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Morreu Alexandre Soares dos Santos
O empresário morreu esta sexta-feira à noite aos 84 anos.
Alexandre Soares dos Santos morreu esta sexta-feira, noticiou o jornal Público. O gestor tinha 84 anos e foi presidente da Jerónimo Martins durante mais de 40 anos. O seu filho, Pedro Soares dos Santos, é o CEO da empresa que controla o Pingo Doce.
Fonte próxima da família disse à Lusa que as cerimónias fúnebres serão "reservadas à família, por vontade expressa" de Alexandre Soares dos Santos. "Haverá um momento público de homenagem em data a anunciar", adiantou a fonte.
Alexandre Soares dos Santos disse recentemente que a sua vida foi "apenas dedicada a duas coisas: a empresa e a família". Mas nas duas últimas décadas não deixou de exprimir as suas opiniões e de polemizar, por ideias que considera vitais para a mudança de Portugal.
Como reconheceu, "todas as doenças muito graves, e eu já tive várias, nos lembram a nossa finitude". O que lhe permitiu elaborar uma espécie de lição de vida: "não somos eternos e não vamos viver para sempre. Nisso somos todos iguais. É, pois, importante que vivamos o melhor que conseguirmos. O que, para mim, quer dizer, mais do que qualquer outra coisa, ser leal e verdadeiro comigo próprio. Acho que termos consciência do fim nos ajuda a viver com mais coragem. No fundo, a saber que viver tem de ser mais do que simplesmente sobreviver".
ALEXANDRE SOARES DOS SANTOS
Foi devido à doença que não conseguiu estar presente na atribuição do prémio Personalidade do Ano, que o Negócios atribuiu em maio no âmbito dos Prémios Excellens Oeconomia.
No discurso lido pelo seu filho, Pedro Soares dos Santos, o empresário não escondeu "que me enche de satisfação ver reconhecido o valor do Grupo Jerónimo Martins, a cujo crescimento dediquei mais de 45 anos de trabalho e que emprega, em três países, mais de 110 mil pessoas".
Foi aos 79 anos que se afastou dos órgãos de gestão do grupo Jerónimo Martins e da empresa que o controla (com 56,1% do capital), a Sociedade Francisco Manuel dos Santos.
O empresário foi condecorado, em abril de 2017, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Empresarial, tendo o chefe de Estado destacado o seu lado de "responsabilidade social" e o papel como servidor da comunidade.
Numa nota publicada na página da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu hoje o "relevante papel na vida económica, social e cultural portuguesa" do empresário, evocando a "personalidade singular" do antigo presidente do grupo Jerónimo Martins. "Pessoalmente consternado", Marcelo Rebelo de Sousa acrescenta na mensagem que apresenta "à família muito sentidas condolências".
Alexandre Soares dos SAntos
O percurso do empresário que foi CEO mais de 40 anos
Soares dos Santos tornou-se líder do Jerónimo Martins em 1968, então com 300 pessoas no comércio e duas mil na indústria, e hoje tem na distribuição 110 mil pessoas e está a caminhar para os 20 mil milhões em vendas.
Nascido no Porto a 23 de Setembro de 1934, Alexandre Soares dos Santos veio para Lisboa com um ano quando o pai se mudou para Lisboa para trabalhar com o sogro na Jerónimo Martins. Frequentou a escola primária no Colégio Académico dos Anjos, e depois foi fazer o secundário, como aluno interno, no colégio católico Almeida Garrett do Porto.
Quando terminou o quinto ano, voltou a Lisboa para o Liceu D. João de Castro. Do colégio interno recorda o diretor, o padre Avelino Soares, que o disciplinou: "Não era rebelde no sentido de me portar mal. Não aceitava as coisas sem explicação. Ainda hoje não aceito. Esse padre ensinou-me a aceitar a opinião dos outros e a organizar a minha vida".
Decidiu-se pelo curso de Direito na Faculdade de Direito de Lisboa que então funcionava no Campo de Santana. Em 1956, frequentava o terceiro ano quando se candidatou a manager trainee da Unilever. Falava inglês e alemão, foi entrevistado, fez os testes na sede da Unilever em Roterdão e foi convidado para a empresa.
A 1 de janeiro de 1957 estava na Alemanha como trainee de marketing numa formação na multinacional anglo-holandesa, tendo estagiado nas empresas de margarinas e de detergentes, Margarine Union e Sunlight Gessellschaft. No fim desse ano, a 28 de Dezembro de 1957, casou-se em Lisboa com Maria Teresa Canas Mendes da Silveira e Castro (Lisboa, 17 de Outubro de 1932). Depois disso passou pela Irlanda, França, Portugal e Brasil, sempre ligado a Lever.
Quando, em 1968, por morte súbita do pai, Alexandre Soares dos Santos chegou à liderança dos Estabelecimentos Jerónimo Martins, este era um dos maiores armazenistas portugueses e tinha uma componente industrial importante, fruto da sua aliança com a Unilever na Lever Portuguesa, Fima e Iglo.
Nesta altura começa a verdadeira história de Alexandre Soares dos Santos que é a da construção de uma multinacional de distribuição portuguesa, a Jerónimo Martins, com as suas marcas principais: Pingo Doce e Recheio em Portugal, Biedronka na Polónia e Ara na Colômbia.
Em 1978 entrou na distribuição moderna com a criação do Pingo Doce e em 1988 comprou o cash & carry Recheio. Um ano depois a Jerónimo Martins passava a estar cotada em bolsa. À entrada de 2000 tinha negócios de distribuição em Portugal, Brasil, Polónia e Inglaterra, negócios industriais com a Unilever, nas águas com a Vidago, na finanças com o BCP, no imobiliário com a Mundicenter.
A crise, que explode em 2001, foi intensa e brutal, mas foi uma espécie de expiação e uma passagem para um mundo melhor com a Biedronka a tornar-se líder de mercado na Polónia, o Pingo Doce e o Recheio a alcandorarem-se à primazia na distribuição em Portugal. Uma década de prosperidade que serviu para preparar e fazer a passagem de testemunho de Alexandre Soares dos Santos para o filho Pedro Soares dos Santos, o que marca a chegada ao poder da quarta geração.
Em 2009, lançou a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que tem marcado a vida social, cultural e científica em Portugal e, mais tarde, surgiu a Fundação Oceano Azul, que detém o Oceanário de Lisboa.
A biblioteca da Nova School Business Economics em Carcavelos tem os nomes de Alexandre e Teresa Soares dos Santos, graças a uma contribuição superior a cinco milhões de euros. "A nossa obrigação é contribuir para um Portugal melhor e não apenas distribuir dividendos", justificou Alexandre Soares dos Santos na altura.
"Eu não quero ser mais um. Eu quero ser um"
"Tive muitos momentos felizes. Cheguei ao fim da minha vida profissional sem qualquer frustração", disse Alexandre Soares dos Santos, depois de ter presidido pela última vez, a 30 de Outubro de 2013, ao Conselho de Administração da Jerónimo Martins, empresa que controla com 56,1% do capital, através da Sociedade Francisco Manuel dos Santos. Foi dos grandes obreiros desta multinacional de matriz portuguesa que assim cumpriu a ambição que o movia: "eu não quero ser mais um. Eu quero ser um".
Em entrevista ao Negócios na mesma altura em que deixou de ser CEO, Soares dos Santos reconheceu que "tudo me correu bem. Fui feliz no casamento, fui feliz nos filhos, tenho netos. Os negócios correrem muito bem, gosto das pessoas e as pessoas gostam de mim. De maneira que sou um tipo feliz".
O grupo Jerónimo Martins, em que pontifica o filho, Pedro Soares dos Santos não deixou na altura de, num curto comunicado, enaltecer o papel do empresário: "No momento em que Jerónimo Martins toma conhecimento da decisão de afastamento do seu líder histórico, e em nome dos mais de 60 mil colaboradores do Grupo em Portugal, na Polónia e na Colômbia, manifestamos ao Sr. Soares dos Santos a nossa mais profunda gratidão pela visão estratégica e ousadia com que construiu, ao longo dos últimos 45 anos, o que Jerónimo Martins é hoje. A sua liderança e inspiração e a forma como sempre contagiou a Organização com os valores - que lhe são tão caros - da disciplina, do trabalho e do respeito pela humanidade permanecerão como um exemplo para a Gestão, que se compromete, hoje e sempre, a dar-lhes continuidade".
No discurso lido pelo seu filho em maio (em baixo na íntegra), no âmbito da atribuição do prémio Personalidade do Ano, Soares dos Santos destacou ser um "empresário cristão" que tem "razões para estar satisfeito".
O discurso de Soares dos Santos na íntegra
Agradeço ao júri e aos organizadores a honra que constitui receber este prémio, e não escondo que me enche de satisfação ver reconhecido o valor do Grupo Jerónimo Martins, a cujo crescimento dediquei mais de 45 anos de trabalho e que emprega, em três países, mais de 110 mil pessoas.
Engrandecer o negócio iniciado pelo meu avô, e desenvolvido pelo meu pai, sem nunca comprometer os valores de integridade, humanidade e solidariedade, que sempre foram os seus, foi para mim uma missão de vida.
Quando olho para Jerónimo Martins, que vende hoje à volta de 18 mil milhões de euros, e que investe, todos os anos, centenas de milhões de euros, dos quais 100 milhões de euros em Portugal, só posso dizer-vos que tem valido muito a pena. E mais ainda quando sei que o desempenho económico e financeiro tem andado de mãos dadas com a presença do Jerónimo Martins em relevantes índices de sustentabilidade internacional, e que é a única companhia portuguesa a marcar posição no Top 200 Global Companies do ranking Global Equileap Gender Equality, que reconhece as companhias cotadas com mais provas dadas em matérias de equilíbrio de género no local de trabalho e de justiça económica para as mulheres.
Além disso, entre donativos alimentares e monetários às comunidades envolventes, o conjunto de todas as companhias do grupo apoiou em 2018 o equivalente a mais de 50 milhões de euros, beneficiando acima de um milhão de pessoas. No ano passado, só em Portugal, entre o Pingo Doce e o Recheio, foram doados mais de 6,5 mil toneladas a 600 instituições de solidariedade. É também isto que significa sermos um grupo responsável e próximo das pessoas.
Já fora do perímetro do Jerónimo Martins, orgulho-me ainda da nossa parceria com a Unilever, que celebra este ano o 70.º aniversário, e que trouxe aos portugueses marcas que lhes são muito queridas como a Olá, a Knorr, a Maizena, o Skip, a Vaqueiro, a Dove, só para mencionar algumas. Como me orgulho dos cem anos que a marca Gallo completa este ano, 2019, e da sua presença em mais de 40 países espalhados pelo mundo.
Não me faltam, como veem, razões para estar satisfeito com os frutos da minha atividade profissional e com o que o êxito nos tem permitido fazer.
Também fora do mundo dos negócios, não quero deixar de mencionar a Fundação Francisco Manuel dos Santos e a Fundação Oceano Azul, investimentos sociais e ambientais da minha família, dos quais o único retorno que esperamos é uma sociedade civil mais forte, um Portugal mais lúcido e livre e um planeta mais sustentável para as futuras gerações.
Ao longo da minha vida procurei acima de tudo ser um homem responsável e livre, com independência para pensar e decidir pela minha cabeça. Nunca quis ficar a dever favores, para poder decidir os negócios da minha família de forma totalmente independente do poder político. Fui conduzido sempre pelo respeito por todas as pessoas, por um sentido de compromisso cívico e pelo empenho no bem comum. Sou assim, sou, ao fim e ao cabo, um empresário cristão, que acredita que a verdadeira prosperidade tem sempre rosto humano e um forte sentido ético.