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Centros comerciais apresentam queixa na Provedoria de Justiça contra lei das rendas
A Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) quer que seja declarada a inconstitucionalidade da norma inscrita no Orçamento do Estado Suplementar, que isenta os lojistas do pagamento de rendas fixas até ao fim do ano.
A Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) recorreu à justiça para travar o novo regime das rendas, incluído no Orçamento do Estado Suplementar, que isenta os lojistas do pagamento da componente fixa da renda até ao fim do ano, tendo apenas que pagar a parte variável, que depende das vendas.
Em comunicado enviado esta quarta-feira às redações, a APCC revela que apresentou hoje na Provedoria de Justiça uma queixa contra a referida norma, "denunciando a inconstitucionalidade do referido normativo".
A associação presidida por António Sampaio de Mattos fundamenta o apelo com pareceres jurídicos elaborados pelos constitucionalistas Jorge Miranda, Rui Medeiros e Jorge Reis Novais.
Na queixa apresentada, a APCC pede à Provedora de Justiça que "tome em consideração as preocupações manifestadas, diligenciando juntos dos órgãos estaduais competentes para correção de uma situação que se reputa injusta, pouco clara, e de duvidosa compatibilidade constitucional e, caso assim o considere adequado, possa, em qualquer caso, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da norma".
A associação alega que a norma inscrita no OE "conduz a situações de manifesta e profunda injustiça material, que suscitam dúvidas de constitucionalidade assinaláveis por violação, entre o demais, de direitos, liberdades e garantias".
A APCC considera ainda que a isenção concedida aos lojistas consiste numa "interferência direta do Estado em contratos privados, anulando ou limitando as soluções de consenso a que lojistas e centros comerciais pudessem chegar, e impõe um prejuízo sério e injustificado na esfera patrimonial dos proprietários dos centros comerciais".
É ainda apontada a "especial perplexidade" pelo facto de a norma se aplicar apenas aos centros comerciais, deixando de fora as lojas de rua, cujos senhorios estão, para a APCC, "em clara vantagem face aos proprietários dos centros comerciais".
Outro dos pontos contestados pela associação prende-se com a aplicação retroativa do diploma, algo que é reivindicado pelos lojistas. A lei entrou em vigor a 25 de julho, mas os lojistas consideram que deve ser aplicada a partir do momento em que as lojas foram obrigadas a encerrar, em meados de março. A APCC rejeita.
"Não há dúvidas, que a Lei entrou em vigor no dia 25 de julho de 2020, sendo manifesta e cristalina a sua aplicação não retroativa (por só abranger rendas futuras) a contratos já celebrados e em execução", refere a associação, que considera esta como "a única interpretação compatível com a proibição de retroatividade das normas restritivas de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa".
Tal como o Negócios noticiou, este último ponto não gera consenso entre os especialistas, que falam num "caos legislativo".
Já no início de setembro, a Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR), que representa os comerciantes, apresentou um parecer jurídico, da autoria de António Menezes Cordeiro, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que sustenta a tese da retroatividade, uma vez que "dado o encerramento e depois o condicionamento dos espaços comerciais, a repercussão do risco implica a suspensão da ‘parte fixa’, uma vez que a contraprestação (o desfruto do negócio) se impossibilitou temporariamente".