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Commerzbank : "Discurso de Draghi em Sintra será lembrado como o princípio do fim do QE"

Vários analistas estão a criticar a comunicação do BCE. O Commerzbank compara a relação de Draghi com os mercados a um casamento em dificuldades.  

29 de Junho de 2017 às 13:10
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Não está a ser fácil a comunicação do Banco Central Europeu com os mercados no que diz respeito ao curso da política monetária da instituição. Os investidores querem saber quando e como a autoridade monetária vai reduzir os estímulos, mas o BCE diz que só em Setembro o assunto vai começar a ser discutido.

 

Até lá o mercado tem que interpretar os comentários dos responsáveis do banco central, reagindo com "hipersensibilidade" a qualquer alteração de discurso.

 

Foi o que aconteceu na terça-feira, com a intervenção que Mario Draghi proferiu em Sintra e que, de acordo com os responsáveis do BCE, foi mal interpretada pelos mercados. Os investidores concluíram que o presidente do BCE estava a sinalizar uma redução dos estímulos monetários, o que gerou uma subida no euro e uma queda nas bolsas.

 

Vários responsáveis do BCE vieram ontem corrigir estas expectativas, reafirmando que a política de estímulos continuava a ser necessária, o que não impediu que o euro continuasse em alta (a moeda única superou hoje pela primeira vez a fasquia de 1,14 dólares no espaço de um ano) e as bolsas em queda (o Stoxx 600 sofreu a queda mais forte desde Setembro e renovou mínimos de dois meses).



Se até aqui eram diminutas as críticas ao BCE e ao seu presidente, começam agora a surgir comentários mais negativos, com vários investidores a apontarem falta de credibilidade à actuação do BCE.

 

"Vai ser necessário mais do que declarações de fontes anónimas do BCE para travar a aposta no euro", afirmou à Bloomberg Sean Callow, do Westpac Banking.

 

"A lua-de-mel dos mercados com Draghi parece estar perto do fim", escreve hoje o Commerzbank na nota diária que envia a investidores, que tem como título "lost in translation" (perdido na tradução).

"As forças deflacionistas foram substituídas por forças reflacionistas. Embora ainda existam factores que estão a pesar na trajectória da inflação, estes são factores principalmente temporários que o banco central pode ignorar no médio prazo", disse Mario Draghi na terça-feira, no Fórum BCE em Sintra.

 

Foi esta a frase que deixou os investidores baralhados e obrigou os responsáveis do BCE a corrigirem as expectativas dos mercados. "Tal como nalguns casamentos, o BCE acusou os mercados de interpretação errada", refere o banco alemão, assinalando que os mercados ainda não atingiram um equilíbrio depois da "comunicação confusa" e que os investidores deverão continuar focados nas próximas palavras dos responsáveis do BCE.

 
O princípio do fim 

Durante a tarde, o Commerzbank emitiu um novo relatório, onde avança com conclusões mais fortes sobre o que aconteceu em Sintra. Para o banco alemão, "o discurso que Draghi proferiu em Sintra irá provavelmente ser lembrado como o princípio do fim do 'quantitative easing' (QE)", que é o programa de compra de activos que o banco central tem no terreno desde 2015. 

Lembrando o discurso que efectuou em 2012 para inverter o curso da crise do euro, ou o que pronunciou em Jackson Hole em 2014 e marcou o anúncio de que iria haver um QE na Europa, o Commerzbank diz que Draghi já no passado preferiu os discursos para efectuar anúncios importantes, em detrimento das conferências de imprensa que se seguem às reuniões de política monetária do BCE.
Carney ajuda a baralhar os mercados

Num artigo publicado esta quinta-feira, o Financial Times adianta que além de Draghi, também o Governador do Banco de Inglaterra, está com dificuldades em comunicar a alteração da política monetária. Mark Carney disse ontem que o banco central estava preparado para subir os juros no Reino Unido, o que levou a libra a dar um salto de mais de 1%.

 

Certo é que Draghi e Carney induziram no mercado um factor que os bancos centrais não gostam: volatilidade. Daí que tenham subido de tom as críticas ao BCE e Banco de Inglaterra, já que aos bancos centrais cabe comunicar com os mercados de forma cautelosa e clara.

 

"Não tenho a certeza se foi uma interpretação errada dos mercados. Houve uma alteração muito clara no discurso", comentou à Bloomberg Jeffrey Rosenberg, da Blackrock.

 

Mas também há quem defenda Draghi e acuse os mercados de estarem a reagir de forma exagerada e a tirar conclusões precipitadas.

 
Declarações fora de contexto

"Não acho que o discurso de Draghi tenha sido uma grande surpresa, mas o mercado reagiu", afirmou Joachim Fels, da Pimco, que esteve em Sintra no Fórum do BCE. "É um sinal de alerta para as consequências" da retirada dos estímulos, alertou.  

   

David Owen, economista-chefe para a Europa da Jefferies, afirmou ao Financial Times que "o BCE mostrou grande preocupação" com a reacção dos mercados, mas "o discurso de terça-feira [de Mario Draghi] não nos disse nada que já não soubéssemos, só que as pessoas tiraram as suas palavras fora de contexto".

 

"Draghi estava convencido que o mercado estava à espera de uma redução de estímulos, pelo que pensou que um reconhecimento de que terá que ser efectuado um ajustamento não teria impacto nos preços [dos activos nos mercados]. Mas o facto de o presidente do BCE reconhecer isto pela primeira vez é notícia e implica uma correcção nas condições financeiras", assinalou Richard Barwell, economista do BNP Paribas Investment Partners, em declarações ao jornal britânico.

 

Mario Draghi, que ficou célebre por no pico da crise do euro ter conseguido mudar o sentimento dos mercados com uma única frase - "O BCE fará tudo que o for necessário para preservar o euro" -, tirará pelo menos uma lição com este episódio, escolhendo melhor as palavras nos seus próximos discursos. Isto caso queira mesmo corrigir as conclusões que os investidores estão a tirar das suas palavras.

(Notícia actualizada às 18:20 com conteúdo de um novo relatório do Commerzbank. Título actualizado) 

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