Após dois meses de consulta pública, os dez peritos que integraram a comissão para a reforma do IRS entregaram o projecto final ao Governo. Entre as alterações em relação à proposta original, a maioria das quais de detalhe técnico, há uma com conteúdo mais político que avulta: o reforço da recomendação para que se comece desde já a baixar a sobretaxa de IRS bem como a taxa de solidariedade, para os rendimentos mais altos.

As matérias relacionadas com as taxas e os escalões de IRS estiveram genericamente fora do trabalho encomendado pelo Governo para a reforma do imposto. Contudo, os peritos resolveram abordar a questão a titulo de recomendações, tanto no anteprojecto de reforma como agora na versão final.

Diz a equipa liderada por Rui Morais (na foto) que o Governo deve iniciar desde já uma descida programada quer da sobretaxa extraordinária de IRS (que incide sobre a generalidade dos contribuintes com colecta), quer da taxa de solidariedade (que onera quem está no último escalão e tem mais de 80 mil euros de rendimento colectável). E que, depois disso, deve também olhar para os escalões e as taxas de IRS propriamente ditos.

No projecto final tornado público esta quarta-feira, carregam mais na mensagem: "No plano factual não pode deixar de se notar que durante o período de consulta pública sucederam um conjunto de eventos que demonstram que não seria irrealista a linha preconizada nesta recomendação", dizem agora os peritos. 

E que elementos são esses? Desde logo, a reforma da fiscalidade verde gerará um excedente, que pode ser canalizado para a redução das taxas no IRS. Depois, o Eurogrupo vem recomendando que se baixe a carga fiscal sobre o factor trabalho. Por fim, a evolução da receita de IRS, que dá conta de um crescimento de 7,7% na receita face a 2013, aponta também para a existência de margem para que as taxas de IRS também desçam.

Sobretaxa: Governo a duas vozes

O reforço da mensagem da comissão de peritos surge numa altura em que ainda não se sabe se a sobretaxa de IRS desce em 2015. O CDS tem apontado nesse sentido, mas do lado da ministra das Finanças e do próprio primeiro-ministro, as posições têm sido recuadas.

As declarações de Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) e de Maria Luís Albuquerque em Julho, quando o anteprojecto foi apresentado, são sintomáticas. Enquanto o dirigente centrista garantia que 2015 seria já o ano de "início de um desagravamento gradual e sustentado", a Ministra das Finanças dizia que era preciso esperar para ver a margem orçamental.

Fiscalidade verde não paga sobretaxa

Uma coisa será, contudo, certa: a receita da fiscalidade verde, que a comissão de IRS diz que pode ser encaminhada para a redução da sobretaxa, não terá este fim.

A posição foi tornada clara pelo primeiro-ministro no debate quinzenal na sexta-feira passada ao afirmar que "não utilizaremos nenhuma medida na área fiscal que tenha um efeito permanente, para substituir medidas de natureza extraordinária.

Ou seja, aquilo que sobrar da "reforma verde", que terá uma receita fiscal estimada de 160 milhões de euros, será canalizada para alterações estruturais e permanentes no imposto. 

A proposta final contempla ainda algumas alterações, essencialmente de recorte técnico, suscitadas pelos contributos recolhidos ao longo dos cerca de dois meses de consulta pública.