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José Santos: "Está tudo comprometido e o País assim não vai a lado nenhum"

A Vencedora, em Lisboa, vende cada vez menos molduras. Como todo o pequeno comércio, sofre o embate da crise e das novas regras impostas às empresas. São "muitas mudanças" e todas ao mesmo tempo.

30 de Abril de 2013 às 00:15
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Aqui emoldura-se de tudo. Desde as tradicionais fotografias e quadros a diplomas de curso, armas antigas, sapatos de criança, chapéus, óculos. Até já houve quem tivesse posto numa moldura a camisa de noite da avó. Emoldura-se de tudo, mas também se emoldura casa vez menos, que é certo e sabido que "as molduras não enchem barrigas". Por isso A Vencedora, que abriu portas vai para mais de um século, já viveu tempos muito melhores. "Futuro? Não vejo aqui grande futuro", diz , pragmático, José Santos, 75 anos, proprietário, cuja vida se confunde com a do antigo estabelecimento, ou não tivesse ele começado a trabalhar ali ainda nem 12 anos tinha.

Enquanto fala, entra um cliente. São pouco mais das dez da manhã e é o primeiro do dia. Gasta 10,30 euros e diz que não, obrigada, mas não precisa de factura. Ainda assim, sai com ela na mão, uma folha de papel com vários duplicados, preenchida com caneta azul por Cândida Santos, filha de José e responsável pelo atendimento ao público. Ao longo do dia não passará muitas, porque as vendas são cada vez menos e os lucros, tal como elas, também têm vindo a decair. O cliente sai e ouve-se o tilintar da campainha da máquina registadora. Das antigas, com teclas à séria, que vão baixando e subindo em sequência, umas atrás das outras. Ali ainda não se fizeram sentir em pleno as novas regras de facturação, mas os sustos têm sido muitos.

A Vencedora, paredes meias com o hospital de São José, em Lisboa, foi fundada em 1875 e é um negócio de família. José, a filha Cândida e o filho Jorge são os únicos funcionários e a facturação não chega aos 100 mil euros anuais. Foi só por isso que a velha máquina registadora, à beira de completar meio século, se pôde manter em funções. Em contrapartida, foi preciso "alterar os livros todos", porque deixou de ser possível trabalhar com as habituais "vendas a dinheiro". Agora, com as novas facturas-recibo, "tem de ir o recibo e a factura em duplicado para o cliente, mais um triplicado e um duplicado do recibo para nós", explica Cândida. "Vendemos um vidro para uma moldura por um euro e tempos de passar meia dúzia de folhas que às vezes as pessoas nem querem levar".

Nova lei das rendas: mais uma pedra no sapato

Comprar uma máquina nova, com ‘software’ de facturação certificado, seria um abalo muito grande nas contas d’ A Vencedora e num negócio que "não suporta grandes alterações", reconhece José. Esse susto passou, mas há outro a caminho. Ainda que apenas informalmente, o senhorio já avançou com uma proposta de aumento de renda, aproveitando a porta aberta pela nova lei do arrendamento urbano. O contrato é antigo, muito anterior a 1995, mas tem vindo a ser actualizado, garante o dono da loja. Pagam 150 euros por mês, depois de um aumento recente, por acordo, mas agora, "já quer aumentar de novo, desta vez para o dobro. Não é aceitável, é um oportunismo muito grande", desabafa. "Como é que uma lei destas sai numa altura em que o País está desgraçado, e permitindo ao senhorio pôr e dispor? É um desgoverno muito grande deste Governo. Está tudo comprometido e o País assim não vai a lado nenhum".

José Santos tem seis netos, mas nenhum disposto a seguir-lhe as pisadas e a tomar conta do negócio da família. "A seguir aos meus filhos, quem é que vai querer fazer molduras? Os computadores não fazem e os jovens só sabem trabalhar nos computadores". O filho Jorge, é o responsável pela parte manual do negócio. É ele quem faz as molduras, trabalha o vidro, corta os espelhos. Por vezes ainda trabalham com obras, em projectos de construção, mas cada vez menos. As paredes da loja cheias de quadros empoeirados, guardam ainda pedaços da longa história do estabelecimento. "Costumava pedir quadros a pintores, quadros a óleo, muito bons, que depois vendíamos aqui". Ainda restam alguns, mas poucos. "As pessoas que os compravam deixaram de ter dinheiro para isso, e as pessoas que têm dinheiro vão às grandes galerias", explica José.

São "muitas mudanças", todas ao mesmo tempo. E agora, até as regras de transporte vão mudar, diz Cândida. "Temos de ver isso com o guarda-livros, parece que vai ser preciso pedir um código às Finanças quando se sai com mercadoria. Isso foi adiado? Ai que fixe."

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