Notícia
Salgado e Morais Pires acusam BdP de ter usado "delação premiada" no caso BES
O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, e o ex-administrador Morais Pires consideram que o Banco de Portugal usou ilegalmente a “delação premiada” no processo em que foram acusados por comercialização da dívida da ESI junto de clientes do banco.
Na fase final do processo de impugnação das coimas de quatro milhões de euros aplicada a Ricardo Salgado e de 600 mil euros a Amílcar Morais Pires – valores que as defesas consideraram não terem comparação com qualquer moldura de processos crime -, os arguidos reafirmaram que a condenação de que foram alvo por parte do Banco de Portugal (BdP) é nula, por vícios processuais, e que os administradores que "tinham conhecimento de toda a dívida" ou foram absolvidos ou foram alvo de contra-ordenações mínimas.
Exemplificaram com o caso de José Maria Ricciardi (60.000 euros, suspensa em três quartos por cinco anos), que optou por pagar e desistiu do recurso.
Com sentença marcada para 30 de Abril de 2018, o julgamento, que se iniciou a 6 de Março último no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, aprecia os pedidos de impugnação apresentados por Ricardo Salgado e Amílcar Pires no âmbito de um processo que começou por ter 18 arguidos (15 singulares e três colectivos), 13 dos quais alvo de coimas.
Ricardo Salgado foi condenado ao pagamento de quatro milhões de euros e ficou impedido de exercer cargos no sector por 10 anos como resultado da aplicação de cinco coimas por não implementação de sistemas de informação e comunicação adequados, por não implementação de um sistema de gestão de riscos sólido, eficaz e consistente, no que concerne à actividade de colocação de produtos emitidos por terceiros, por actos dolosos de gestão ruinosa, praticados em detrimento dos depositantes, investidores e demais credores, por prestação de falsas informações ao BdP, por violação das regras sobre conflitos de interesses.
A defesa de Ricardo Salgado – conduzida por Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce – retomou, nas alegações finais feitas no final desta semana, muita da argumentação já constante do recurso, pondo em causa a actuação do BdP, em particular do governador Carlos Costa, que "três dias depois da abertura do processo já tinha decidido", e a "estratégia" de atingir Ricardo Salgado, o "endeusado", e Amílcar Pires, apontado como seu "braço direito".
Para a defesa de Salgado, o facto de o BdP ter, no processo, "transformado arguidos em testemunhas" assumiu uma forma de "delação premiada", sem regras e "utilizada para responsabilizar" quem o supervisor "já tinha condenado".
Frisando que não está a ser julgada "uma multa de trânsito, mas o processo de uma vida", os mandatários afirmaram que a "acusação genérica", sem precisão de tempo e lugar, num "processo gigante" (67 volumes e 640 anexos à data da decisão) obrigou a um esforço "surrealista" num prazo de tempo para o exercício do direito de defesa que noutros processos foi já motivo de sentença de anulação.
Invocaram ainda o pedido da procuradora do Ministério Público (MP), Edite Palma, para que o tribunal desconsidere o testemunho de José Castella (cujas declarações no TCRS foram extraídas para averiguação da actuação dos instrutores do processo que o inquiriram na fase administrativa), a que acrescentaram o pedido de igual tratamento para o depoimento de Francisco Machado da Cruz, a que chamaram a "testemunha rainha" do BdP.
A defesa de Salgado frisou que o ‘commissaire aux comptes’ era muito mais do que um simples contabilista e realçou o facto de se ter "descoberto" neste processo a forma como Machado da Cruz foi contactado (através de relações familiares de um dos instrutores do BdP), considerando estar-se perante "mais uma transformação de arguidos em testemunhas".
O facto de a procuradora ter proposto ao Tribunal a "reorganização dos factos" constantes da acusação levou Raul Soares da Veiga, advogado de defesa de Amílcar Pires, e os mandatários de Salgado a reafirmarem a existência de vícios processuais que deverão levar a juíza Anabela Campos a declarar nula a decisão do BdP.
Amílcar Morais Pires foi alvo de duas contra-ordenações por não implementação de sistemas de informação e comunicação adequados e não implementação de um sistema de gestão de riscos sólido, eficaz e consistente, no que concerne à actividade de colocação de produtos emitidos por terceiros.
Para Soares da Veiga, o pedido de aligeiramento da coima aplicada a Morais Pires feita pelo MP (de redução para 300.000 euros, suspensos em três quartos, e revogação da sanção acessória de inibição do exercício de cargos por três anos), por entender que o seu comportamento se deveu a negligência e não dolo, não deve colher por "insuficiência de matéria provada".
No caso de Ricardo Salgado, pediu a redução de 4 para 3,5 milhões de euros da coima, com suspensão em um terço, mantendo-se a sanção acessória de inibição do exercício de cargos no setor durante 10 anos e de publicitação.