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Pinto da Costa: Um dragão eterno
Na próxima semana, Pinto da Costa deverá ser reconduzido como presidente do conselho de administração da SAD portista. Em Abril será, em princípio, reeleito presidente do clube. Pinto da Costa é desde 1982 o líder incontestado dos dragões.
Aos 78 anos de idade, Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa deverá ser reconduzido, no próximo dia 3 de Março, para mais um mandato à frente da Sociedade Anónima Desportiva (SAD) do Futebol Clube do Porto (FCP). Mas mais simbólica ainda será a mais do que provável reeleição nas eleições do FCP clube, agendadas para 17 de Abril, para um 14º mandato à frente dos dragões.
Pinto da Costa continuará à frente dos destinos da SAD portista até 2019, e do clube até 2020. Após meses de alguma indefinição, Pinto da Costa recebeu o aval médico do qual fazia depender a sua recandidatura e, em entrevista ao Porto Canal, no passado mês de Janeiro, anunciou aquilo que, provavelmente, a maioria dos adeptos portistas esperava ouvir:
"Felizmente completei uma série de exames, da ponta dos cabelos à ponta dos pés, e deram-me a garantia de que poderia estar tranquilo e de que estou apto a fazer a vida normal que tenho feito. A partir daí, comuniquei à Comissão de Recandidatura que estou disponível para me recandidatar", disse ao jornalista Júlio Magalhães.
Depois das várias oportunidades para "sair por cima", como penta campeão em 1999, como vencedor da Liga dos Campeões em 2004, ou mesmo em 2011 como campeão nacional e vencedor da Liga Europa, Pinto da Costa passa hoje por uma das piores fases dos 34 anos como presidente portista. Apesar de ter ainda hipóteses de ser campeão, o Porto está em terceiro na classificação.
E se não vencer o campeonato em disputa, os dragões vão acumular três anos seguidos sem serem campeões nacionais. Situação que no legado de Pinto da Costa apenas se verificou por uma vez, entre 2000 e 2002. Insucesso rapidamente esquecido porque, entre 2003 e 2004, o Porto acabou por vencer todos os títulos possíveis, com a orientação de José Mourinho e a magia de Deco.
O presidente mais titulado de sempre
Aparentemente Pinto da Costa não quererá deixar o leme com o clube na mó de baixo. E os portistas parecem confiar no presidente. Manuel Serrão, empresário e reconhecido adepto portista, afasta preocupações porque "não é a primeira vez que isto acontece".
E apesar de alguns erros que vêm sendo apontados à gestão desportiva do clube nestes últimos anos, Manuel Serrão, um critico da contratação do já demitido Julen Lopetegui, diz: "Não me importo nada se comete erros de vez em quando. Nos últimos 30 anos foram poucos erros".
Poucos erros que permitiram a Pinto da Costa deter um palmarés invejável. Enquanto presidente do FCP venceu 58 troféus, com destaque para os 20 títulos de campeão nacional, para as duas Taças dos Campeões Europeus/Ligas dos Campeões, as duas taças UEFA/Liga Europa, e ainda as duas Taças Intercontinentais. "É o presidente mais titulado de sempre. Ultrapassou o Santiago Bernabéu", resume com satisfação José Guilherme Aguiar, ex-dirigente portista e actual vereador da câmara de Gaia. "É um legado irrepetível", acrescenta.
Por outro lado, esta recandidatura acontece num momento invulgar. Raramente, ou mesmo nunca, a liderança de Pinto da Costa foi contestada. Contudo, Vítor Baía, o jogador portista mais titulado de sempre, e um dos futebolistas preferidos de Pinto da Costa, teceu recentemente duras críticas à direcção do Porto, mostrando mesmo disponibilidade para suceder ao eterno presidente. Porém, esta disponibilidade não parece recolher grande crédito junto dos adeptos.
"Não levei a sério a afirmação do Vítor Baía", diz Guilherme Aguiar. Já Manuel Serrão é mais contundente. "O Vítor Baía, das duas uma: Ou foi mal aconselhado ou distraiu-se" e "se aquilo que disse é o que pensa, é porque é tolo". E além de apoiar Pinto da Costa, Serrão acredita que ele "vai ser candidato único". Habituado a ser um líder incontestado, Pinto da Costa ouviu, desta feita, a voz dissonante de alguém que já foi um dos "seus". Mas se a unanimidade sempre reinou entre as hostes portistas, o percurso de Pinto da Costa não foi nunca incólume a polémicas e obstáculos vários.
O fantasma da corrupção
Provavelmente devido à longevidade numa função altamente mediática, Pinto da Costa continua há anos a marcar a agenda mediática e a figurar nas capas dos jornais. Nem sempre pelos melhores motivos. Vezes sem conta o nome de Pinto da Costa foi associado a práticas irregulares. O caso mais visível foi o processo "Apito Dourado".
Em 2004, as autoridades vão fazer buscas a casa de Pinto da Costa, que, entretanto, se tinha ausentado. Estava, depois de ter sido avisado, segundo crê a polícia, na Galiza. Foi depois constituído arguido por corrupção desportiva e tráfico de influências, um processo relacionado com os jogos do Porto entre 2002 e 2004, curiosamente um período de domínio dos dragões, quer a nível nacional, quer europeu.
Os processos seriam depois arquivados. Muitos ficaram satisfeitos com o arquivamento. Outros criticaram a Justiça portuguesa. Para Guilherme Aguiar não há margem para dúvidas. "A realidade é clara. Foi acusado em três processos e foram arquivados. Não foram apurados quaisquer factos".
Mas será este processo uma mancha no currículo e legado de Pinto da Costa? Uma vez mais, este antigo dirigente desportivo crê que não. "Não vejo qualquer dano para o legado que o Pinto da Costa vai deixar. E esse legado são os títulos", atira. "Não consigo ver nenhuma actividade negativa que lhe ensombre o currículo", acrescenta Manuel Serrão.
Já em 2016, Pinto da Costa viu-se envolvido noutro caso judicial. Em Janeiro foi acusado pelo DCIAP de ter recorrido em diversas situações aos serviços de segurança privada ilegal. O processo ainda decorre, mas Guilherme Aguiar desvaloriza considerando ser "evidente que ter-se-á servido de vigilantes que não estavam devidamente autorizados para a prática daquela actividade".
As polémicas multiplicam-se ao longo dos anos. Em 1994, ficou célebre o caso da "penhora da retrete". Uma repartição de Finanças emitiu um acto de penhora do estádio das Antas devido às dívidas do clube. Numa polémica reunião com os sócios no pavilhão das Antas, Pinto da Costa faz um célebre discurso:
"Acabo de ser avisado de que vem a caminho do pavilhão do FCP a GNR com o pretexto de que estará aqui uma bomba. Se estiver aqui uma bomba eu espero que ela expluda", proclamou para gáudio da plateia. Meses antes haviam sido os próprios serviços do FCP a apresentar como bens à penhora duas cadernetas prediais: uma era o estádio e a outra continha, entre outros bens, uma retrete. E Pinto da Costa aproveitou como ninguém a "retrete" para ridicularizar o processo fiscal.
Asseverou então: "Enquanto existir esta penhora, o FC Porto não se sentará com ninguém, não dialogará a dívida nem pagará um tostão dela". A solução passaria pelo Totonegócio e Pinto da Costa saía por cima. Não sem antes recorrer à velha máxima da guerra norte-sul. "O que se pretende atingir é se calhar um dos últimos baluartes do norte do país", acusava.
Apesar de acostumado às vitórias, nem sempre o final teve desfecho feliz para Pinto da Costa. Rui Rio, ex-presidente da câmara do Porto, é talvez a face da maior derrota infligida ao presidente portista. Rio foi eleito, em 2001, presidente da câmara do Porto, após derrotar o socialista Fernando Gomes, que contava com o apoio de Pinto da Costa e que mais tarde viria a integrar a direcção da SAD portista, onde permanece. O autarca social-democrata levantou suspeitas de favorecimento do anterior executivo autárquico ao FCP e acabou por levar à interrupção das obras para a construção do Estádio do Dragão. Rio recusaria mesmo aprovar o plano de pormenor das Antas.
Foi então que Pinto da Costa declarou guerra. E em 2005, entrou na campanha eleitoral, ao lado de Francisco Assis. Ambos perderam. Em 2009 o apoio conferido a Elisa Ferreira não teve melhores resultados. Rui Rio conquistou maiorias absolutas em 2005 e 2009. Nunca Pinto da Costa se tinha envolvido tão afincadamente em campanhas eleitorais. Perdeu. Foi claramente a maior derrota política de Pinto da Costa.
Dividir para reinar
O termo "maquiavélico", muitas vezes utilizado, abusiva e erradamente, com uma conotação pejorativa, aplica-se à acção de Pinto da Costa. Encontrar um inimigo externo para assegurar a unidade interna, semear discórdia entre os principais clubes de Lisboa, Sporting e Benfica, e assim enfraquecer o eixo sulista, e estabelecer relações privilegiadas com os decisores do mundo desportivo – tudo isto foram tácticas habilmente utilizadas por Pinto da Costa para fazer o FCP vingar.
Para construir os alicerces desta estratégia, Pinto da Costa contou com o importante contributo de José Maria Pedroto, possivelmente o treinador português que mais inovou antes do aparecimento de José Mourinho. Foi com Pinto da Costa na direcção do departamento do futebol, e com Pedroto a treinador, que o Porto interrompeu o longo jejum de 19 anos sem vencer o campeonato nacional. A interrupção foi conseguida com um bicampeonato.
Mas em 1980 Pinto da Costa sai do Porto em rota de colisão com o então presidente Américo de Sá, que se filiara no CDS e via o discurso anti-Lisboa de Pinto da Costa e Pedroto como prejudiciais. Nesse ano tinha ficado pelo caminho a possibilidade do primeiro tricampeonato portista da história. Acabando por ser o Sporting a vencer.
Pedroto e os jogadores ficam do lado de Pinto da Costa e emitem um comunicado conjunto em que chamam Sá de "traidor". Pedroto é suspenso e vários jogadores entram em greve na pré-época do Verão de 1980. Seria este "Verão quente" portista, que teve a mão de Pinto da Costa em todo o processo, o ponto de inflexão do clube.
Pinto da Costa prepara-se então nos bastidores, durante dois anos, e consegue chegar à presidência do clube em 1982. Uma vitória alcançada com uma larga maioria dos votos. Desde então, a história é conhecida. Mas uma outra história ficou por conhecer. Pedroto, que com Pinto da Costa a presidente levou, em 1984, o Porto à primeira final europeia, perdida para a Juventus, morreria em 1985. Ficou, assim, por saber o que poderiam ter feito os dois homens que criaram as raízes para o sucesso desportivo do clube.
O menino indisciplinado que nasceu para o futebol… gerido
Foi a 28 de Dezembro que nasceu Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa, o quarto filho de uma família da alta burguesia portuense. O presidente portista nunca se destacou nos estudos, antes pelo contrário. A sua vida escolar ficou marcada por alguns episódios de indisciplina, tendo sido expulso de colégios em mais do que uma situação.
Numa dessas instituições, um colégio jesuíta em Santo Tirso, Pinto da Costa seria colega e travaria amizade para a vida com Pinto de Sousa, que mais tarde foi presidente do Conselho de Arbitragem e que foi também acusado no processo "Apito Dourado". Também a carreira encetada no mundo dos negócios não correu propriamente de feição a Pinto da Costa, que trabalhou na Sarcol, e mais tarde numa empresa de electrodomésticos (Segrobe) antes de fazer sociedade na I.G.E, que acabaria por falir.
Não era essa a inclinação de Pinto da Costa, que tinha todas as atenções voltadas para as Antas e para o seu FC Porto, a grande paixão desde pequeno. Era ainda um jovem quando assistiu ao vivo à inauguração do Estádio das Antas. Também acabou por estar na inauguração do Estádio do Dragão, mas aí foi ele quem cortou as fitas e já não Oliveira de Salazar. E se, enquanto jogador de futebol, mais precisamente guarda-redes, não teve uma carreira brilhante, o mesmo não se pode dizer na estrutura do FCP, onde granjeou desde cedo reconhecimento pela sua dedicação.
Passou primeiro pela secção de hóquei em patins, depois pelo boxe, onde conheceu o então "boxeur" Reinaldo Teles, há muitos anos na direcção portista e seu braço direito, e antes de chegar ao departamento do futebol, em 1976, ainda foi responsável pelas modalidades amadoras. O sucesso viria mais tarde. E é conhecido. Mas o percurso de Pinto da Costa ainda não está completo, embora haja já quem fale em fim de ciclo.
Guilherme Aguiar reconhece que "há sinais" mas avisa que o presidente "tem sempre renascido das cinzas". Outros falam em guerras de bastidores tendo em vista a sua sucessão. Manuel Serrão não acredita "que haja alguém dentro do Porto a pensar na sucessão" e Aguiar recorda que "quando pensavam que tinha chegado ao fim, ele desmentiu permanentemente essa evidência".
Há, porém, questões a que ninguém fica indiferente. O futuro é uma delas. Principalmente o futuro sem alguém que ganhou tudo o que havia para ganhar. Manuel Serrão fala em "alguma apreensão em relação ao período pós Pinto da Costa" e adverte que ,"numa primeira fase, será sempre difícil alguém conseguir esta unanimidade".
Como diz Serrão, o "FCP habituou-se a viver numa santa paz". Guilherme Aguiar concorda e atribui essa realidade a "um dirigente inigualável, com capacidade de liderança e longevidade invulgares". Só o tempo dirá se o sucesso do clube vai perdurar. O que vai continuar garantidamente é o "portismo" de Pinto da Costa, que Manuel Serrão define como um "dragão eterno".