Notícia
Trump avisa Moscovo que vai disparar mísseis contra a Síria
Numa altura em que termina o prazo auto-imposto de até 48 horas para responder ao alegado ataque com armamento químico pelo regime sírio, o presidente dos Estados Unidos escreveu no Twitter que vão ser disparados mísseis contra a Síria.
"A Rússia propõe-se abater quaisquer e todos os mísseis disparados para a Síria. Prepara-te Rússia, porque eles vão chegar, bons, novos e 'inteligentes'", escreveu o presidente dos Estados Unidos defendendo que a Rússia não deveria associar-se a Assad, "que mata o próprio povo e gosta disso".
Russia vows to shoot down any and all missiles fired at Syria. Get ready Russia, because they will be coming, nice and new and “smart!” You shouldn’t be partners with a Gas Killing Animal who kills his people and enjoys it!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) 11 de abril de 2018
Em resposta à ameaça feita no início da semana por Trump, dirigentes do Kremlin garantiram que Moscovo reagiria a qualquer ataque militar desencadeado por Washington. A resposta de Trump parece dirigir-se precisamente ao embaixador russo no Líbano, Alexander Zasipkin, que avisou que qualquer míssil lançado pelos EUA contra a Síria seria derrubado pelas forças russas. A Rússia apoia o regime de Assad, tendo em conjunto com o Irão e as forças libanesas do xiita Hezbollah apoiado as acções militares do regime sírio, que nos últimos meses efectivou o controlo sobre grande parte do território em torno da capital Damasco.
Entretanto, esta manhã foram já registadas movimentações das forças aéreas russa e norte-americana. Quatro caças russos (Su-30 SM e SU-24 M) a escoltarem o "gigante" A-50 AWACS, enquanto um 1 P-8A (avião militar americano) partiu de uma base na Sicília em direcção à Síria e um Boeing E-3 da NATO foi visto a sobrevoar a zona fronteiriça entre a Turquia e a Síria. A perspectiva de provável ataque dos EUA contra a Síria acentuou as perdas nas bolsas internacionais, atirou o dólar para mínimos de duas semanas e voltou a elevar o petróleo em Londres para o máximo desde Dezembro de 2014.
Relação Washington-Moscovo pior do que na Guerra Fria
Num segundo tweet, Donald Trump afirmou que a relação dos EUA com a Rússia "é agora pior do que alguma vez foi, incluindo o período da Guerra Fria". "A Rússia precisa que nós a ajudemos com a sua economia, algo que seria muito fácil de fazer e precisamos que todas as nações trabalhem em conjunto", acrescentou numa referência às sanções financeiras impostas a Moscovo na sequência da anexação russa da Crimeia e desde então renovadas e reforçadas, como agora sucedeu em resposta ao ataque deste fim-de-semana em Douma. Novas sanções também foram impostas à Rússia por um conjunto de países ocidentais na sequência da tentativa de assassinado de um duplo-espião em solo britânico, acção também atribuída a Moscovo.
Our relationship with Russia is worse now than it has ever been, and that includes the Cold War. There is no reason for this. Russia needs us to help with their economy, something that would be very easy to do, and we need all nations to work together. Stop the arms race?
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) 11 de abril de 2018
A Reuters cita a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, que avisou Washington de que "mísseis inteligentes devem ser lançados contra terroristas, não contra governos legais".
O regime sírio já desmentiu não existir qualquer recurso a agentes químicos no bombardeamento à cidade de Douma e Moscovo sustenta que até ao momento não são conhecidas provas que relacionem o ataque químico às forças leais a Assad. Esta quarta-feira, a Sociedade Médica Síria-Americana (SAMS) adiantou, com base em informações recolhidas pelas organizações presentes no terreno, que foram identificadas pelo menos 500 pessoas expostas aos agentes químicos libertados pelo bombardeamento. E a Organização Mundial para a Saúde (OMS) confirmou ainda o registo de pelo menos 70 pessoas mortas devido à exposição a químicos.
Esta terça-feira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas não conseguiu aprovar nenhuma das três resoluções (uma apresentada pelos EUA e duas pela Rússia) apresentadas com vista à realização de perícias para determinar a origem e autores do ataque de sábado passado. Na segunda-feira, o embaixador russo junto da ONU, VassilyNebenzia, garantiu que "não houve ataque químico" e alertou para as "graves repercussões" inerentes a qualquer acção militar dos EUA. Já a diplomata americana junto das Nações Unidas,NikkiHaley, assegurou que Washington vai mesmo "responder". Demora na resposta para escolha de alvos?
No ano passado, também em Abril, os EUA demoraram cerca de dois dias a retaliar contra um ataque com armas químicas efectuado na localidade de Khan Sheikhun, província de Idlib, uma zona na altura controlada pelas forças rebeldes de oposição ao regime de Damasco, provocando várias dezenas de mortos. Dessa feita, Trump ordenou o lançamento de 59 mísseis Tomahawk, a partir de navios estacionados no Mediterrâneo, contra uma base aérea das forças fiéis de Bashar al-Assad, em Shayrat, naquela que foi a primeira vez que as forças americanas intervieram directamente no conflito militar sírio que deflagrou em 2011. Nessa altura, o Kremlin defendeu que a libertação de agentes químicos se deveu ao facto desse ataque ter sido feito contra um armazém onde alegadamente forças rebeldes mantinham armas químicas. TambémoGovernodeAssad culpa as forças rebeldes por manterem arsenais químicos. Tudo indica que a não opção por uma acção imediata como se verificou há um ano se deva à necessidade de o Pentágono avaliar que alvo, ou que tipo de alvo, deve atacar. A grande diferença está no aviso agora feito pela Rússia de que abaterá mísseis americanos lançados contra a Síria, uma ameaça que não foi feita em Abril do ano passado.
Também o Irão ameaçou responder ao ataque efectuado na segunda-feira contra uma base aérea na Síria, uma acção que Teerão, Moscovo e Damasco atribuem a Israel, tradicional aliado americano na região. Por outro lado, estará a ser forjada uma coligação integrada pelos Estados Unidos, França, Reino Unido e Arábia Saudita, com o objectivo de reacção ao ataque químico de sábado. Esta terça-feira, Trump, Emmanuel Macron, presidente da França, e Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido, discutiram ao telefone que tipo de decisão tomar nos próximos dias.
Uma linha vermelha várias vezes ultrapassada
No Verão de 2013, o regime de Damasco efectuou diversos bombardeamentos que as organizações activistas na região e a própria ONU consideraram terem sido realizados com recurso a agentes químicos (gás sarin). O então presidente americano Barack Obama avisou Assad de que prosseguir com este tipo de acções representaria o ultrapassar de uma linha vermelha.
Contudo, mesmo depois de ultrapassada essa linha, os Estados Unidos acabaram por não intervir directamente no conflito, optando por continuar a apoiar financeira e militarmente os rebeldes sírios considerados moderados, estratégia muito criticada por elementos do Pentágono e do partido Republicano, já que muitas dessas armas acabaram nas mãos de grupos terroristas com presença no país, como foi o caso do Estado Islâmico e da filial síria da al-Qaeda.
Apesar de defender o afastamento de Assad, Obama acabou por acordar com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, o desmantelamento, com observância da ONU, do arsenal químico da Síria. O que, afinal de contas, não terá sido concretizado com êxito, uma vez que, desde então, se têm repetido bombardeamentos em solo sírio com recurso a armamento químico.