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Assunção Faria: "Querem acabar com os pequenos, que pagam tudo direitinho"

O mini-mercado "Rio", em Famalicão, já tinha enfrentado um rude golpe com a abertura de supermercados nas proximidades. Quando o Governo obrigou a comprar uma máquina de dois mil euros, os donos fecharam portas.

Paulo Duarte/Negócios
30 de Abril de 2013 às 00:15
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Assunção está sentada no sofá, a mexer no computador, com o marido. Desde que perdeu o trabalho que tinha no mini-mercado Rio, esta famalicense, de 53 anos, não tem saído de casa após o almoço. Quando trabalhava, vinha a casa almoçar e regressava a Pousada de Saramagos, uma freguesia entre Vila Nova de Famalicão e Guimarães, onde tinha o estabelecimento. Desde Janeiro, a única coisa em comum com esses tempos é mesmo o facto de continuar a almoçar em casa. A comprová-lo, a carrinha Seat Inca, de cor branca, está, a maior parte do tempo, estacionada à porta de casa – antes, só era possível vê-la, durante tanto tempo, à noite.

O mini-mercado Rio fechou em Janeiro deste ano. Fechou por variadas razões, mas "principalmente por causa do Governo". "Os lucros já estavam mínimos", por causa da concorrência de outras superfícies maiores – em especial do supermercado Bolama. "O negócio piorou mais quando abriu o Bolama [em Joane]". Com a crise, os clientes vão às grandes superfícies, "por causa das marcas brancas, e é muito difícil ser competitivo, até porque as marcas aguentam as promoções".

Assunção trabalhava no mini-mercado que pertencia ao irmão, Jorge Rio. Por isso prefere não entrar em detalhes sobre números. A "estocada final" no negócio foram as novas regras de facturação do Governo, que obrigaram os pequenos comerciantes a adquirir novas máquinas registadoras, que emitam facturas. Assunção, ou "São", como é tratada, recorda-se do que pensou quando soube que tinha de comprar uma máquina registadora nova.

"A minha contabilista disse-me que eu precisava de comprar a máquina. Com 53 anos, não ia investir entre 1.500 a 2.000 euros numa máquina por meia dúzia de anos, com os problemas de vendas que tinha", justificou. "Estas máquinas registadores foram a machadada final em muito negócio, inclusive no meu", lamenta. Assunção trabalhava no mini-mercado "desde 1997 ou 1998", e entende que quem comprou a máquina fez um mau negócio: "as pessoas que investiram nisso vão acabar por fechar".

O marido, Manuel Faria, é estofador e não poupa nas críticas a esta medida do Governo. "Quem toma uma medida destas não faz ideia de como são as coisas no dia-a-dia", critica. "São as pequenas e médias empresas que fazem com que o País se desenvolva. Duvido que as grandes superfícies paguem os impostos todos", acrescenta. Para Manuel Faria, que também tem notado a retracção do mercado no seu negócio, "o que eles querem é acabar com os pequenos, que são os que pagam tudo direitinho".

Consumo de papel dispara com novas máquinas

Os defeitos do novo sistema são muitos. "Eu ia precisar de alguém para me ajudar com a nova máquina, só tenho o 6º ano e não tenho conhecimentos informáticos", sublinha Assunção. Além disso, a obrigatoriedade de registar todos os produtos "ia tornar tudo muito mais lento". Mas há outras razões, mais prosaicas, que mostram que houve retrocessos. "Eu comprava um rolo de papel [para a máquina registadora] por 40, 50 cêntimos, que me dava para uma semana, em média. Agora, os rolos são mais largos, e a quantidade de papel que sai de cada vez também é maior. Não sei quanto custam, mas deve ser pelo menos o dobro, e não devem durar nem metade do tempo", conjectura. "E é só papel para deitar fora!".

Assunção era empregada do irmão e, por isso, está no "fundo de desemprego". Mas não se convence com as razões que o Governo invoca: reduzir a fuga aos impostos dos comerciantes. "A máquina só regista o que lá se põe, há muitas coisas que podem não ser registadas". Os pequenos estabelecimentos, prossegue, "não conseguem fugir muito aos impostos, vão sempre pagando o IVA". No mini-mercado "nunca houve dívidas ao Estado". Mas nas grandes superfícies é mais fácil "usar artimanhas".

Agora, Assunção Faria divide os seus tempos pela lida da casa e pelo neto, com quase cinco anos. Com 53 anos, Assunção não tem esperança de ainda conseguir um emprego. Resta-lhe o conforto pelo alerta que o Presidente da República lançou sobre os desempregados do seu grupo etário, no discurso de 25 de Abril. "Possuem um capital de vida que não podemos desperdiçar", afirmou.

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