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Oito declarações analisadas no "campanha vista à lupa"

Foram oito as declarações que vários políticos efectuaram durante a campanha para as eleições legislativas e que o Negócios analisou "à lupa". Do défice à dívida, passando pelas pensões, foram vários os temas analisados.

Pedro Passos Coelho: Quando tomou posse, preferiu continuar a viver em Massamá, em vez de se mudar para o Palácio de São Bento, a residência oficial do primeiro-ministro. Pedro Passos Coelho reside no concelho de Sintra há 20 anos, acompanhado pela sua mulher Laura Ferreira e pelas suas filhas. 'Vivo muito bem em Massamá, onde estamos mais próximos dos meus sogros e da área de trabalho da minha mulher', confessou numa recente entrevista ao Sol.

António Costa: Pedro Passos Coelho e António Costa são rivais no mundo da política, estando a lutar pelo próximo mandato como primeiro-ministro. Mas há uma ligação comum: são vizinhos em Sintra. É aqui, mais concretamente em Fontanelas, que o líder do PS vive.
Bruno Simão/Negócios
Negócios 01 de Outubro de 2015 às 21:30
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HÁ PROBLEMAS NO ENVIO DOS VOTOS DOS EMIGRANTES?

Os cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro só podem votar por correspondência, podendo fazê-lo até 4 de Outubro, embora o boletim tenha de ser enviado antes disso. Mas há problemas com os envelopes para o envio do voto para Portugal.

É fundamental que seja feito um último esforço por parte de todas as entidades envolvidas (...) para desbloquear problemas, esclarecer situações e apelar ao envio dos envelopes com os boletins de voto correctamente instruídos.
Paulo Pisco


Resposta: 
Sim. E o que está na base dessa dificuldade no envio dos factos é quase caricato: os envelopes que foram enviados para os eleitores recenseados nos círculos da emigração, que têm a morada da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, não têm a palavra "Portugal". 

"A secretaria geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) detectou, no pré-preenchimento dos envelopes de retorno destinados aos votos dos cidadãos nacionais residentes no estrangeiro, a omissão expressa a 'Portugal' após a morada, 'Lisboa' e o código postal da SGMAI", indica um comunicado emitido pelo gabinete de imprensa de Anabela Rodrigues esta terça-feira, 22 de Setembro.
Os cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro só podem votar por correspondência, podendo fazê-lo até 4 de Outubro, embora o boletim tenha de ser enviado antes disso. 

A SGMAI admitia que a ausência da expressão "Portugal" possa dificultar a chegada dos votos dos emigrantes: "com vista a prevenir que desse facto possa resultar qualquer constrangimento à chegada atempada de votos, de imediato foi instruída a rede consular, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e contactados os CTT, pela SGMAI, para que todas as medidas fossem tomadas junto dos serviços postais dos vários países envolvidos, a fim de ser assegurada a indicação de aquele correio se destinar a Portugal".

O que o PS pede é, assim, um "sprint" final para tentar resolver este problema. "Os serviços portugueses da Administração Eleitoral, na dependência do Ministério da Administração Interna, têm recebido diariamente um número anormal de queixas relacionadas com atrasos e perturbações na recepção dos votos dos eleitores inscritos nos cadernos eleitorais dos círculos da Europa e Fora da Europa", denunciou.
Por outro lado, na sexta-feira, a Lusa noticiou que os boletins para os emigrantes recenseados em Timor-Leste tinham sido enviados há mais de uma semana mas não tinham chegado a Díli, sendo difícil garantir que, após preenchidos, cheguem atempadamente a Portugal. 

AS IMPARIDADES DA PARVALOREM AFECTAM O DÉFICE DE 2012?

Uma notícia da Antena 1 revelou que Maria Luís Albuquerque pediu, em 2012, à administração da Parvalorem para verificar qual a melhor estimativa de recuperação das imparidades que estavam a propor registar. A conclusão da oposição é que a governante pretendia com isso obter um valor melhor para o défice público.

O que nós ficamos a saber é que as contas da Parvalorem foram marteladas para disfarçar o impacto do buraco do BPN no défice e que Maria Luís Albuquerque é tão de fiar nas suas contas como a contagem das emissões de gases da Volkswagen.

Catarina Martins

 

Resposta:

A resposta é não. O défice público em contas nacionais só voltará a ser afectado pela Parvalorem, uma das empresas que resultou do BPN, quando as perdas, se existirem, forem reconhecidas. O que deixa por esclarecer a questão: porque é que a ministra Maria Luís Albuquerque pediu, de acordo com testemunhos da empresa, que se reduzissem as imparidades registadas?

A segunda-feira dia 29 de Setembro foi marcada pela notícia da Antena 1 a revelar que Maria Luís Albuquerque, secretária de Estado das Finanças em 2012, pediu à administração da Parvalorem para verificar qual a melhor estimativa de recuperação das imparidades que estavam a propor registar no montante de 577 milhões de euros. A administração, da qual fazia parte Paula Poças ouvida pela Antena 1, fez uma revisão do valor para 420 milhões de euros.

Porque terá a secretária de Estado de então feito isso? A conclusão que se está a retirar é que pretendia com isso obter um valor melhor para o défice público. O problema é que as imparidades não são registadas anualmente nas contas públicas, apenas são contabilizadas na altura em que "nascem" e quando a perda se efectiva.

No défice "em contabilidade nacional  não são incluídas variações de valor (aumentos ou diminuições) de ativos detidos por uma entidade", explica o INE.  "O impacto no saldo apenas se verifica quando as perdas se concretizam" tendo como referência o valor inicialmente contabilizado.

Tudo começa pelo nascimento da empresa. Quando a Parvalorem foi criada registaram-se nas contas públicas as perdas potenciais (imparidades). Só haverá novo registo nas contas públicas quando essas perdas se concretizarem ('write off'), agravando o défice se a perda for superior ao inicialmente registado.

Sem resposta fica a razão pela qual a actual ministra das Finanças, secretária de Estado das Finanças na altura, pediu para rever as imparidades de 2012. Por causa do défice não parece ter sido. 

PASSOS COELHO PAROU DE CORTAR PENSÕES?


Depois de, nos últimos anos, ter cortado pensões em pagamento a meio milhão de reformados, através da contribuição extraordinária de solidariedade, Pedro Passos Coelho dirigiu-se-lhes durante a campanha para dizer que já não há cortes em curso e prometer que o programa não prevê mais cortes. Será mesmo assim?

 

Já não temos a necessidade como tivemos antes de, em certas circunstâncias difíceis, lhes pedir ainda um contributo adicional [aos pensionistas]. Não é uma promessa vaga. Nós já hoje não temos qualquer medida de restrição nas pensões
Pedro Passos Coelho 


Resposta:

Comecemos pela última frase da declaração de Pedro Passos Coelho quando ele afirma que "nós já hoje não temos qualquer medida de restrição nas pensões". Não é verdade que assim seja. Depois do chumbo da contribuição de sustentabilidade (corte permanente nas pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações), o Governo levantou os cortes para a generalidade dos reformados, mas manteve-os para quem tem pensões de 4.611 euros em diante. Estão abrangidos todos os reformados com pensões de fonte pública ou privada, sejam elas atribuídas a título principal ou complementar. A promessa eleitoral de Passos Coelho é acabar com a CES gradualmente, até 2017.

Do mesmo modo, também os reformados de empresas públicas que registam prejuízos durante três ou mais anos, entre as quais avultam o Metro e a Carris, mantêm os cortes nos complementos de pensão. 


Quanto à promessa de não adoptar novos cortes nas pensões em pagamento, o Governo já assumiu mas já admitiu também o seu contrário.

A confusão começou com o Programa de Estabilidade (PE) enviado para Bruxelas em Abril, onde o Executivo inscreveu uma poupança de 600 milhões de euros anuais com pensões em pagamento. Não se dizia como se poupava o dinheiro, mas o documento assumia, "como mera hipótese técnica", o corte definitivo nas pensões que foi chumbado em 2014 pelo Tribunal Constitucional – e que previa um ligeiro aumento do IVA e da TSU a par com o corte das pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA).

Mais tarde, em Maio, perante uma plateia de jovens sociais-democratas, Maria Luís Albuquerque voltou a admitir a hipótese de um corte nas pensões em pagamento. "É honesto dizer aos portugueses que vai ser preciso fazer alguma coisa sobre as pensões para garantir a sustentabilidade da Segurança Social. E essa alguma coisa pode passar, se for essa a opção, por alguma redução, mesmo nos actuais pensionistas", disse Maria Luís.

 

A frase de Maria Luís Albuquerque causou incómodo no PSD no CDS, e o primeiro-ministro já veio garantir que os 600 milhões de euros ao ano de poupança não passam pelo corte nas pensões. Mas nunca chegou a explicar qual é a alternativa, sendo que, no prazo da legislatura, a medida representa uma redução de despesa com pensões na ordem dos 2,4 mil milhões de euros. 

O DÉFICE DE 2011 É IGUAL AO DE 2014?

Os partidos da oposição criticaram o Governo por fechar 2014 com um défice de 7,2% do PIB, apenas duas décimas abaixo dos 7,4% do PIB de 2011, isto depois de muitas medidas de austeridade. Um esforço em vão? É o que pensa por exemplo António Costa, o líder dos socialistas. 

Falharam ainda outro objectivo – o défice de 2014 é igual ao enorme défice que receberam em 2011. De nada valeu a política deste Governo ao logo de quatro anos
António Costa



Resposta:
O défice global dos dois anos é semelhante, mas a situação orçamental estrutural do ano passado está mais equilibrada do que a de 2011. Segundo dados da UTAO e do INE, excluindo medidas temporárias e extraordinárias (como as recapitalizações do BPN ou Novo Banco) o saldo orçamental de 2011 foi substancialmente superior: 7,2% do PIB contra 3,3% do PIB, ou seja, menos de metade.

Várias operações complicam a comparação entre os dois anos:

Em 2014, o destaque vai para a recapitalização do Novo Banco em 4,9 mil milhões de euros que aumentou o défice em 2,8% do PIB (quase 40% do défice anual). A operação, por ocorrer só uma vez, só terá impactos nos défices futuros através dos custos com juros que o Estado terá de suportar sobre o capital que injectou no Novo Banco. Outras operações extraordinárias do ano são um crédito fiscal ao investimento, perdas com crédito mal parado do BPN ou despesas com a reestruturação financeira do sector transportes. O saldo das medidas extraordinárias prejudicou o défice em cerca de 3,9% do PIB.

Em 2011, entre as despesas extraordinárias e irrepetíveis significativas destacaram-se a assunção de dívidas da Madeira – cerca de 0,7% do PIB ou 1200 milhões de euros – e as despesas de recapitalização do BPN (600 milhões de euros). Em conjunto as duas operações valem 1.800 milhões de euros ou 1,1% do PIB, um valor bem menor que os 4,9 mil milhões de 2014. Outras operações extraordinárias envolveram despesas com PPP e uma sobretaxa de IRS usada para compensar as despesas extraordinárias desse ano. Ao todo, estas operações temporárias prejudicaram o défice em 0,2% do PIB, estima a UTAO.

Uma comparação entre a situação orçamental nos dois anos mostra ainda que o Estado cobrou em 2014 mais impostos (2,5 mil milhões de euros) mas menos contribuições sociais (-831 milhões de euros); e que foi gasto menos dinheiro com pessoal (2,1 mil milhões de euros) e com investimento (-2,5 mil milhões de euros).


AS CRECHES EM PORTUGAL SÃO MAIS CARAS QUE AS PROPINAS DA UNIVERSIDADE?

A porta-voz do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, afirmou, a 24 de Setembro, numa visita à Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, que o país precisa de "apoios à infância a sério" e lamentou que as creches sejam mais caras do que as universidades.

Precisamos, em Portugal, de apoios à infância a sério: creches públicas. As creches em Portugal são mais caras do que as propinas da universidade. Precisamos de creches públicas, é preciso apoio, não podemos ter as crianças de 4 anos a pagar o mesmo passe de autocarro de um adulto, precisamos de abono família.
Catarina Martins

 

Resposta:
Catarina Martins tem razão no que diz. O valor máximo anual de propinas que um estudante do ensino superior pode pagar no ensino público é de 1.063,47 (adaptado anualmente de acordo com a inflação) e o valor mínimo são 656,5 euros. Dentro destes intervalos, os estabelecimentos de ensino superior podem depois fixar os valores que cobram aos seus alunos.

Fixemo-nos no valor máximo. 1.063,47 euros anuais dão uma média mensal de cerca de 89 euros. Com este montante, apenas famílias com baixos rendimentos conseguirão uma mensalidade numa creche para os seus filhos e, mesmo assim, apenas numa creche que seja também uma Instituição Particular de solidariedade Social (IPSS), ou seja, que beneficie de apoios públicos por parte da segurança social. Nas creches privadas, os valores são muito acima disso e, sobretudo nas grandes cidades, não é raro que os valores mensais ultrapassem os 300 ou mesmo os 400 euros.

Mesmo que a comparação seja feita com as universidades privadas, onde o valor mensal da propina numa licenciatura pode oscilar entre os 350 a 450 euros, o montante em causa acaba por ser muito semelhante. 

Com a agravante de que não há creches em número suficiente para todas as crianças, pelo que os pais que não tenham apoio familiar – avós que possam ficar com as crianças enquanto os progenitores trabalham, por exemplo – não lhes resta outra possibilidade a não ser pagar.

Actualmente, o ensino público é assegurado para crianças a partir dos quatro anos, quando transitam da creche (onde ficam até aos três anos) para o jardim-de-infância, ou seja, para o ensino pré-escolar. No entanto, a partir dos quatro o panorama não é muito melhor, uma vez que as vagas no ensino público são poucas e é frequente chegarem apenas para crianças com cinco anos. Isso significa que até essa idade terão de se manter em escolas privadas e com mensalidades que em regra são um pouco mais baixas do que as das creches mas que, ainda assim, são duas ou três vezes mais elevadas do que a propina máxima mensal média cobrada nas universidades.

A questão está, aliás, nos programas eleitorais. A coligação promete aumentar a cobertura na rede de creches a disponibilizar o pré-escolar para meninos de quatro anos já em 2016/17, enquanto prepara o acesso para crianças a partir dos três. Os socialistas também não passaram ao lado do tema e prometem igualmente alargar a rede de creches e garantir, até ao final da legislatura, a universalidade da oferta da educação pré-escolar a todas as crianças dos três aos cinco anos. 


CONCESSÃO DOS ESTALEIROS DE VIANA FOI BENÉFICA PARA O ESTADO? 

Numa passagem de campanha por Viana do Castelo, o líder do CDS-PP, Paulo Portas, passou pelas instalações da antiga empresa pública Estaleiros de Viana, e defendeu a solução adoptada pelo Governo. O desfecho foi positivo ou negativo para o Estado?

"Estes estaleiros [de Viana] correram risco de vida [...], estão vivos, estão com trabalho e com trabalhadores. [O Governo anterior deixou-os com] um prejuízo diário de 110 mil euros e um plano de despedimentos já assinado."
Paulo Portas

Resposta:

Visto pela direita, o Estado deitou borda fora um cancro empresarial e condenado à falência, tendo ganho um pólo de construção naval privado, pujante e criador de centenas de postos de trabalho; na perspectiva da esquerda, o Estado cometeu um crime industrial e laboral, ponto. Sem sabermos ainda o custo final decorrente do encerramento dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), os factos tendem a validar a nova vida dos estaleiros como a solução mais vantajosa para o Estado.

É verdade que, pouco tempo antes das últimas legislativas, o anterior Governo PS deu o seu aval ao plano de reestruturação dos ENVC, que previa a saída de 380 trabalhadores. Um plano que viria a ser suspenso, logo a seguir à tomada de posse do Governo PSD/PP, pelo actual ministro da Defesa.

Entretanto, praticamente sem trabalho, os mais de 600 trabalhadores dos ENVC limitavam-se a picar o ponto. Foi assim durante mais de três anos. Em Junho de 2012, o ministro José Pedro Aguiar-Branco lançava a reprivatização dos ENVC, que viria a suspender no final desse ano, quando o Estado foi notificado pela Comissão Europeia sobre alegados auxílios à empresa estatal no passado, no valor de 400 milhões de euros.

Para não correr o risco de Portugal ter que devolver tão grande volume de dinheiro, Aguiar-Branco decide fechar a empresa ENVC e subconcessionar os terrenos e infra-estruturas dos estaleiros. Em Maio passado, Bruxelas deu por encerrado a investigação aprofundada aos apoios estatais aos ENVC, tendo concluído que foram 290 milhões de euros o valor das ajudas ilegais concedidas pelo Estado português aos estaleiros de Viana. Mas como a empresa se encontrava em processo de liquidação, o reembolso morreu com o fim dos ENVC.

O concurso para a subconcessão acabou por ser ganho em 2014 pela West Sea, do grupo Martifer, que garantiu os estaleiros até 2031, por uma renda anual de 415 mil euros. E o que é que agora existe no espaço que no passado recente era ocupado pela moribunda empresa ENVC? Uns estaleiros navais cheios de actividade, que empregam mais de 200 pessoas, na sua maioria ex-ENVC, e que deverão chegar em breve às 400, com a construção, já iniciada, dos dois navios-patrulha para a Marinha portuguesa.                    


A DÍVIDA PÚBLICA DEVERIA ESTAR MAIS BAIXA?

A 21 de Setembro, Augusto Santos Silva criticou o Governo por não baixar a dívida pública apesar de todos os cortes de despesa e aumentos de impostos que fez. Incompetência, acusou. A dívida pública já deveria ter baixado?

Então como é: corta-se salários, corta-se pensões, aumenta-se impostos, sobe-se o IVA, sobe-se o IVA da electricidade, corta-se os apoios sociais, retira-se o complemento solidário a milhares de idosos e no fim a dívida aumenta?
Augusto Santos Silva



A resposta:

Sim, devia, embora já esteja a baixar este ano. As previsões do Governo nunca assumiram que a dívida baixaria de imediato por força das medidas de austeridade. Segundo as estimativas, ela subiria num primeiro momento, para começar a baixar depois – só que aconteceu um atraso no calendário e a partir de valores de endividamento significativamente mais elevados que os antecipados há quatro anos.

O peso da dívida no PIB baixou pela primeira vez no primeiro semestre deste ano face ao fecho de 2014: de 130,2% do PIB para 128,7% do PIB. No entanto, os resultados ficam muito aquém das metas iniciais do Governo: nas previsões de 2012, o Executivo estimou que a dívida pública atingiria um máximo de 115% do PIB em 2013 e baixaria em 2014 para 113,4% do PIB, valores distantes dos quase 130% actuais.


O Governo prevê que no segundo semestre deste ano baixará ainda mais este rácio, para 124,2% do PIB, mas a meta pode estar em risco com o falhanço da alienação do Novo Banco.


E porque é que a dívida não baixa de imediato com o aumento da austeridade?


Na análise à evolução da dívida pública é importante reter que subidas de impostos e cortes de despesa não implicam necessariamente reduções de dívida pública. Para que tal aconteça é necessário gerar saldos orçamentais positivos (despesas públicas inferiores a receitas) que permitam não pedir mais dinheiro emprestado e começar a pagar a dívida acumulada ou, pelo menos, garantir que a dívida pública cresce menos que a economia, para que dessa forma o seu peso no PIB possa diminuir.


O efeito do crescimento é visto por muitos economistas como central na análise do endividamento: em economias em recessão é muito difícil baixar a 
dívida.


Um dos problemas no ajustamento português foi exactamente que a recessão e a destruição de empregos foram superiores ao esperado pelo Governo e a troika – que confiaram numa espécie de austeridade expansionista. A evolução negativa ditou perdas de receitas públicas (menos impostos e contribuições sociais) e aumentos de despesa (por desempego por exemplo) que dificultaram os objectivos em termos de saldos orçamentais, e implicaram ao mesmo tempo um aumento do peso da dívida numa economia mais pequena.


É PRECISO MUDAR A CONSTITUIÇÃO PARA CORTAR PENSÕES EM PAGAMENTO? 

António Costa afirmou, a 21 de Setembro, em Bragança, que Passos Coelho insiste na colaboração do PS para mudar a Constituição porque só assim se conseguem cortar pensões em pagamento. Mas será que é preciso mudar a Constituição para cortar nas pensões? 

Ele [Passos Coelho] sabe que, para cortar 600 milhões de euros, precisa de uma revisão da Constituição, mas não vai ter acordo nenhum do PS
António Costa

A resposta:

Não necessariamente. Nos acórdãos que produziu sobre o tema, o Tribunal Constitucional nunca afirmou que cortar pensões em pagamento viola a Constituição. Pelo contrário, afirmou o princípio geral de que o Estado contrata com cada cidadão que ele terá direito a uma pensão, mas não a um determinado valor da pensão. Ou seja, entende o Tribunal Constitucional que um reformado não é dono da sua pensão, e que pode haver razões que justifiquem um corte no valor das reformas. Isto é o princípio geral.

 

Na prática, vimos o Tribunal Constitucional a aceitar cortes de forma temporária, quando o ciclo económico o justifique, como aconteceu com a contribuição extraordinária de solidariedade (CES), que foi viabilizada e perdura até aos dias de hoje para reformas de valor mais elevado. E vimos os juízes a chumbar cortes permanentes nas pensões, com o argumento de que eles não  tinham sido feitos no quadro de uma reforma estrutural e não eram equilibrados e justos.

 

O primeiro chumbo veio em Dezembro de 2013, quando o Governo tentou tirar cerca de 10% às pensões dos funcionários públicos. Por unanimidade os juízes entenderam que o diploma era inconstitucional porque a medida não configurava uma reforma estrutural do sistema de pensões. Era, antes uma medida avulsa que tinha por objectivo fazer face a uma emergência orçamental. Também argumentaram os juízes que ela não cumpria os objectivos enunciados, nomeadamente a reposição da equidade intergeracional dentro do sistema público e entre este e o sistema de Segurança Social. Em suma, estava a colocar-se um ónus sobre uma classe de reformados sem que estivesse demonstrada a justiça e a necessidade da medida. 

 

O segundo chumbo chegou em Agosto de 2014, em plenas férias, quando o Governo tentou transformar a CES (temporária) em contribuição de sustentabilidade (permanente). E também aqui, os juízes consideraram que a proposta que tinham à frente tinha sido feita sem cumprir os requisitos mínimos que é preciso preencher quando se pretende afectar tão severamente o rendimento das pessoas. 

Para os juízes, a contribuição de sustentabilidade cortava pensões de igual maneira a todos os reformados quando eles não são todos iguais: por exemplo, uma parte deles reformou-se com 80% da média dos melhores dos últimos 15 anos, outros com 100% do último salário, outros com 90% do último salário; outro exemplo: uns já tinham sofrido cortes com o factor de sustentabilidade, outros não. 

Pela forma como a medida estava desenhada, os juízes entenderam que ela apenas visava cortar despesa no curto prazo, e não introduzir maior racionalidade, equidade e sustentabilidade no sistema. 

A posição do Tribunal Constitucional pode entretanto mudar, já que depende sempre das sensibilidades dos juízes que a cada momento compõem o colectivo. Mas, a manter-se esta linha de argumentação, a grande questão está, pois, em  em saber quais os requisitos mínimos que um pacote de medidas precisa de cumprir para que o TC a considere uma "reforma estrutural". 

Como este entendimento comporta necessariamente uma ponderação muito subjectiva, houve comentadores políticos a dizer que um corte nas pensões em pagamento só passa no crivo do Palácio Ratton se tiver acordo dos chamados partidos "do arco do poder". Ou seja, não será tanto uma questão estritamente constitucional, mas política. 



 

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