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Preços e Trump complicam a tarefa do BCE
Por estes dias, não é fácil decidir o rumo da política monetária da Zona Euro. O BCE tem de gerir diferentes opiniões internas sobre como lidar com a saída da crise, uma inflação pouco cooperante e uma Administração norte-americana pouco convencional.
Entre discórdia interna, Donald Trump e subidas ténues de preços, Mario Draghi não tem mãos a medir. O valor de inflação de Janeiro voltou a mostrar que o regresso aos 2% é um projecto de longo prazo ao mesmo tempo que, dos Estados Unidos, chegam mensagens preocupantes.
Os preços da Zona Euro no mês de Janeiro abrandaram de um crescimento de 1,4% para 1,3%. Uma notícia expectável, mas que volta a mostrar que a variação do indicador será lenta - o BCE tem como objectivo uma inflação próxima de 2% - e que pode ser ainda cedo para o banco central tirar o pé do acelerador dos estímulos.
Além de ter colocado a taxa de juro de referência num 0% sem precedentes, o BCE iniciou um programa de compra de activos. Ambas as iniciativas procuraram dar um empurrão a uma actividade económica deprimida. Os resultados são mistos. Por um lado, a economia da Zona Euro acelerou e o desemprego diminuiu. Por outro, muitos europeus continuam sem trabalho e os preços apresentam uma reacção débil.
A taxa de desemprego manteve-se nos 8,7% em Dezembro, com países como Espanha e Grécia a registarem valores ainda muito elevados. Com muita mão-de-obra por absorver, é mais difícil os salários mexerem e, consequentemente, os preços aumentarem. Aliás, mesmo em regiões onde o desemprego está bastante baixo, tem sido complicado encontrar dinamismo nas remunerações pagas aos trabalhadores.
Os poucos avanços nos preços têm sido conseguidos graças à evolução dos preços da energia, normalmente mais voláteis. Contudo, Janeiro trouxe uma boa notícia nesta frente: a inflação subjacente (que exclui energia e bens alimentares) aumentou de 0,9% para 1%. Há quase dez anos que este indicador não está próximo de 2%.
Mas os problemas do BCE não vêm apenas dos preços. Do lado de lá do Atlântico chega alguma tensão indesejada. A Administração Trump tem feito declarações pouco convencionais no plano monetário, violando uma espécie de pacto de não agressão sobre política cambial.
Na conferência anual do Fórum Económico Mundial, Steven Mnuchin, secretário do Tesouro, disse que um dólar mais fraco era útil para o comércio dos EUA com o resto do mundo. No mesmo fórum, Wilbur Ross, acrescentaria que não tem medo de iniciar uma guerra comercial porque ela já está "a decorrer há algum tempo". "A diferença é que as tropas dos EUA estão agora a chegar às muralhas", sublinhou o secretário do Comércio. As declarações provocaram um sismo geopolítico e uma apreciação do euro face ao dólar.
Ontem, em entrevista à irlandesa RTÉ, o BCE deu a sua resposta mais assertiva: Benoît Cœuré reconheceu que se tem assistido a "alguma volatilidade recentemente" na relação euro/dólar e que, "se essa volatilidade levar a um aperto não desejado da nossa política monetária, vamos ter de considerar e reavaliar" a actuação do BCE.
A apreciação do euro face ao dólar dificulta a tarefa central do BCE de voltar a colocar a inflação próxima do limite de 2%, uma vez que torna as importações europeias mais baratas, aliviando os preços.
Mario Draghi enfrenta estes dois desafios sem ter propriamente unanimidade interna na abordagem aos problemas. É conhecida a relutância alemã em avançar com iniciativas extraordinárias, como é o caso do programa de compra de activos.
Além dos falcões, outros no seio do BCE pedem mais clareza na comunicação. A Bloomberg escreve hoje que entre os responsáveis do banco central há quem queira que o BCE dê um prazo específico para tirar as taxas de juro dos mínimos históricos em que estão actualmente. Até agora, o BCE tem dito que elas por aí continuarão "bem para lá" do fim do programa da compra de activos. Uma expressão vaga que, temem os responsáveis anónimos com quem a Bloomberg falou, pode gerar maior incerteza junto de investidores, empresários e consumidores.