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Agam Berger: a refém israelita que fazia tranças às companheiras sai hoje de Gaza

O cabelo impecavelmente entrançado de mulheres que viveram meses a fio em túneis estreitos, e a comer apenas pão e arroz (quando havia), é um símbolo de resiliência destas reféns.

Alegria em Tel-Aviv, na Praça dos Reféns, quando no dia 25 de janeiro, ao fim de 476 dias, foram libertadas mais quatro reféns. EPA/Lusa
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Quando, a 6 de outubro de 2023, Agam Berger adormeceu, nada fazia prever que o dia seguinte seria muito diferente – e que ficaria para sempre marcado na história de Israel. A jovem de 19 anos, observadora das Forças de Defesa de Israel (IDF), ainda dormia quando militantes do Hamas atacaram a base de Nahal Oz, onde se encontrava, e que ficava perto da fronteira com a Faixa de Gaza. Não deu grande tempo para reagir e Agam foi brutalmente raptada, juntamente com quatro companheiras. As restantes foram mortas.

Apesar de Agam ser militar, as suas funções não previam que andasse armada. No fim de contas, era uma soldado de vigilância, atenta às movimentações vindas de Gaza. Também era suposto a base ser suficientemente segura para impedir qualquer intrusão inimiga. Mas não foi o que aconteceu. Todos foram apanhados de surpresa.

Agam não sabia – e ainda não deve saber – que fazia parte de um grupo que ascendeu a 251 reféns, vivos e mortos, levados para Gaza nesse dia. Ainda de pijama, foi mais tarde fotografada pelo Hamas, ensanguentada e com medo no olhar, ao lado das companheiras. Mais de um mês e meio depois, em finais de novembro, no âmbito de um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, que durou poucos dias, foram libertados 105 reféns vivos, na grande maioria mulheres, jovens e crianças.

As primeiras tranças

Logo nessa altura, o facto de algumas reféns libertadas terem surgido com tranças, impecavelmente enlaçadas, chamou a atenção de muitas pessoas – mas pensou-se que seria um trabalho conjunto, entre as mulheres, como sinal de superação e dignidade. Sabe-se agora que foram fruto do trabalho dedicado de Agam Berger. E hoje, o dia em que deverá ser também ela devolvida à liberdade e à sua família, as tranças que fez às outras reféns "tornaram-se um símbolo de força silenciosa e resiliência", como diz o The Times of Israel.

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O atual acordo de cessar-fogo, em vigor desde o passado 19 de janeiro, prevê uma primeira fase de seis semanas em que serão libertados 33 reféns – sabe-se há poucos dias que, desses, oito estão mortos. Logo no dia 19, um domingo, foram libertadas três reféns civis: Emily Damari, de 28 anos e com dupla nacionalidade (israelita e britânica), Romi Gonen, de 24 anos, e Doron Steinbrecher, de 31. Todas elas surgiram com o cabelo perfeitamente entrançado.

Por entre a magreza, a palidez e muitos problemas de saúde (além disso, Emily perdeu dois dedos de uma mão), as tranças deram-lhes o brilho de que precisavam, tal como às que as antecederam, quando foram libertadas em novembro de 2023. Os testemunhos começaram, então, a ganhar mais força: algumas mulheres regressadas do cativeiro falavam de uma jovem que lhes fazia tranças, nos túneis, antes de serem libertadas, perguntando-lhes que tipo de tranças desejavam – fazendo com que os seus cabelos se tornassem um símbolo de força num mundo onde quase tudo lhes tinha sido retirado. Agora já se sabe: essa jovem era Agam Berger.

No passado sábado, 25 de janeiro, foram libertadas mais quatro mulheres, todas elas militares: Daniella Gilboa (20 anos), Karina Ariev (20 anos), Liri Albag (19 anos) e Naama Levy (20 anos). Eram as restantes companheiras de Agam Berger – que permaneceu em Gaza. Israel não gostou do rumo que as coisas estavam a tomar, já que tinha exigido que o Hamas libertasse primeiro todas as mulheres civis. E faltava uma: Arbel Yehud, de 29 anos, raptada juntamente com o namorado do kibutz (comunidade agrícola) de Nir Oz.

Mais libertações em curso

O governo de Benjamin Netanyahu fez finca-pé e disse ao Hamas que não abriria o Corredor de Netzarim – que separa o norte e o sul de Gaza – enquanto Arbel não fosse libertada.

Depois de alguma negociação, as coisas evoluíram: esta quinta-feira, 30 de janeiro, o Hamas vai libertar Arbel (e já deu uma prova de vida da refém, através de um vídeo). E com ela sairão de Gaza mais dois israelitas: a jovem Agam Berger e o refém mais idoso: Gadi Moses, que tem 80 anos. Está ainda previsto serem libertados neste dia cinco tailandeses (foram raptados oito, dos campos agrícolas, e sabe-se que apenas seis estão vivos).

No próximo sábado, 1 de fevereiro, está previsto serem libertados mais reféns, mas a lista com os nomes ainda não foi entregue pelo Hamas a Israel.

Arbel Yehud não foi libertada na semana passada devido a duas questões: é uma refém da Jihad Islâmica Palestiniana (JIP), que também participou nos ataques de 7 de outubro de 2023, pelo que o Hamas não sabe onde tem sido mantida em cativeiro; e a JIP insistia em tratá-la como militar nos termos de troca – algo que não era verdade e que já foi por fim definido.

Não era por acaso que a queriam tratar como soldado: é que por cada civil libertado de Gaza, Israel liberta 30 prisioneiros palestinianos, e por cada militar liberta 50. Assim, quando as três primeiras jovens saíram em liberdade a 19 de janeiro, Israel libertou 90 prisioneiros, e na semana passada libertou mais 200 em troca das quatro militares.

Agora, a "rapariga das tranças" também vai ver a luz do dia e abraçar a sua família. Não se sabe se irá receber do Hamas – que o fez com as sete jovens libertadas desde dia 19 – um "certificado de cativeiro", que consiste em "recordações", com fotos durante o seu tempo de clausura.

Uma multidão de israelitas tem-se reunido na chamada Praça dos Reféns, em Tel-Aviv, para assistir à libertação das reféns e à sua reunião com as famílias, e esta quinta-feira não deverá ser diferente.

Atendendo a que se diz que Arbel é a última refém civil viva, resta pouca esperança para Shiri Bibas e os dois filhos bebés – as imagens do momento do rapto, da mãe com os meninos ruivos ao colo, correram mundo, e desde então que se espera pelo seu regresso.  Mas crescem os receios de que tenham morrido, tal como o Hamas contou a Yarden, marido de Shiri e pai de Kfir e Ariel (que tinham, então, 9 meses e quatro anos, respetivamente), em novembro de 2023. Dado não haver provas de que estivessem mortos, durante muito tempo houve a esperança de que fosse apenas "desinformação" e "maldade" do Hamas, mas agora tudo parece indicar que tenha sido mesmo esse o seu destino.

Como tudo começou

7 de outubro de 2023, 6:30 da manhã em Israel. O sol começava a nascer e parecia mais um dia normal naquele lado do mundo. Subitamente, tudo mudou. O Hamas e outros grupos armados palestinianos lançavam o maior ataque de sempre contra os israelitas, tendo como alvo localidades, bases militares e kibutz próximos da Faixa de Gaza, bem como um festival de música que ali decorria muito perto. O resultado foi arrasador e hoje, quase 16 meses depois, há muitas mortes a lamentar de ambos os lados.

O ataque deu-se por ar, terra e mar. Dos céus caíram muitos mísseis, do mar chegaram dezenas de embarcações – com os grupos armados a matarem quem estava na praia, a pescar ou a acampar, e a seguirem para postos militares israelitas, onde conseguiram gorar as tentativas de Israel de chegar cedo em socorro dos seus cidadãos. Por terra, centenas de militantes do Hamas deixaram um rasto de destruição. Para trás ficaram 1.205 mortos, na sua maioria civis, e em Gaza entraram 251 reféns, alguns deles já mortos.

Tel-Aviv não demorou a reagir e iniciou, ainda nesse mesmo mês de outubro, uma ofensiva militar em Gaza com a intenção de erradicar o Hamas. Em finais de novembro ainda foi possível delinear um acordo de cessar-fogo, com a libertação de 105 reféns em troca de centenas de detidos palestinianos que estavam em prisões israelitas, mas rapidamente foram retomadas as incursões israelitas em Gaza.

Ao longo de todo este tempo que entretanto decorreu, por entre execuções do reféns pelo Hamas, libertação de outros pelas forças de segurança israelitas e recuperação de corpos, regressaram a Israel 117 reféns vivos (e os restos mortais de mais de uma dezena). Em Gaza, segundo os números das autoridades de saúde da região, terão morrido mais de 46.600 palestinianos – na maioria civis – nos ataques por terra e ar de Israel.

Um novo cessar-fogo

No início deste ano, com 97 reféns – vivos e mortos – ainda por recuperar, Israel e o Hamas conseguiram acordar um cessar-fogo, composto por três fases, com a ajuda das ameaças de Donald Trump, que disse que quando tomasse posse como novo presidente dos EUA, a 20 de janeiro, queria ver a situação dos reféns resolvida. E foi o que aconteceu: a 15 de janeiro o acordo era confirmado, tendo entrado em vigor no dia 19.

Este acordo de cessar-fogo divide-se em três fases. Na primeira, ainda a decorrer (dura 42 dias), as forças israelitas saem das zonas habitadas em Gaza e o Hamas liberta 33 reféns (a começar por mulheres, crianças e idosos, com prioridade aos civis). Em troca, Tel-Aviv libertará centenas de prisioneiros palestinianos e a população de Gaza poderá regressar a todas as zonas da Faixa. Na segunda fase são libertados os restantes reféns e o cessar-fogo torna-se permanente. Já na terceira fase são devolvidos os corpos dos reféns mortos e dá-se início ao plano de reconstrução de Gaza.

Apesar de ser um acordo frágil, que a qualquer momento pode desmoronar, por enquanto tem estado a ser cumprido. Hoje três reféns israelitas e cinco tailandeses (há mais cinco estrangeiros, raptados nesse dia pelo Hamas) regressam, 481 dias depois, às suas casas – incluindo a "rapariga das tranças", que adora tocar violino.

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