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Pacto entre EDP e Sonae aponta para “manifesta restrição da concorrência”

O pacto de não concorrência entre a Sonae e a EDP, que levou a Autoridade da Concorrência a aplicar multas de mais de 38 milhões de euros, chegou ao Tribunal de Justiça da União Europeia e o advogado-geral sustenta que pode ser equiparado a um acordo de repartição de mercados, uma infração grave das regras da concorrência. Decisão final só será conhecida mais tarde.

A Sonae diz estar a tentar normalizar a operação nos hipermercados e que o comportamento dos consumidores nas duas últimas semanas não se vai prolongar nos próximos meses.
Bruno Simão
02 de Março de 2023 às 14:38
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O pacto de não concorrência firmado entre EDP e Sonae "pode ser equiparado a um acordo de repartição de mercados", o que corresponderá a uma "restrição manifesta da concorrência", que, à semelhança dos acordos de fixação de preços, é considerado, tradicionalmente, uma infração particularmente grave às regras da concorrência. E só não será assim, se se concluir que o dito acordo constituiu apenas uma restrição acessória do acordo de parceria entre as duas empresas, o que não deverá ser o caso. 


A conclusão é do advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Athanasios Rantos, e foi conhecida esta quinta-feira. Não é, contudo, vinculativa para o Tribunal europeu, tratando-se de uma proposta de decisão que este depois acatará ou não, pelo que será ainda preciso esperar mais algum tempo para conhecer o desfecho do processo, que se iniciou em 2017, com a Autoridade da Concorrência a multar a EDP e Sonae em 38,3 milhões de euros, coima entretanto reduzida para os 34,4 milhões pelo Tribunal da Concorrência. As empresas não se conformaram e recorreram para o Tribunal da Relação que, por sua vez, pediu a intervenção do TJUE. 


Em causa, recorde-se, está o facto de EDP e Sonae terem feito em 2012 um acordo de parceria que previa descontos nos preços da energia elétrica para os clientes titulares do "cartão Continente". No acordo, comprometiam-se a não entrar nos respetivos mercados. Basicamente, a Sonae vinculava-se a não concorrer na comercialização de energia elétrica em Portugal por um período de dois anos, algo que a lei da concorrência proíbe expressamente. 


O advogado-geral lembra agora que "o contexto económico em que se inscreve a cláusula é suscetível de reforçar ainda mais o caráter nocivo de um acordo de repartição de mercados entre um operador histórico e um novo operador potencial". Isto porque o dito acordo foi celebrado no contexto da liberalização do mercado da comercialização da energia elétrica de baixa tensão em Portugal, mais exatamente poucos meses antes da liberalização completa do mercado, que pôs fim aos preços regulados para todos os consumidores finais. 


E nesse contexto, "a EDP, tinha interesse em adiar a entrada de potenciais concorrentes no referido mercado", considera o advogado-geral, que conclui que "a cláusula de não concorrência — se não constituir uma restrição acessória do Acordo de Parceria e se se verificar que as partes no acordo são, pelo menos, concorrentes potenciais — deve ser analisada como uma restrição da concorrência por objeto, que não necessita de nenhuma análise específica dos seus efeitos".


A cláusula de não concorrência tem ou não caráter acessório?


As empresas defenderam que a cláusula de não concorrência apenas pretendia proteger a confidencialidade de informações comerciais sensíveis e que, por isso, era "estritamente acessória". Mas era? o advogado-geral considera que uma cláusula de não concorrência como a que está em causa "não pode ser considerada estritamente necessária à luz do objetivo da proteção de dados comercialmente sensíveis". Por outras palavras, que era uma solução "deproporcionada" para esse objetivo, ainda mais estando o mercado  da comercialização de energia elétrica de baixa tensão a ser liberalizado. 


E são a Sonae e a EDP concorrentes potenciais? 


Tendo o pacto de não concorrência entre os dois grupos deixado temporariamente fora do mercado de comercialização de energia elétrica qualquer empresa da Sonae, é preciso saber se, sem o pacto, haveria "possibilidades reais e concretas" de essas empresas acederem a esse mercado. Ora, o mercado regulatório não o impedia e o acesso estava simplificado, diz o advogado-geral.

Porém, deve ser o tribunal nacional - no caso o da Relação - a determinar se os elementos de prova que existe, no seu conjunto, são suficientes para demonstrar a existência de uma concorrência potencial. 


O advogado-geral entende que não basta haver uma "intenção" de aceder ao mercado; depois, não basta que haja preparativos, há que avaliar também "o elemento capacidade" e o contexto específico do mercado. Nomeadamente, condicionalismos regulamentares ou tempo de obtenção de eventuais autorizações, sendo que o advogado-geral entende que "não se afigura que existiam limitações de ordem administrativa que pudessem impedir um novo ator de entrar no mercado". E lembra, também, que o facto de o Grupo Sonae ter adquirido "know how" no setor da comercialização da energia elétrica na sequência de uma parceria com a espanhola Endesa "pode ser tido em conta como elemento de prova de uma concorrência potencial". 


Outro ponto destacado é o facto de  empresas detidas pela Sonae Investimentos - e por isso todas vinculadas pelo pacto de não concorrência - terem já atividades na área da produção de eletricidade, através da instalação de painéis fotovoltaicos nas coberturas dos estabelecimentos de venda a retalho. Algo, aliás, que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão/TCRS concluiu que apontava no sentido de haver uma "concorrência potencial". 


Se o TJUE decidir acatar a proposta de decisão do advogado-geral, o processo voltará ao Tribunal da Relação que terá de reavaliar os factos à luz deste entendimento e em função da prova factual que lhe foi apresentada pelas empresas e pela Autoridade da Concorrência, o que significa que o processo está ainda longe de chegar ao fim. 

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