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Como a banca polaca pode ter perdas de milhares de milhões com os "Frankowicze"

A banca polaca pode vir a ser obrigada a converter créditos concedidos em francos suíços para a moeda nacional, o zlóti, com perdas de milhares de milhões. Estes empréstimos tornaram-se populares há mais de dez anos, e os mutuários, os chamados "Frankowicze", estão a começar a agitar os tribunais.

03 de Setembro de 2019 às 13:25
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Era um negócio bom demais para não ser aproveitado. Há mais de dez anos, os polacos começaram a ter a hipótese de contrair créditos à habitação denominados em francos suíços, com taxas de juro mais de 50% abaixo das taxas cobradas nos empréstimos denominados em zlótis. Mais de um milhão de pessoas aproveitou a oportunidade. Em 2015, porém, a Suíça anunciou o fim da ligação entre o franco e o euro, levando o franco a disparar, numa altura em que o zlóti já estava em queda. Alguns empréstimos duplicaram o seu valor em zlótis, deixando os proprietários com dificuldades em pagar. Milhares desses proprietários processaram os bancos, mas uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, esperada para este ano, poderá dar-lhes algum alívio. O impacto nos bancos polacos pode ser severo, eliminando o equivalente a quatro anos de lucros.

1 - O que tornou as hipotecas em francos suíços tão populares?

Durante décadas, a Suíça teve das taxas de juro mais baixas do mundo, pelo que os empréstimos em francos eram uma forma de os consumidores da Polónia e outros países da Europa de Leste escaparem aos custos elevados do crédito nos seus países de origem. Em 2008, os créditos à habitação realizados em zlótis tinham taxas de juro médias anuais de cerca de 8,7%, aproximadamente o dobro dos juros associados aos empréstimos em francos suíços emitidos pelos bancos polacos. Com a crise financeira global a provocar uma queda nos custos de financiamento nos países ocidentais para zero, os juros dos novos empréstimos em francos caíram para 2,7% em 2010, de acordo com os dados do banco central. Estes empréstimos foram oferecidos por bancos em toda a Europa de Leste, e não apenas por bancos suíços. Na Polónia, os créditos contraídos em moedas que não o zlóti atingiram um máximo de 198 mil milhões de zlóti em 2011, e totalizam atualmente 127 mil milhões de zlóti (cerca de 29 mil milhões de euros).

2 - O que aconteceu com essas hipotecas?

Com o zlóti a cair para quatro contra o franco suíço este ano, depois do máximo de dois em 2008, muitas dessas hipotecas polacas valem agora mais do que os imóveis associados. Essa situação também na Áustria, Hungria e outros países, onde as pessoas contraíram créditos em francos suíços. Até agora, não houve uma onda de incumprimento nesses empréstimos, porque foram contratados sobretudo para primeiras habitações, e não para segundas habitações, pelo que as pessoas estão a fazer de tudo para cumprir os pagamentos.

3 - Quantas pessoas são afetadas?

Na Polónia, cerca de 450 mil famílias ainda têm empréstimos em francos, com obrigações totais de cerca de 25 mil milhões de dólares. O número, que tem vindo a diminuir devido aos pagamentos, equivale a 24% de todas as hipotecas e 14% do total de empréstimos às famílias, de acordo com os dados da Autoridade de Supervisão Financeira. A situação dos mutuários destes créditos em francos suíços, conhecidos como "Frankowicze", faz manchetes na Polónia há anos. Os mutuários organizaram-se em grupos que participam em audiências parlamentares, pressionam políticos e realizam protestos para tentar obter algum alívio.

4 - O que fez o governo?

A partir de 2015, o regulador financeiro da Polónia tornou mais caro para os bancos manterem hipotecas noutras moedas que não o zlóti, forçando-os a reservar parte dos seus lucros para criar almofadas de capital.

A intenção era incentivar os bancos a converterem esses empréstimos em francos suíços em zlótis, de forma voluntária e em termos aceitáveis para os mutuários. Essa abordagem não funcionou, levando a uma grande frustração entre os detentores de hipotecas, e ainda mais ações judiciais. O partido Lei e Justiça prometeu resolver o problema quando chegou ao poder em 2015, mas ainda não conseguiu. Em 2016, os deputados debateram legislação para ajudar os Frankowicze, mas abandonaram a ideia de forçar os bancos a converter os empréstimos, o que lhes custaria milhares de milhões de zlótis.

5 - E o Tribunal de Justiça da União Europeia?

Um dos 8 mil processos movidos pelos mutuários, alegando práticas desleais nestes empréstimos, está agora perante o Tribunal de Justiça da União Europeia no Luxemburgo e deverá ser decidido no outono. Uma decisão do mais alto tribunal da União Europeia de que os bancos agiram mal na venda destes créditos ou inseriram cláusulas abusivas nos contratos de hipoteca pode ter repercussões abrangentes se os tribunais polacos seguirem as suas orientações na decisão dos casos domésticos. Um parecer preliminar, conhecido em maio, foi favorável aos mutuários, afirmando que as cláusulas dos contratos de empréstimo eram abusivas e não podem ser impostas.

6 - O que significaria isso para os bancos polacos?

O parecer consultivo da UE, em maio, e um aviso da Associação Polaca de Bancos, em julho, sobre o potencial impacto de uma decisão adversa provocaram ondas de choque nos bancos e levaram as ações a perder cerca de um terço do seu valor. No pior cenário para os bancos, a decisão europeia desencadearia uma nova onda de processos e decisões judiciais favoráveis aos mutuários, que forçariam os bancos a fazer provisões de até 60 mil milhões de zlótis - o equivalente a quatro anos de lucros para todo o setor bancário polaco, ou cerca de 3% dos seus ativos totais, de acordo com a Associação Polaca de Bancos. Um responsável do banco central pediu aos reguladores financeiros que considerem reduzir os requisitos regulatórios para ajudar os bancos a lidar com os crescentes riscos legais.

7 - Os empréstimos em moeda estrangeira são todos semelhantes?

Não. Cerca de metade dos créditos são denominados em francos (ou outras moedas estrangeiras) enquanto os restantes estão apenas indexados à moeda suíça. De acordo com o parecer preliminar da UE, os chamados créditos indexados são, na verdade, empréstimos em zlótis. Assim, acrescenta o parecer, os bancos devem convertê-los para zlótis utilizando a taxa em vigor no dia em que o contrato de empréstimo foi assinado.

Dependendo da forma como esse veredicto da UE seja interpretado pelos juízes polacos – de forma mais vaga ou mais literal - também poderá afetar os empréstimos denominados em francos. Em agosto, o Supremo Tribunal da Polónia emitiu uma opinião não vinculativa que também ficou do lado dos mutuários, o que levou as avaliações bancárias para o nível mais baixo em mais de dois anos.

8 - O que dizem os bancos polacos?

A maioria dos responsáveis dos bancos, especialmente dos que têm grandes carteiras de empréstimos em moeda estrangeira, minimizou o risco de ações judiciais desfavoráveis. Vários afirmaram que decisões que os forcem a converter os empréstimos em zlótis sem poder aumentar os juros seriam claramente injustas. Até ao momento, não houve um aumento significativo nas provisões realizadas pelos bancos polacos.

9 – Qual foi a resposta de outros países?

Em 2014, a Hungria ordenou que os bancos convertessem o equivalente a 14 mil milhões de dólares de empréstimos às famílias em moeda estrangeira (principalmente francos suíços) para a moeda nacional, o forint, a uma determinada taxa e fizessem alguns reembolsos aos mutuários.

Um ano depois, o parlamento croata decidiu forçar os bancos a absorverem 6 mil milhões de kunas (cerca de 912 milhões de dólares) de perdas cambiais, fixando a taxa de câmbio à qual os bancos deveriam converter os seus créditos.

Em 2016, os legisladores romenos aprovaram um projeto de lei para converter os créditos em francos suíços em leus a taxas abaixo do mercado, mas a lei foi considerada inconstitucional por um tribunal e já não se aplica.

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