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Quem é António Domingues, o novo presidente da Caixa?
Queria reformar-se para se dedicar à vela, mas assume esta quarta-feira, 31 de Agosto, a função de presidente da Caixa Geral de Depósitos.
Deixar de praticar vela apenas como passatempo e passar a participar em regatas. Dedicar mais tempo à leitura de Filosofia, de preferência autores gregos, e História, sobretudo dos séculos XIX e XX. Continuar a investir na melhoria do sistema de som em que gosta de ouvir música clássica e jazz.
Eram estes os planos para o futuro de António Domingues, casado com a arquitecta Ana com quem tem uma filha. Há muitos anos que vinha dizendo aos amigos que queria reformar-se cedo. E, como é habitual em todos os aspectos da sua vida, preparou-se para isso. Não só reunindo condições financeiras ao longo de 37 anos de carreira, mas também cultivando um leque diversificado de interesses pessoais.
A reforma estava ao virar da esquina. O mandato como vice-presidente do BPI terminava no final do ano e, caso o banco onde esteve 27 anos não precisasse de si, ia dar por terminada a missão. Mas, no início do ano, a Caixa atravessou-se no seu caminho.
O convite do ministro das Finanças para liderar o banco do Estado apanhou-o de surpresa. Isto apesar de na manhã desse dia Fernando Ulrich lhe ter dado como quase certo esse desfecho. "Aposto praticamente a 100% que vai ser convidado para presidente da CGD", disse-lhe o amigo de décadas sobre o telefonema de Mário Centeno para o número dois do BPI.
Entre os amigos que foi cultivando ao longo da sua carreira, há quem considere que era "previsível" o convite a Domingues. "Há uma grande influência de Artur Santos Silva ["chairman" do BPI e presidente da Gulbenkian] junto do primeiro-ministro. O Governo procurava resolver o problema da Caixa com um novo começo e de maneira completa. Esta escolha é uma solução bem pensada, não é uma manta de retalhos", defende alguém do seu círculo de amizades.
"É uma solução fora da caixa para a Caixa", graceja outro amigo, que não tem dúvidas que apesar da "pancada" que levou na praça pública por ir liderar "um virar de página na CGD", Domingues não desmoraliza. "Não se nota que esteja agastado", garante outro próximo, avisando que o gestor "lida bem com a polémica".
A independência e a segurança com que enfrenta os desafios são duas características que terão sido úteis nos dias que antecederam a tomada de posse, que demorou e se seguiu ao chumbo do BCE a alguns nomes sugeridos ao Governo para administradores não executivos, alguns dos quais acusados em praça pública de conflitos de interesse - por serem clientes da Caixa - e de não terem experiência de banca.
O rol de críticas incluiu acusações de que construiu uma equipa apenas com pessoas do BPI.
Além disso, nos bastidores do sistema bancário houve quem o acusasse de, com as exigências que fez para aceitar o convite, ter colocado o ministro das Finanças na posição de seu refém.
A quem o questiona directamente sobre estas críticas, Domingues responderá com a convicção de quem construiu um edifício com fundações sólidas. Leva pessoas da sua confiança profissional para ter a certeza de que não o deixam ficar mal. E se esteve 27 anos no BPI é natural que vá recrutar gestores a este banco.
Quanto às suas exigências para aceitar o convite - capitalizar a CGD sem ajudas de Estado e com folga para acomodar crises futuras, tirar o banco do Estatuto do Gestor Público e escolher a equipa - são condições indispensáveis para fazer o seu trabalho.
Se Mário Centeno não tivesse respondido "sim", Domingues estaria fora da lista dos Mais Poderosos do Negócios, na qual surgiu este ano na 40.ª posição, com agrado. A recusa teria sido mais uma prova do seu desapego aos lugares, como aconteceu quando, no início da sua carreira, decidiu sair do Banco de Portugal sem manter o vínculo à instituição, apesar da estranheza manifestada pelo seu chefe.
Como as exigências foram aceites, o gestor dedicou-se ao trabalho. Desde o primeiro dia, desdobrou-se em viagens a Bruxelas e a Frankfurt para negociar com as autoridades europeias o seu projecto para a Caixa. Da forma dura e implacável que demonstrou em todas as negociações da sua carreira. "Conseguiu que o seu plano fosse aprovado num tempo recorde", orgulha-se um dos amigos.
A recapitalização aprovada por Bruxelas abriu a porta da Caixa a António Domingues, nascido em Arcos de Valdevez. Fará 60 anos em Dezembro e será, durante seis meses, presidente executivo e não executivo da CGD, prazo dado pelo BCE para a separação de águas. Seguem-se quatro anos na liderança do banco do Estado. A vela vai ter de continuar a ser apenas um "hobby".