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PS quer dar poder ao Parlamento para tornar dados confidenciais
Socialistas querem um regime para a classificação de documentos públicos que dá ao Parlamento e aos Governos Regionais competência para decidir que informação com natureza pública passa a estar classificada e quem a pode classificar. Comissão de Protecção de Dados critica.
O PS apresentou no Parlamento um projecto de lei com o qual pretende criar um regime jurídico das matérias classificadas e no qual alarga substancialmente o leque de entidades com competência para determinar que um documento ou uma informação são classificados e, por isso, de acesso restrito por parte do público em geral. A ser aprovado o projecto, a Assembleia da República e os Governos Regionais ganham competências tanto para classificar como para desclassificar e, ainda, para determinar que outras entidades o podem fazer.
O projecto de lei deu entrada no Parlamento no início de Janeiro e a Comissão de Assuntos Constitucionais tratou de pedir um parecer à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), uma vez que está em causa o tratamento de dados pessoais. Esta entidade já se pronunciou e o tom é de crítica. A começar, precisamente, pelo facto de o PS querer admitir "uma tão aberta lista de potenciais entidades classificadoras de informação", lê-se no documento a que o Negócios teve acesso.
Afinal, "devendo a classificação de informação ser uma excepção na normal relação entre o Estado e os seus cidadãos, não se percebe porque se alarga desta forma (…) a capacidade de utilizar um tal expediente, sobretudo porque a faculdade de classificação resulta virtualmente insindicável", alerta a Comissão.
Mas o que é informação classificada? Há que salientar, desde logo, que o conceito difere do segredo de Estado, que é mais restritivo e tem legislação própria. A informação nacional classificada será constituída, segundo o projecto do PS, pela "informação e documentos que requeiram protecção contra divulgação não autorizada por ser susceptível de causar danos à independência nacional, à unidade e integridade do Estado, à sua segurança interna e externa, ao interesse público na administração da justiça" e também "ao interesse nacional ou ao interesse de países aliados" ou de uma organização internacional a que Portugal pertença.
Um "universo potencialmente irrestrito"
Sendo classificada, a informação ficará apenas acessível a quem "tiver comprovada necessidade de a conhecer ou de a possuir, para efeitos de desempenho de funções de natureza oficial ou profissional". E, prevê o projecto de lei, a competência para a classificação de documentos competirá, desde logo, às entidades que já têm hoje em dia a possibilidade de decretar o segredo de Estado, e que são o Presidente da República (PR), o presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro e os ministros.
Depois, estabelece-se também que terão igualmente competência para classificar informação competência outras entidades definidas "por decreto do Presidente da República, por resolução da Assembleia da República, por resolução do Conselho de Ministros e por Resolução dos órgãos de Governo próprios das Regiões Autónomas".
Um alargamento considerável, tendo em conta que, como escreve a CNPD no seu parecer, o resultado acaba por ser "um universo potencialmente irrestrito". Assim, "em vez de substituir a solução actual, reconhecidamente precária, por uma de reforçado valor legal e constitucional, [o projecto] acaba, ao invés, por manter o mesmo sistema e, até, agravá-lo, alargando à AR e aos órgãos de Governo próprio das Regiões Autónomas" a faculdade de declarar matérias como classificadas, escreve a CNPD.
Refira-se que hoje em dia, não havendo um regime específico, a classificação de informações é baseada em resoluções do Conselho de Ministros habilitadas pela Lei de Segurança Interna, segundo a qual compete ao Conselho de Ministros "definir as linhas gerais da política de segurança interna e as orientações sobre a sua execução".
Com o projecto do PS cai-se no extremo oposto e, alerta a CNPD, "tal abertura é manifestamente atentatória da proporcionalidade exigida pela Constituição para consagrar limitações aos direitos fundamentais dos cidadãos."
Falta quem fiscalize
Por outro lado, e no âmbito do projecto de lei do PS, falta quem guarde o guarda. Isto porque, diz a Comissão de Protecção de Dados, falta uma entidade que "fiscalize a classificação da informação e garanta o pleno respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos". Aliás, ao abrigo do projecto socialista, a CNPD não pode "exercer as prerrogativas de controlo dos tratamentos de dados pessoais efectuados" nem, depois, controlar a conservação e utilização das informações classificadas.
Em 2014, ainda na oposição, o PS tinha já avançado com um projecto semelhante a este, que chegou a ser discutido em comissão, mas acabaria por caducar em 2015, no final da legislatura. Volta agora a colocar o tema sobre a mesa.
Informações podem ficar restritas ao público durante 30 anos
O projecto de lei do PS pretende criar um regime jurídico para as chamadas matérias classificadas, ou seja, informações ou documentos administrativos que, pelas suas características, não devem ser de acesso público, ficando restritos a um conjunto específico de pessoas ou entidades.
Classificação tem de ser fundamentada
O projecto do PS prevê que a classificação de qualquer informação ou documento, bem como a sua reclassificação ou desclassificação, "deve ser expressamente fundamentada, indicando-se os interesses a proteger e os motivos ou as circunstâncias que as justificam". Da mesma forma, o posterior acesso à informação ou a documentos que estejam classificados "apenas pode ser concedido à pessoa que tiver comprovada necessidade de a conhecer ou de a possuir, para efeitos de desempenho de funções de natureza oficial ou profissional".
Confidencialidade pode ir até aos 30 anos
A classificação de documentos ou de informações "não deve exceder o tempo estritamente necessário" dadas as circunstâncias em causa, mas poderá ir, de acordo com o projecto de lei do PS, até aos 30 anos (a menos que esteja em causa questões relativas às relações externas ou à defesa nacional), devendo a situação ser revista pelo menos de quatro em quatro anos. A prorrogação para além dos 30 anos - um prazo que a CNPD considera "desproporcionado" ficaria na exclusiva competência do primeiro-ministro, mesmo para informações que tivessem sido classificadas pelo Presidente da República ou pelos presidentes dos Governos Regionais, por exemplo. O primeiro-ministro teria ainda competência para desclassificar todas as matérias classificadas no quadro da administração central e periférica do Estado.
Uma vez classificada uma informação ou um documento, só o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro poderiam ter acesso a eles sem qualquer restrição. Para os deputados, o projecto do PS consagra uma regra que prevê que terá acesso "aos documentos e informações classificados por iniciativa do Presidente da Assembleia da República, das comissões parlamentares, das comissões de inquérito ou da Conferência de Líderes". Teriam ainda acesso a informação classificada pelo primeiro-ministro, requerendo esse acesso através do presidente da Assembleia da República.
Segredos de Estado também ao alcance da AR
Com o projecto de lei sobre o regime das matérias classificadas, o PS aproveita para propor também uma alteração ao Regime do Segredo de Estado. A ideia é que fique previsto que "a Assembleia da República tem acesso aos documentos e informações classificados como segredo de Estado por iniciativa do Presidente da Assembleia da República, das comissões parlamentares, das comissões de inquérito ou da Conferência de Líderes ou por iniciativa do primeiro-ministro". São depois estipulados alguns requisitos de sigilo e segurança, nomeadamente que a informação seja fornecida só ao presidente ou a um membro de cada grupo parlamentar. O Governo poderá "diferir" o acesso, "fundamentadamente e pelo tempo estritamente necessário".