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Alexandre Soares dos Santos: A construção de uma multinacional

Em 1967 tornou-se líder do Jerónimo Martins, que era um dos maiores armazenistas portugueses e se associara industrialmente com a Unilever. Em 2013, quando saiu, era uma multinacional portuguesa na distribuição com presença em Portugal, Polónia e Colômbia.

Filipe S. Fernandes 06 de Junho de 2019 às 12:30
Luís Santana, José Manuel Bernardo, Pedro Siza Vieira, Pedro Soares dos Santos e Fátima Barros. Mariline Alves
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"Tive muitos momentos felizes. Cheguei ao fim da minha vida profissional sem qualquer frustração", disse Alexandre Soares dos Santos, depois de ter presidido pela última vez, a 30 de Outubro de 2013, ao Conselho de Administração da Jerónimo Martins, empresa que controla com 56,1% do capital, através da Sociedade Francisco Manuel dos Santos. Foi dos grandes obreiros desta multinacional de matriz portuguesa que assim cumpriu a ambição que o movia: "eu não quero ser mais um. Eu quero ser um".

O grupo Jerónimo Martins, em que pontifica o filho, Pedro Soares dos Santos não deixou de num curto comunicado enaltecer o papel do empresário: "No momento em que Jerónimo Martins toma conhecimento da decisão de afastamento do seu líder histórico, e em nome dos mais de 60 mil colaboradores do Grupo em Portugal, na Polónia e na Colômbia, manifestamos ao Sr. Soares dos Santos a nossa mais profunda gratidão pela visão estratégica e ousadia com que construiu, ao longo dos últimos 45 anos, o que Jerónimo Martins é hoje. A sua liderança e inspiração e a forma como sempre contagiou a Organização com os valores - que lhe são tão caros - da disciplina, do trabalho e do respeito pela humanidade permanecerão como um exemplo para a Gestão, que se compromete, hoje e sempre, a dar-lhes continuidade".

Nascido no Porto a 23 de Setembro de 1934, Alexandre Soares dos Santos veio para Lisboa com um ano, quando o pai se mudou para Lisboa para trabalhar com o sogro na Jerónimo Martins. Frequentou a escola primária no Colégio Académico dos Anjos, e depois foi fazer o secundário, como aluno interno, no colégio católico Almeida Garrett, do Porto. Fez alguns amigos, como o malogrado Francisco Sá Carneiro, seu colega de carteira, que viria a ser primeiro-ministro e líder do PSD, e foi condiscípulo de Pinto da Costa, presidente do FC do Porto, e de Rui Vilar, antigo presidente da CGD e da Fundação Gulbenkian.

Quando terminou o quinto ano, regressou a Lisboa para o Liceu D. João de Castro. Do colégio interno recorda o diretor, o padre Avelino Soares, que o disciplinou: "eu não era rebelde no sentido de me portar mal. Não aceitava as coisas sem explicação. Ainda hoje não aceito. Esse padre ensinou-me a aceitar a opinião dos outros e a organizar a minha vida".

Carreira na Unilever

Decidiu-se pelo curso de Direito na Faculdade de Direito de Lisboa, que então funcionava no Campo de Santana. Em 1956, frequentava o terceiro ano quando se candidatou a manager trainee da Unilever, multinacional anglo-holandesa e que é parceira de negócios desde 1949. Falava inglês e alemão, foi entrevistado, fez os testes na sede da Unilever, em Roterdão, e foi convidado para a empresa. Entretanto, num dos exames chumbou a Direito Constitucional, com Marcello Caetano, e não precisou de mais incentivo para procurar uma carreira internacional. Confessou à Visão: "seduziu-me a hipótese de estudar no estrangeiro e tinha uma oportunidade na mão - esta, no fundo, foi a razão principal. Se não fosse esse convite, talvez tivesse concluído o curso de Direito".

Todas as doenças graves, e eu já tive muitas, nos lembram a nossa finitude.

A nossa obrigação é contribuir para um Portugal melhor e não apenas distribuir dividendos. 
alexandre soares dos santos


A 1 de janeiro de 1957 estava na Alemanha como trainee de marketing numa formação na multinacional anglo-holandesa, tendo estagiado nas empresas de margarinas e de detergentes, Margarine Union e Sunlight Gesellschaft. No fim desse ano, a 28 de Dezembro de 1957, casou-se em Lisboa com Maria Teresa Canas Mendes da Silveira e Castro (Lisboa,17 de Outubro de 1932).

Em Maio de 1958, foi colocado na Irlanda, onde deu início à carreira profissional na Lever Brothers. Em Novembro de 1958 seguiu para França, onde foi product manager de detergentes na Savonneries Lever, durante 14 meses. Em Julho de 1960, foi transferido para Portugal, ocupando o lugar de marketing manager dos detergentes. Em Novembro de 1963, foi para São Paulo (Brasil) como deputy marketing diretor da área dos detergentes. No Brasil participou ativamente no processo de fusão da Gessy-Lever.

Génese da multinacional

Quando, em 1968, por morte súbita do pai, Alexandre Soares dos Santos, chegou à liderança dos Estabelecimentos Jerónimo Martins, este era um dos maiores armazenistas portugueses, com 300 pessoas, e tinha uma componente industrial importante, fruto da sua aliança com a Unilever na Lever Portuguesa, Fima e Iglo, com cerca de duas mil pessoas.

Nesta altura começa a verdadeira história de Alexandre Soares dos Santos que é a da construção de uma multinacional de distribuição portuguesa, o Grupo Jerónimo Martins, com as suas marcas principais Pingo Doce e Recheio, em Portugal, Biedronka, na Polónia, e Ara, na Colômbia, e que levanta voo sobretudo depois de ter resistido às nacionalizações no período a seguir ao 25 de Abril de 1974.

Em 1978 entrou na distribuição moderna com a criação do Pingo Doce, tendo feito uma aliança com os belgas Delhaize em 1985, mais tarde substituídos pela Ahold, e em 1988 comprou o cash & carry Recheio, cujo crescimento foi potenciado com uma aliança com a Booker, que depois saiu. Um ano depois a Jerónimo Martins passava a estar cotada na Bolsa de Lisboa. À entrada do ano 2000 tinha negócios de distribuição em Portugal, Brasil, Polónia e Inglaterra, negócios industriais com a Unilever, nas águas com a Vidago, na finança com o BCP, no imobiliário com a Mundicenter.

Crise virtuosa

A crise do grupo Jerónimo Martins, que explode em 2001, foi intensa e brutal, tendo de alienar ativos no valor de 410 milhões de euros, com menos-valias expressivas, com a venda da Lillywhites, Sé (Brasil) e Jumbo (Polónia).

Foi uma espécie de expiação e uma passagem para um mundo melhor, com a Biedronka a tornar-se líder de mercado na Polónia, o Pingo Doce e o Recheio a alcandorarem-se à primazia na distribuição em Portugal. Uma década de prosperidade, que serviu para preparar e fazer a passagem de testemunho de Alexandre Soares dos Santos para o filho Pedro Soares dos Santos, o que marca a chegada ao poder da quarta geração.

Em 2009, lançou uma fundação, que tem marcado a vida social, cultural e científica em Portugal e que é a Fundação Francisco Manuel dos Santos, e, mais tarde, surgiu a fundação Oceano Azul, que detém o Oceanário de Lisboa, e apoia uma instituição no Porto que é a Arco Maior.

Em Março de 2013 ainda assistiu como presidente da Jerónimo Martins ao lançamento da rede Ara, na Colômbia. Meses depois, quando saiu do Grupo Jerónimo Martins, sentia a leveza do dever cumprido. Como disse numa entrevista, "peguei no Jerónimo Martins, então com 300 pessoas no comércio e duas mil na indústria, e hoje tem na distribuição 110 mil pessoas e está a caminhar para os 20 mil milhões em vendas".

A biblioteca da Nova School Business Economics em Carcavelos tem os nomes de Alexandre e Teresa Soares dos Santos, graças a uma contribuição superior a cinco milhões de euros. "A nossa obrigação é contribuir para um Portugal melhor e não apenas distribuir dividendos", justificou Alexandre Soares dos Santos.

Disse que a sua vida foi "apenas dedicada a duas coisas: a empresa e a família". Mas nas duas últimas décadas não deixou de exprimir as suas opiniões e de polemizar, por ideias que considera vitais para a mudança de Portugal.

Como reconheceu, "todas as doenças muito graves, e eu já tive várias, nos lembram a nossa finitude". O que lhe permitiu elaborar uma espécie de lição de vida: "não somos eternos e não vamos viver para sempre. Nisso somos todos iguais. É, pois, importante que vivamos o melhor que conseguirmos. O que, para mim, quer dizer, mais do que qualquer outra coisa, ser leal e verdadeiro comigo próprio. Acho que termos consciência do fim nos ajuda a viver com mais coragem. No fundo, a saber que viver tem de ser mais do que simplesmente sobreviver".

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