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Galp "sem pressa" de investir na refinaria com Northvolt. "Projeto pode ficar orfão se não houver lítio português", diz CEO

O CEO da Galp, Filipe Silva, avisou: "O mercado apresenta muitos desafios e não temos pressa de tomar uma decisão final de investimento" na construção da refinaria de lítio em solo português. Esta decisão devia acontecer até ao fim de 2024.

O CEO da Galp, Filipe Silva, teme que a contribuição extraordinária acabe por se perpetuar em Portugal.
Paulo Calado
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O CEO da Galp, Filipe Silve, disse hoje numa conversa telefónica com analistas, depois da apresentação dos resultados da petrolífera relativos aos primeiros nove meses do ano, que o projeto Aurora Lithium - a joint venture criada com a gigante sueca Northvolt para criar uma refinaria de lítio em Setúbal - "está ainda a decorrer" e neste momento entrou na sua "fase final de detalhe na parte de engenharia". 

No entanto, o responável avisou que "o mercado apresenta muitos desafios e não temos pressa de tomar uma decisão final de investimento" na construção da refinaria de lítio em solo português. A Galp tinha garantido que tomaria esta decisão até ao final deste ano, sem falta, o que não deverá mesmo acontecer. 

"Ainda não estamos lá. Enquanto não houver exploração, não vamos tomar qualquer decisão", disse o CEO, indicando que o projeto Aurora está agora dependente de haver lítio português. A Galp também já assinalou que sem apoios financeiros será complicado avançar.

"Estamos a ter discussões sobre incentivos. Já foi feito muito trabalho, mas ainda está a decorrer. O mercado apresenta um contexto muito desafiante e não temos pressa de nenhuma de tomar uma decisão final de investimento até vermos um retorno apropriado para o projeto. E ainda não estamos lá neste momento", clarificou o CEO. 

E acrescentou, deixando um aviso às empresas mineiras e ao Governo: "Estamos preocupados que este projeto possa ficar orfão no caso de não haver mineração de lítio em Portugal, o que também parece estar atrasado. Não vamos assumir o risco de investir numa refinaria até vermos a operação de mineração em curso e espodumena de lítio a ser produzida no país e como parte da equação", explicou Filipe Silva aos analistas.

Contactada pelo Negócios, para esclarecer no que poderá consistir esta eventual "orfandade" do projeto caso não haja lítio no país - se sairá a Galp ou a Northvolt, as duas, ou mesmo a refinaria nem sequer sair do papel - fonte oficial da Galp disse não ter mais nada a acrescentar, além do que foi dito pelo CEO. 

Refinaria em Setúbal depende de apoios financeiros

Há apenas um mês, fonte oficial da Galp confirmou ao Negócios atrasos de dois anos na refinaria (de 2026 para 2028), mas garantiu que a empresa continua comprometida com o projeto (que poderá criar 1.500 empregos diretos e indiretos). No entanto, alertou que o acesso a fundos nacionais e europeus não está garantido e tem contribuído para os atrasos.

Nos últimos tempos têm surgido cada vez mais dúvidas sobre a chegada deste projeto a bom porto, principalmente por parte da Northvolt, que enfrenta sérias dificuldades finnaceiras e viu mesmo o Governo sueco negar-lhe um resgate oara equilibrar as contas da empresa. Para isso, a gigante europeia das baterias teve de anunciar milhares de despedimentos e o congelamento da expansão da gigafábrica na Suécia. 

Apesar dos constrangimento da sua parceira, até agora, a Galp tem vindo sempre a dizer que o projeto Aurora está a avançar conforme planeado, mas as palavras de Filipe Silva, esta manhã trazem ainda mais incertezas sobre se Portugal poderá mesmo vir a contar com uma refinaria de lítio em setúbal. 

 
O projeto Aurora Lithium - formada em 2021 - deverá avançar só em 2028. Ou seja, dois anos mais tarde do que as previsões iniciais que apontavam para 2026. 


O investimento estimado na construção desta refinaria é 1.300 milhões de euros (o dobro do estimado), para uma capacidade inicial de produção anual até 35 mil toneladas de hidróxido de lítio, o suficiente para produzir baterias para equipar mais de 700 mil novos veículos elétricos.

"Devido à natureza e complexidade do projeto, continuam a ser desenvolvidas ações (incluindo acesso a fundos nacionais ou europeus que nos permitam competir com outros projetos e que ainda não estão garantidos) e os estudos indispensáveis para a tomada de decisão final de investimento, o que determinou o atraso na execução do projeto", referiu a mesma fonte.

Antes de tomar a decisão final de investimento, o consórcio tem de garantir o acesso a fundos nacionais ou europeus "que ainda não estão garantidos", bem como realizar os estudos necessários

No site do Banco Europeu de Investimento, o projeto da refinaria de Setúbal surge incluído na lista de "projetos a financiar", isto depois da Galp e Northvolt terem submetido uma proposta ao banco, pedindo 850 milhões de euros. Este pedido está "para aprovação" desde fevereiro de 2024, refere o BEI.  

Nessa mesma altura, fonte da Galp tinha já dito que a incerteza sobre quando o fornecimento de lítio a partir de minas localizadas em Portugal poderá estar disponível também prejudicou os prazos de desenvolvimento do projeto. 

"É também determinante termos confiança sobre a data de início de produção de concentrado de espodumena das minas em Portugal", disse.
 
No ano passado, a Northvolt estimou que o custo de desenvolvimento da refinaria em Setúbal seria de 700 milhões de euros. Inicialmente, a construção da fábrica deveria ser paga conjuntamente pela Galp e pela Northvolt, mas o fabricante sueco de baterias confirmou que as duas empresas estão em busca de financiamento e apoios da União Europeia.

Ou seja, o objetivo era precisamente garantir financiamento através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) da União Europeia. No entanto, com este adiamento dos prazos do projeto Aurora, as empresas acabaram por retirar esse pedido de ajuda aos fundos europeus, já que o PRR abrange apenas projetos que entrarão em produção até ao final de 2026.
 
Já este ano, a Galp confirmou ao Negócios que os investimentos em Portugal podem estar em risco por causa da elevada carga fiscal no país, já que que "esses projetos dependem de um equilíbrio entre riscos e rentabilidade", tendo em conta os custos de investimento, financiamento e operação, perspetivas de mercado, entre muitos outros.
 
"Esperamos que a pesada tributação que atinge os nossos negócios na península Ibérica não nos impeça de avançar mais depressa na região", alertou a administradora financeira da Galp, Maria João Carioca. 

"O contexto regulamentar e fiscal pode ter, naturalmente, um impacto determinante na avaliação dos riscos, podendo funcionar como acelerador ou travão de uma decisão de investimento", admitiu a petrolífera.

Quanto à possibilidade de o projeto da refinaria de Setúbal acabar por ser desenvolvido noutro país, fontes ouvidas pelo Negócios não confirmaram este cenário. Mas sublinharam que "a Galp e a Northvolt ainda aguardam pela decisão de atribuição de incentivos nacionais e/ou europeus para o projeto", sendo esta uma "peça fundamental para que o projeto seja competitivo internacionalmente".

Em crise, Northvolt não fala sobre refinaria de lítio em Portugal

Enquanto isso, a Northvolt continua a lutar para equilibrar as suas contas e a negociar um pacote de resgate financeiro no valor de 300 milhões de dólares (277 milhões de euros), que inclui dívida e equity, o que permitirá ganhar tempo para estabilizar a sua produção e estabilizar as contas, enquanto negoceia novos financiamentos a mais longo prazo. 

Este novo pacote de resgate será pago por um conjunto de acionistas, financiadores e clientes, através de diferentes instrumentos de financiamento, refere a Bloomberg. As negociações já estão na sua fase final, apesar de existirem ainda alguns fatores de risco que podem fazer cair o processo por terra, referem as mesmas fontes. 

Para a Northvolt, este apoio permite uma "almofada financeira" à fabricante de baterias enquanto encontra outros meios de financiamento mais permanentes, que possam conduzir a contas mais estáveis. A empresa já assinou contratos de financiamento de baterias no valor de dezenas de milhares de milhões de euros, mas tem tido dificuldades em entregar os equipamentos com qualidade e de forma constante. 

Desde 2017, a sueca já recebeu 10 mil milhões de financiamento em dívida e equity. Para equilibrar as contas, a Northvolt anunciou milhares de despedimentos (uma redução de 1.600 pessoas, ou 290% da força de trabalho da empresa) e  congelou a expansão da sua gigafábrica em Skelleftea, na Suécia.

Sobre o futuro projeto Aurora, para construir em parceria com a Galp uma refinaria de lítio em Portugal (Setúbal), a empresa sueca continua a não se pronunciar no âmbito da revisão estratégica em curso. 

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