008. "Chamou-me ao seu gabinete para comunicar que o meu mandato não iria ser renovado e ponto final". 

Já sobre o papel que assessor de Carlos Tavares, Ricardo Ferreira, e hoje director do departamento de regulação da EDP teve  na criação do diploma em 2014, respondeu que parecer "foi escrito por ele [Ricardo Ferreira]. Ele era uma pessoa importante assim como foi, por exemplo, o Dr. Manso Neto, que também estava bastante envolvido na elaboração das fórmulas e do documento", acrescentou.

Os CMEC, na prática, são uma compensação relativa à cessação antecipada dos CAE, o que aconteceu na sequência da transposição da legislação europeia no final de 2004, tendo depois sido revistos em 2007 já no primeiro Governo de José Sócrates, com Manuel Pinho como ministro da Economia. Actualmente são abrangidos pelos CMEC 16 centrais híbridas da EDP. Ainda assim, mantiveram-se dois CAE - Turbogás e Tejo Energia - que são geridos pela REN Trading.

Estes polémicos contratos estão também no centro de uma investigação do Ministério Público por suspeitas de corrupção. António Mexia, presidente da EDP é um dos arguidos desta investigação.

Além da central de Sines, da EDP, cujo contrato termina no final deste ano, ainda permanecerão no regime dos CMEC 16 centrais hídricas da eléctrica liderada por António Mexia, cujos contratos terminarão faseadamente até 2027.

Abel Mateus, nomeado em 2003 para a AdC no Governo PSD de Durão Barroso, foi substituído em 2008 - no governo de José Sócrates - por Manuel Sebastião, que também será ouvido esta terça-feira no Parlamento.

Antes da interrupção para férias parlamentares, a comissão de inquérito proposta pelo BE fez já nove audições - a última em 25 de Julho - tendo esta fase inicial sido focada nos especialistas e nos reguladores.


(Notícia actualizada às 12:57)

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