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Raio-x ao discurso de Passos Coelho
O líder do PSD abriu o congresso do PSD com conselhos ao Presidente da República, a admitir que a maioria de esquerda é afinal consistente e a lembrar os resultados positivos da austeridade. Conheça os principais temas abordados por Passos Coelho.
Pedro Passos Coelho abriu o congresso do PSD, na noite desta sexta-feira, a rivalizar directamente com o seu Benfica, que jogava a quase 300 quilómetros de distância, em Lisboa. Talvez por isso, tratou de agarrar a atenção dos militantes que enchiam a sala do congresso logo desde o início. Respondeu aos críticos, falou das reformas, deixou alertas sobre um possível novo resgate e também assumiu que a maioria de esquerda já não é negativa – e a até é coerente.
Recorde os principais temas abordados pelo ex-primeiro-ministro.
A austeridade deu resultados
Passos Coelho procurou responder àqueles que pedem que "o PSD se reinvente" com o legado que deixou a António Costa. Pelo meio admitiu que não fez "tudo bem". Mas acabou a dizer que Portugal começa "este novo ciclo em condições incomparavelmente melhores do que em 2011". E os dados "têm sido divulgados pelo INE e pelo Banco de Portugal". A saber: "Depois de ter havido uma inversão da tendência recessiva em 2013, tivemos crescimento da economia em 2014 e 2015"; o desemprego "começou a descer sustentadamente em 2013 e terminámos 2015 com o mesmo nível com que começamos a crise".
Mais: "a dívida pública desceu" pela "primeira vez em quase uma década"; o défice "não foi superior a 3%", excluindo, naturalmente, a resolução do Banif (o que Passos não referiu); as contas externas "deixaram de estar deficitárias pelo terceiro ano consecutivo e as exportações atingiram o valor mais expressivo de toda a história". Em suma, "fechámos 2015 com a noção de dever cumprido" e a estes resultados foram validados pelo voto popular, com a derrota do PS nas últimas eleições.
Maioria de esquerda já não é negativa e é "consistente"
Depois de meses a criticar o oportunismo da aliança parlamentar que suporta o Governo de António Costa, Passos Coelho já assume que se trata de uma maioria "consistente". "O PCP, o BE e o PS podem aos olhos de muitos constituir uma maioria um pouco estranha, mas tem vindo a revelar-se uma maioria consistente", certificou. É uma maioria que evoluiu de negativa para positiva.
Isso significa que o PSD já não é necessário para conferir estabilidade ao Governo, e que o PSD já assume o seu papel de líder da oposição. "Ainda bem que é assim, porque não nos revemos neste Governo, nesta maioria nem nas suas políticas", assinalou Passos, garantindo que não vai ficar à espera que "tudo corra mal" para voltar ao Governo.
Marcelo não pode ter medo de discordar
Passos Coelho não deixou Marcelo à porta do congresso, e deixou alguns conselhos ao novo inquilino de Belém, cuja eleição deixou o PSD com muito "orgulho". Marcelo "deve exercer o mandato com a preocupação de unir os portugueses e a preocupação de coesão quer nacional, quer geracional que se projecta para o futuro. Ao Presidente, apesar de não lhe competir governar nem legislar, pode e deve exigir-se o exercício de magistratura de influência, onde não deve faltar um espírito de cooperação e entreajuda" com o Governo e o Parlamento.
Mas o facto de ter de unir os portugueses não significa que Marcelo não seja ambicioso. "Cabe ao Presidente intervir com pensamento e acção, arriscando ter posição e marcar a diferença", fazendo-o "sempre que a natureza das circunstâncias o exija e lhe pareçam suficientemente relevantes, ou quando a consciência o ditar".
Por isso, "ter divergências com quem quer que seja não é desunir, é apenas afirmar a individualidade do cargo que ocupa, de acordo com a identidade política de quem o ocupa", defendeu Passos Coelho.
Défice podia ter ficado abaixo de 3% se Costa quisesse
O défice de 2015 ficou nos 3% se se excluir o impacto da resolução do Banif (com ela, ficou em 4,4%). Passos Coelho sinalizou o facto de ter cumprido essa meta, uma vez que o seu Governo foi responsável por 11 dos 12 meses do ano passado. E o défice só não ficou abaixo de 3% porque o PS não quis. "Só não foi aritmeticamente inferior a 3% por muito pouco, o que significa que um bocadinho mais de zelo depois de um Conselho de Ministros de Dezembro tão apoteoticamente apostado em evitar défice de 3% em 2015" teria garantido um défice abaixo de 3%.
Passos Coelho referia-se, provavelmente, ao Conselho de Ministros de 17 de Dezembro, em que foram aprovadas medidas de devolução de rendimentos de 1.200 milhões de euros, na actualização de vários complementos sociais e na actualização de dois milhões de pensões.
Mediação no Novo Banco é "incumprimento de regras de isenção"
António Costa assumiu-se esta semana como facilitador e mediador de uma solução para os lesados do papel comercial do Novo Banco. O primeiro-ministro assinou com o Banco de Portugal e a CMVM, bem como com os representantes dos lesados do papel comercial, um memorando de entendimento para que seja encontrada uma solução até ao início de Maio.
Para Passos Coelho, Costa meteu foice em seara alheia. "A pretexto de um genérico interesse relacionado com o objectivo da estabilidade financeira, envolve-se directamente em negociações privadas de accionistas privados, de bancos privados, no nosso país. Quando questionado sobre esta questão, sobre o incumprimento de regras de isenção a que o Governo está obrigado, sobre os maus exemplos que está a dar, acusa o toque, revela arrogância, e não responde", denuncia Passos Coelho.
"O primeiro-ministro reage mal. Penso que era melhor que arrepiasse caminho e actuasse de outra maneira", defende, até porque é um "mau exemplo que está a ser dado", que "sacrifica o futuro ao presente, fragiliza a isenção e independência das instituições públicas e não pode dar bom resultado nem agora nem para futuro".
É preciso acabar com a desigualdade
Passos Coelho também elencou as suas prioridades para o país. É preciso resolver a desigualdade, porque a sociedade portuguesa é "há varias décadas senão a mais desigual, talvez a segunda mais desigual de toda a Europa". Isso acontece devido a "problemas antigos do nosso país: sabemos que a receita fiscal que advém dos impostos sobre rendimento, em que cada um paga em função da sua capacidade", não é financiada por "praticamente metade dos portugueses" porque "não têm rendimento para pagar, e aqueles que pagam, a grande maioria dos que paga, cerca de 84%, não gera 16% da colecta".
"O que significa que, simetricamente, são cerca de 16% aqueles que pagam quase 85% da receita", observa. "Estas desigualdades económicas têm depois um reflexo social e cultural gravíssimo", porque "o que estamos a fazer há muitos anos em Portugal não é a redistribuição da riqueza de forma equilibrada, o que estamos é a manter a desigualdade, deixando que uns poucos, cada vez menos, possam ter mais".
Por causa disso, a política social do Estado "revela o seu total falhanço a corrigir as desigualdades e a habilitar os mais jovens a construir um futuro melhor". Passos diz que o PSD vai apresentar no Parlamento "medidas concretas" para resolver estes problemas.
Reforma do Estado não é Simplex
Para o líder do PSD, é preciso fixar alguns objectivos concretos. "Se decidirmos que podemos ser um país com capacidade de atracção, com empreendedorismo, se mostrarmos que não temos um Estado que atrasa tudo, que promove a mudança, premeia o mérito, não anda atrás do prejuízo mas à frente a ver o que pode executar, que aposta na qualificação do saber", Portugal pode transformar-se na "Califórnia ou na Flórida da Europa".
Para isso é preciso manter a aposta nas reformas estruturais. "É preciso melhorar o que fizemos no passado, ter segunda geração de políticas estruturais que reformem o Estado, não é ter o Simplex". Isto porque "ficamos com a ideia de que com o Simplex vamos ter uma grande reforma do Estado", mas reforma "é tudo o que está por trás do Simplex, não o que está à frente do interface com os cidadãos".
Sistema de voto preferencial
A terminar, Passos Coelho aproveitou para desafiar o PS a alterar a lei eleitoral para introduzir um sistema de voto preferencial. "Não temos à vista eleições legislativas e espera que não tenhamos tao cedo. Uma vez que não há eleições à vista, este é o momento certo para discutirmos alterações ao sistema eleitoral. Para aqueles que querem efectivamente mudar alguma coisa", afirmou.
O PS colocou no seu programa de Governo a alteração da lei eleitoral para introduzir círculos uninominais, mas deixou cair essa ideia na sequência das negociações com a esquerda.