Notícia
Estado Social: utopia destrutiva ou pilar fundamental?
O papel das políticas públicas no crescimento foi a debate por iniciativa do think tank Missão Crescimento. Sistema de saúde, educação e Segurança Social ora são descritos como uma das causas da crise do País, ora como um dos vectores para a sua competitividade. Depende de quem olha e como analisa os estrangulamentos nacionais.
Serviço Nacional de Saúde universal e tendencialmente gratuito; ensino gratuito enquanto for obrigatório e "progressivamente gratuito" nos restantes níveis; e um sistema de Segurança Social que "protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego", tal como prescreve a Constituição, são ilusões anacrónicas que corroem a competitividade, ou pilares fundamentais da sociedade e, eles próprios, factores de crescimento? A discussão é antiga, está longe de gerar consensos, e esta quarta-feira voltou a animar um debate promovido pelo "think tank" Missão Crescimento.
Os ingredientes de partida foram fornecidos por Joaquim Aguiar, economista e consultor da Missão Crescimento, para quem o actual sistema é uma "ilusão mágica", onde o político satisfaz os interesses dos cidadãos, em prejuízo da economia. Portugal é uma economia assimétrica, "onde 1/3 [dos cidadãos] são produtivos e competitivos e 2/3 ficam à espera que lhes ofereçam serviços sem custos para o utilizador", o que é inviável. Mais: o Estado Social, como está configurado, não só sorve recursos públicos, como é ele próprio um factor de agravamento das desigualdades, porque "o que é preciso extrair ao terço que produz destrói o crescimento, já que este tem de ser todo distribuído para os 2/3 que não produzem e que dependem da assistência distributiva".
Para o economista, há que atalhar caminho, subordinando as políticas públicas à economia e às restrições da dívida, provar que conseguimos gerar excedentes orçamentais primários, e ajustar comportamentos e expectativas sociais. "Os políticos têm de transmitir à sociedade que não há políticas públicas gratuitas e tudo o que for política pública tem de estar subordinado a critério de eficiência custo-benefício"
Mário Centeno tem outra leitura. A Segurança Social não constitui um problema por si, é um resultado da falta de competitividade da economia, pelo que a prioridade é agir sobre os seus estrangulamentos. O economista do Banco de Portugal lembra que o País tem um problema quase secular de crescimento e que a produtividade total dos factores está em desaceleração desde os finais dos anos 1980. "É este o problema que temos de enfrentar", nomeadamente através da expansão da educação, onde o País continua a evidenciar um grande atraso face aos parceiros europeus, e no mercado de trabalho, onde "quisemos proteger demasiado os que estão dentro do sistema à custa daqueles que iam tentando entrar".
"As políticas públicas não são todas despesistas, e não podem ser apenas analisadas do ponto de vista do custo directo que têm, porque elas têm uma lógica e uma razão de ser", considera. No caso concreto da Segurança Social, diz que nas actuais circunstâncias, "não podemos colocar em causa o edifício já de si fragilizado". É que "a coesão social tem de ser um resultado do crescimento económico mas ela também é um ingrediente desse crescimento".
Para Jorge Bravo, especialista em Segurança Social e outro dos oradores do painel, o actual modelo de repartição condena-nos a escolher entre aumentar a carga contributiva sobre as actuais gerações ou a transferir o ónus para as futuras. Será preciso "restabelecer o equilíbrio", sendo que o economista considera que esta é uma responsabilidade que convoca tanto os indivíduos como os seus empregadores.
Já Luís Filipe Pereira, ex-ministro da Saúde, diz que é preciso ultrapassar clivagens ideológicas que têm impedido que discussões fundamentais se façam, como é o caso da ampliação da concessão de funções públicas ao sector privado da economia.