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Afinal qual foi o motivo para os EUA bombardearem o Afeganistão?

A retórica oficial da Casa Branca é que os Estados Unidos "levam muito a sério a luta contra o EI". Mas além do reforço da presença do Daesh no Afeganistão, a verdade é que ao longo dos últimos meses a Rússia e o Irão têm vindo a intensificar acções no país, apoiando talibãs e enfraquecendo as autoridades governamentais, apoiadas pelo ocidente.

13 de Abril de 2017 às 21:28
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O lançamento da mais poderosa bomba não nuclear, realizado esta quinta-feira, 13 de Abril, pelo exército norte-americano, no nordeste do Afeganistão, apanhou a comunidade internacional de surpresa, em especial porque se acreditava que os Estados Unidos estavam, nesta altura, com os olhos postos na Síria e na península coreana.

 

Porém, esta manobra militar não é assim tão surpreendente se forem tidos em conta os mais recentes desenvolvimentos verificados no Afeganistão, bem como a garantia dada por Donald Trump, presidente americano, de que a nova Administração teria como prioridade derrotar o terrorismo islâmico, designadamente o autodenominado Estado Islâmico (EI).

 

Isso mesmo ficou claro com a explicação dada pelo porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, escassos minutos da confirmação do lançamento da bomba MOAB/GBU-43 (Massive Ordnance Air Blast) na região de Achin, província de Nangarhar, o principal centro de actividade do Daesh no país. Onde um soldado das forças especiais americanas foi morto no passado sábado, revela a CNN.

"Os Estados Unidos levam a luta contra o ISIS [EI] muito a sério e para derrotar essa organização temos de lhes negar margem operacional", disse Spicer aos jornalistas explicando ainda que com a utilização, pela primeira vez, da também conhecida como "mãe de todas as bombas" se pretendia atingir os túneis e caves utilizados pelo Daesh, bem como operacionais desta organização terrorista sunita. 


Spicer garantiu ter sido feito tudo para evitar baixas civis, mas não detalhou sobre o grau de sucesso da operação nem quis falar sobre eventuais danos colaterais. A informação é que o Pentágono está a avaliar.

Por outro lado, Trump está também a atestar que os EUA estão prontos a subir a parada em termos militares. E com isso endurece a posição face à Coreia do Norte e ao conflito sírio.

 

A entrada em cena de aliados improváveis

 

Se os últimos anos da política externa americana relativamente ao Afeganistão foram já marcados por alguma indefinição, esta não só se manteve como ter-se-á agravado com a chegada ao poder de Trump. Realidade alegadamente aproveitada pela Rússia e pelos dois mais poderosos vizinhos do Afeganistão, o xiita Irão e o Paquistão.


A saída do Afeganistão de tropas internacionais feita entre 2011 e 2014 criou um vácuo securitário num país instável e tudo piorou durante a aguerrida corrida eleitoral das presidenciais de 2014. A fractura política intensificou-se nesta presidência de Ashraf Ghani (sucessor de Hamid Karzai), com a estrutura governamental dividida e incapaz de prosseguir as necessárias reformas, o que levou ao aumento do descontentamento popular face a Cabul.

 

Este cenário de ausência de poder contribuiu para o recrudescimento dos talibãs e de outras organizações fundamentalistas como a al-Qaeda ou o próprio Daesh que, perante as perdas territoriais na Síria e no Iraque tem paulatinamente avançado solo líbio e afegão. Grupos com interesses contraditórios e que se combatem mutuamente, talibãs e Daesh poderão aliar-se para atingir o interesse comum de afastar do país os EUA. Na mais recente análise à situação no país, o Instituto para o Estudo da Guerra notava que no norte afegão o EI tem recrutado talibãs e elementos de outros grupos fundamentalistas para reforçar a sua influência na região.

 

Há mais aliados improváveis. A Rússia – cujo principal aliado na região é o Irão – e o Irão inverteram posições. Depois de terem apoiado a invasão americana do Afeganistão, em 2001, valorizando o objectivo de retirar o controlo do país aos talibãs, um movimento nacionalista e fundamentalista islâmico proveniente do sunismo, Moscovo e Teerão aparecem agora surgem como aliados inesperados dos talibãs.

Porquê? Reduzir a influência americana no país, uma vez que é ainda Washington o principal sustentáculo das autoridades de Cabul. O que não é novo, porque Rússia e Irão há muito clamam pela saída definitiva dos EUA do Afeganistão. Além de que a Rússia sempre encarou o país como parte da sua tradicional esfera de influência. Moscovo e Teerão rejeitam qualquer apoio às forças talibãs, mas as autoridades afegãs, assim como fontes oficiais americanas, dizem o contrário.  

 

Coincidência ou não, para esta sexta-feira está agendada uma ronda de conversações, no Afeganistão, com diplomatas da Rússia, Irão, Paquistão e China, não se sabendo se os Estados Unidos estarão representados no encontro.

 

De acordo com uma notícia avançada esta semana pelo Washington Post, que citava altos oficiais das forças americanas ainda estacionadas no Afeganistão, Moscovo "começou a legitimar publicamente os talibãs", o que acontece em consonância com o objectivo da Rússia e do Irão de "minar os Estados Unidos e a NATO".

 

A retirada das tropas americanas anunciada por Barack Obama era faseada e, em território afegão, permanecem cerca de 9 mil efectivos, a maioria no âmbito da missão enquadrada pela NATO de treino às forças militares afegãs. Ainda esta quarta-feira, Trump afirmava, depois de uma reunião com o secretário-geral da NATO, que a aliança atlântica "já não é obsoleta". A esta mudança de opinião de Trump não será alheio o facto de a NATO estar no Afeganistão há mais de 10 anos. 

O futuro do Afeganistão joga-se na capacidade de EUA, Rússia e Irão aproximarem posições, sabendo-se que Donald Trump é crítico da aproximação a Teerão promovida pela administração Obama. Mas joga-se também na Síria, o mais recente palco de confrontação indirecta entre Washington e Moscovo. Porque tal como na Síria, ou no Iémen, também no Afeganistão estão em causa conflitos de interesses que vão da geopolítica aos jogos de poder étnico-religiosos.   

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