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Falência da “Rolls Royce” do mobiliário sob suspeita

A fabricante de mobiliário WoodOne, que investiu, há dois anos, perto de cinco milhões de euros na abertura de uma fábrica, inaugurada por Paulo Portas, foi vendida em Julho e faliu em Agosto. Insolvência culposa sob avaliação judicial.

Manuel Luís Martins, aqui numa foto de Maio de 2015, quando inaugurou a fábrica da WoodOne, num investimento que recebeu 3,3 milhões de euros de fundos europeus. Paulo Duarte
14 de Dezembro de 2017 às 22:00
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"Há que haver honestidade e transparência nos negócios. Há que ter um pouco de calma e fazer as coisas com seriedade e honestidade", defendia o empresário Manuel Luís Martins, em declarações ao Negócios, a 7 de Maio de 2015, uma semana antes da inauguração da sua nova fábrica  de mobiliário, em Paredes.

A candidatura  da WoodOne foi das primeiras a serem aprovadas pelo programa Compete 2020, tendo-lhe sido atribuído um incentivo de 3,3 milhões de euros para um investimento – o que foi considerado elegível para o efeito – da ordem dos 4,7 milhões. A nova unidade fabril foi inaugurada por Paulo Portas, o então vice-primeiro-ministro, numa cerimónia que contou também com "figuras de Estado de Angola e de Moçambique".

Manuel Luís Martins garantia que a WoodOne era líder nacional de mobiliário escolar, que tinha a segunda maior área de produção do sector a seguir à da IKEA e que, com a instalação de um gigantesco parque fotovoltaico com 1.485 painéis, era a primeira fábrica do mundo a funcionar apenas com energia solar, o que o levou a proclamar: "Somos o Rolls-Royce da indústria mundial."

Na altura, o empresário anunciava que estava próximo de firmar contratos de dezenas de milhões de euros nas Arábias, contra 4,6 milhões de euros de vendas que dizia ter registado em 2014, quando, nesse ano, facturou apenas 2,9 milhões. A facturação, a real, chegou aos 4,1 milhões em 2015, tendo descido para 3,2 milhões no ano passado. Este ano ficou-se por um milhão.

Dois anos depois de inaugurada, a fábrica fechou, em Junho passado, e a grande maioria da meia centena de trabalhadores rescindiu o contrato de trabalho por atraso no pagamento de salários. A 12 de Julho, Manuel Luís Martins vendeu a empresa à Wisdom Occasion, de Pedro Teixeira de Melo, cujo único acto relevante foi apresentar a WoodOne à insolvência passados 48 dias, a 31 de Agosto.

De um total de 305 credores e créditos reconhecidos de 13,7 milhões de euros, o Estado é, de longe, o maior perdedor: a Agência para o Desenvolvimento e Coesão tem a haver 3,1 milhões de euros (de fundos comunitários atribuídos) e o grupo Caixa cerca de 2,9 milhões, enquanto a Segurança Social reclama 72 mil euros e o Fisco 32 mil. Os créditos laborais ultrapassam os 500 mil euros.

Os credores acabaram por aprovar a liquidação da empresa. Num leilão realizado a 29 de Novembro, a também fabricante de mobiliário Famo, de Lousada, comprou as instalações fabris da WoodOne por cerca de 5,7 milhões de euros, confirmou ao Negócios a administradora de insolvência Carla Santos. 

Fim da história? Não. A pedido da gestora judicial, o Tribunal de Comércio de Amarante declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência, que se destina a avaliar se a falência foi culposa por parte dos responsáveis da empresa. "Obviamente, é estranha" toda a operação de venda e insolvência da WoodOne, reconheceu. Carla Santos vai querer ouvir Pedro Teixeira de Melo e Neves Ferreira, gestor que presidiu aos últimos 48 dias de vida da empresa, assim como Manuel Luís Martins. "[Martins] disse que falaria comigo em Novembro, mas não falou. Vou notificá-lo novamente. Tenho muitas, muitas, muitas questões para lhe fazer", disse Santos.

"Não comprei. Realmente comprei"

Pedro Teixeira de Melo, dono da Wisdom Occasion, que comprou a WoodOne em Julho passado a Manuel Luís Martins (por um euro, como diz, ou um euro por cada uma das 232 mil acções, como garante a gestora judicial) começou por negar ao Negócios que tenha sido dono da empresa. "Iria ser adquirida, mas não chegou a ser", garantiu, alegando que "o negócio ficou condicionado à elaboração de um plano de recuperação que fosse aceite pelos credores". Uma hora depois, quando confrontado com a confirmação judicial de que a Wisdom foi a entidade compradora, Melo confessou: "Quando eu digo que não comprei, eu realmente comprei. Não há dúvida", concluiu. Disse que tinha combinado com Martins devolver-lhe a empresa, mas que este não aceitou. Acordo contratual ou foi só conversa? "Sim, foi só conversa", admitiu.


"Incidente" aberto para avaliar culpas

 

"Há alguma estranheza, pelo menos para começar", afirmou ao Negócios, com alguma ironia, a administradora de insolvência da WoodOne, quando instada a classificar os últimos meses de vida da empresa, concretamente a compra e a falência-relâmpago da fabricante de mobiliário. Agora vai exigir explicações aos intervenientes para avaliar se houve culpa do devedor.

"Importante se torna a auscultação da anterior administração sobretudo, e de relevar os actos de gestão praticados nos últimos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência (...) bem como a relação existente entre o anterior presidente [Manuel Luís Martins], a empresa adquirente e o novo presidente", lê-se no relatório de Carla Santos, elaborado antes de ser decretada a abertura do incidente de qualificação de insolvência da WoodOne.


"Por outro lado, pertinente também se considerou questionar a actual administração da insolvente (...) sobre os reais contornos e motivações deste negócio, qual a relação existente entre o Sr. António Teixeira Neves Ferreira [presidente da WoodOne escolhido pelo então novo dono] e o anterior administrador da insolvente, bem como entre o actual administrador e a empresa Wisdom Occasion", lê-se no mesmo documento. 

E "as motivações pela qual o levaram a assumir a presidência da administração da insolvente em 12 de Julho de 2017 e um mês depois decidir apresentar-se à insolvência, bem como juntar todos os elementos probatórios e esclarecimentos que considere pertinentes para a concreta e real percepção do negócio em causa e das suas implicações na actividade da insolvente".

Ao Negócios, Ferreira descartou responsabilidades na falência. Já Martins nunca atendeu o telemóvel. 

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