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Europa sofre “inundação” de carros elétricos chineses com Portugal a bordo
No campo da electrificação automóvel, “os chineses estão 15 anos à frente” dos europeus, sendo “o único país que já consegue ter escala para produzir veículos eléctricos a um preço acessível”.
Nos cinco primeiros meses deste ano, a quota de mercado dos automóveis eléctricos vendidos em Portugal foi de 15,6%, contra 13,4% dos motores com modelo diesel, assistindo-se a uma alteração galopante do mix de vendas – somando os híbridos plug-in e os híbridos convencionais, as energias alternativas já se aproximam de 50% das matrículas de carros novos no nosso país.
E foi precisamente em maio que a chinesa BYD (Build Your Dreams), líder mundial na produção mundial de veículos eléctricos, chegou a Portugal, pelas mãos do grupo Salvador Caetano, no quadro de uma dinâmica em que se vê a China a tomar de assalto o mercado automóvel europeu.
"Nos últimos 12 meses, no porto de Antuérpia houve 80 marcas chinesas a pedirem homologações de automóveis na Europa. Estamos a assistir a uma ‘inundação’ do mercado por marcas chinesas, por serem o único país que já consegue ter escala para produzir veículos elétricos a um preço acessível", considerou Rodrigo Ferreira da Silva, vice-presidente do Conselho Europeu do Comércio e da Reparação Automóvel e presidente da Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN).
Neste quadro de electrificação automóvel, "os chineses estão 15 anos à frente" dos europeus, sinalizou Rodrigo Ferreira da Silva. "Perceberam que não ganhavam esta ‘guerra’ nos motores a combustão interna e apostaram no veículo elétrico. Têm as matérias-primas e a escala necessária", explicou o mesmo responsável, num debate sobre "O setor automóvel português pós-pandemia", promovido pela Sociedade Comercial C. Santos, que é um dos maiores concessionários Mercedes e Smart em Portugal.
Aquilo a que chamou de "guerra" nos motores a combustão interna enquadra-se no debate alargado sobre a enorme transformação do mercado automóvel a que assistimos nos últimos três anos, não apenas devido à pandemia, mas também pelas leis que a União Europeia pretende aprovar, como é o caso do pacote Fit for 55, um conjunto de propostas destinadas a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa no território comunitários em, pelo menos, 55% até 2030, como lembrou a C. Santos, em comunicado.
"Há três anos a maior parte de nós achava que os elétricos seriam uma das soluções de mercado, mas não a única. Hoje já percebemos que não é bem assim, até pelas metas ambientais que foram criadas. Foi neste período que foi aprovado o Fit for 55, que define as emissões zero e que coloca condições à produção", observou Roberto Saavedra Gaspar, secretário-geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel (ANECRA), outro dos participantes naquela que foi a primeira SocTalks presencial no novo "showroom" da C. Santos, situado junto ao aeroporto do Porto e que resultou de um investimento de seis milhões de euros.
Ora, como observou Ferreira da Silva, "os números que vão ‘atirando’ de objetivo de redução de emissões para a norma Euro 7 e para o Fit for 55 têm muitas vezes até falta de base técnica". E apontou incongruências: "Por exemplo, se um carro não cumprir as normas, mas for exportado para fora da União Europeia e, depois, reimportado passado um mês, já pode estar no espaço europeu." Daí, também, a tomada da dianteira dos chineses.
"O chamado modelo Tesla é a forma mais barata de uma marca nova entrar no mercado"
Por outro lado, também se assistiu a alterações do ponto de vista dos operadores. "Neste período aconteceu o modelo de negócios Tesla – com vendas digitais, menos instalações e menos condições de entrega de veículos – que há três anos trazia mais ceticismo do que hoje. Portanto, na prática mudou tudo nos últimos três anos. E provavelmente nos próximos quatro a cinco anos irá mudar muito mais", indicou Roberto Saavedra Gaspar.
Relativamente ao modelo de organização de agenciamento e privilégio da reserva online de marcas mais recentes e com gama elétrica, o vice-presidente da CECRA e líder da ARAN apontou, também, fatores económicos para a sua proliferação: "O chamado modelo Tesla, que está igualmente presente nas marcas chinesas, também existe porque é a forma mais barata de uma marca nova entrar no mercado", explicou.
Ferreira da Silva enfatizou, ainda, a importância da acessibilidade para a sustentabilidade social e ambiental: "A acessibilidade dos carros está a atirar muitos clientes que vão para os carros usados e importados, enquanto outros adiam a compra porque têm dúvidas podem adquirir um modelo plug-in ou um modelo elétrico. No fundo, isto é um objetivo contrário ao da redução de CO2, porque estamos a prolongar a vida útil de automóveis mais velhos e com o envelhecimento do parque circulante, automóveis mais poluentes acabam por ficar mais tempo na estrada", alertou.
"Temos um sistema fiscal muito fechado que não nos permite exportar automóveis usados"
A crise de oferta de automóveis novos, que ocorreu no período da pandemia e que levou a que houvesse um aumento da importação de usados, também foi um dos temas em debate, sendo que "historicamente houve uma correlação grande entre o mercado de novos e usados no que se refere à oferta, com o segundo a ‘repetir’ comportamento semelhante ao primeiro ao cabo de três a quatro anos".
A este propósito, Pedro Menezes Soares, diretor comercial do Standvirtual & OLX Motors, considerou que "temos um sistema fiscal muito fechado que não nos permite exportar automóveis usados, pelo que o mercado nacional tem uma ligação muito direta entre a venda e entrega de novos ao stock de usados. No entanto, face à falta de stock de novos, o setor virou-se para os importados, para fazer à procura superior à oferta durante o período de pandemia", constatou.
"Ao vermos [agora] o mercado de novos a estabilizar, começa a haver uma queda nas importações", notou Pedro Menezes Soares, considerando que, "com a estabilização em curso do mercado, até em termos de preço, não obstante a pressão das taxas de juro ser uma realidade, a correlação maior entre o mercado de novos e de usados voltará a acontecer".
Quanto à eletrificação, o diretor comercial do Standvirtual & OLX Motors garantiu que esta acontece a um ritmo mais lento no mercado de usados. "O segmento empresarial representa mais de 80% do mercado automóvel e as gestoras de frotas têm uma exposição muito grande ao diesel. No futuro isto alterar-se-á", rematou.
Nota final: o mercado português de automóveis ligeiros novos está a crescer em 2023 face a 2022 (mais 46,4% até maio), mas ainda 15% abaixo do período homólogo de 2019, de acordo com a Associação Automóvel de Portugal (ACAP).