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Draghi foi longe demais em Sintra ou os mercados não perceberam a mensagem?
Vários responsáveis do BCE foram hoje obrigados a corrigir a interpretação que os mercados fizeram das palavras proferidas por Mario Draghi em Sintra.
A comunicação dos responsáveis dos bancos centrais com os mercados é feita através de pequenos detalhes e de forma bastante cautelosa. Ainda mais dos líderes das autoridades monetárias mais importantes do mundo, como é o caso do Banco Central Europeu e do seu presidente.
A reacção às palavras de Mario Draghi ganha ainda mais importância numa altura em que os investidores mostram cada vez maior impaciência com as perguntas sem resposta que têm actualmente: Como e quando o BCE vai começar a reduzir os estímulos monetários?
O BCE tem até agora sido cauteloso na mensagem que passa aos mercados sobre esta matéria, reiterando que a política de estímulos (taxas de juro em mínimos e um programa de 60 mil milhões de euros de compra de activos) é para manter, até que sejam mais duradouros os sinais de aumento da inflação.
Na intervenção que fez em Sintra na terça-feira, no Fórum BCE, Mario Draghi até repetiu este discurso, mas acrescentou uma nuance, que, para muitos investidores, fez toda a diferença.
"As forças deflacionistas foram substituídas por forças reflacionistas. Embora ainda existam factores que estão a pesar na trajectória da inflação, estes são factores principalmente temporários que o banco central pode ignorar no médio prazo", assegurou.
Foi esta a frase que fez soar o alerta nos investidores, que interpretaram esta mensagem como um sinal de que o presidente do BCE estava a abrir a porta a uma retirada dos estímulos económicos.
Embora com valorizações pouco acentuadas, as bolsas europeias reagiram em queda logo na terça-feira e o euro valorizou. O movimento prosseguiu hoje, levando a moeda única para máximos de um ano.
BCE corrige interpretação
Mas era esta a mensagem que Draghi queria passar para os mercados? Provavelmente não. Até porque vários responsáveis do banco central vieram hoje a terreiro corrigir a interpretação que os mercados fizeram das palavras do BCE.
Esta correcção de expectativas está a ser noticiada pela Bloomberg e pelo Financial Times, que citam vários responsáveis não identificados do BCE. Em entrevista à CNBC, o vice-presidente do banco central, Vítor Constâncio, afirmou mesmo que a mensagem deixada por Draghi está em linha com o discurso recente do BCE e que era difícil entender a reacção dos mercados.
Fontes contactadas pela Bloomberg adiantam que o objectivo de Draghi passava por transmitir uma mensagem de optimismo sobre a evolução da economia europeia e também sobre a necessidade de manter os estímulos.
Mas não foi isso que os investidores retiveram. "Não tenho a certeza se foi uma interpretação errada dos mercados. Houve uma alteração muito clara no discurso", comentou à Bloomberg Jeffrey Rosenberg, da Blackrock.
"Os comentários de ontem de Draghi tinham como objectivo ter um efeito. Agora o BCE parece estar a gerir o efeito desse efeito", comentou ao FT, responsável pela divisão de mercados cambiais do Bank of Montreal.
Certo é que as bolsas aliviaram das perdas e o euro corrigiu de máximos, mas os índices accionistas permanecem no vermelho e a moeda única permanece em alta face ao dólar. No mercado obrigacionista o efeito das palavras de Draghi também se fez sentir, com os juros da dívida soberana a reagirem ontem em alta, estando hoje a corrigir. A "yield" das obrigações do Tesouro ontem subiram 13,9 pontos base, estando esta quarta-feira a recuar 10 pontos base.
"Não acho que o discurso de Draghi tenha sido uma grande surpresa, mas o mercado reagiu", afirmou Joachim Fels, da Pimco, que esteve em Sintra no Fórum do BCE. "É um sinal de alerta para as consequências" da retirada dos estímulos alertou.
Como conclui a Bloomberg, este episódio é também um bom exemplo da actual hipersensibilidade dos investidores, que procuram ler nas entrelinhas potenciais mensagens escondidas do BCE.
O actual programa de compra de activos termina no final do ano e o BCE tem defendido que só em Setembro a autoridade monetária irá analisar como e quando o programa de estímulos será alterado. Na última reunião, de 8 de Junho, o tema não esteve em cima da mesa do Conselho do BCE.
Muitos investidores acrescentam que o adiamento da decisão poderá trazer volatilidade adicional aos mercados financeiros. O comportamento dos últimos dias mostra que as críticas podem ter algum fundamento e que Draghi terá que ter (ainda) mais cuidado nos seus próximos discursos.