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Seis observações em torno de uma reforma

Esta é uma proposta inoportuna do ponto de vista económico, social e político, sustenta o especialista, que recorda que os impostos não são uma questão estritamente técnica, mas também um poderoso instrumento de coesão social ou de confronto e divisão.

20 de Agosto de 2013 às 00:01
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Felicito o Jornal de Negócios pela iniciativa de promover um debate alargado sobre o projecto de revisão do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), permitindo que sobre o tema se pronunciem mesmo aqueles que, como eu, discordam da sua oportunidade ou exequibilidade, por crerem que é uma solução que desvia as atenções das verdadeiras questões económicas e sociais deste tempo de emergência, criando, simultaneamente, expectativas falsas, numa espécie de leilão de ilusões. 

 
 

Durante o mês de Agosto o Negócios associa-se à consulta pública sobre a reforma do IRC convidando juristas, economistas, empresários e académicos a discutirem as suas características e a sua oportunidade. Hoje contamos com o professor Eduardo Paz Ferreira. Consulte todas as análises já publicadas.

Louvo, naturalmente, a tentativa de implementar medidas para fomentar o investimento, porque, de há muito, venho defendendo que é através dele – e não da sua supressão – que se pode sair da recessão; respeito, obviamente, o esforço dos técnicos; finalmente, felicito os que se prestaram a enriquecer o projecto com as suas sugestões neste jornal.

Mas, chegado aqui, passo a expor seis pontos que me levam a considerar que a reforma não deve avançar ou, pelo menos, não deve avançar isoladamente.

O primeiro, foi já brilhantemente adiantado por Silva Lopes: o projecto tem um custo: logo em 2014, serão 300 milhões, valor que será necessariamente compensado através da penalização de outros sectores da sociedade. Como prevê aquele insigne economista, essa perda de receita fiscal será compensada por cortes nos apoios sociais e salários no Estado. E registe-se que quando essas declarações foram feitas, não tinha ainda sido anunciado o corte de 350 milhões no Ministério da Educação…

O segundo foi, também, já explicitado por Pedro Santos Guerreiro, com a sua habitual argúcia, e traduz-se no facto de, até por razões políticas, não ser possível mexer nos impostos sobre os lucros sem fazer o mesmo nos impostos sobre o trabalho.

O terceiro resulta do sistema fiscal no seu conjunto – e apesar do esforço de modernização dos finais da década de oitenta – comportar todo um conjunto de constrangimentos e ilogismos, estranguladores e paralisadores do investimento, que se foram agravando através de sucessivas alterações, introduzidas ao longo de anos. A adopção de muitas das medidas sugeridas no excelente Relatório de Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal, da autoria de António Carlos Santos e António Martins, de 2009, a par de outras, cuja não adopção só pode resultar de uma visão autocrática do poder e da recusa e admissão do erro como conatural à acção humana - como a redução do IVA da restauração –, poderiam, muito provavelmente, fazer bastante mais pelo aumento do investimento, do que o projecto que agora é apresentado.

Tudo isto nos reconduz ao quarto ponto que desaconselha a adopção deste tipo de medidas desgarradamente. O sistema fiscal constitui, como todos sabemos, o modo como as sociedades estão dispostas a organizar a sua contribuição para a cobertura das necessidades públicas, constituindo, por isso mesmo, um poderoso instrumento de coesão social ou de confronto e divisão.

Os impostos são também uma questão técnica, mas não são apenas nem principalmente uma questão técnica. Eles constituem a expressão de um dever e de um direito de cidadania que não pode ser confiscado.

Toda a agitação em torno da revisão do IRC prende-se, como é por demais sabido, com a ideia – repito louvável – de estimular o investimento. Por isso, a quinta questão que gostaria de ter visto equacionada prende-se justamente com saber em que medida é que o investimento tem sido travado pela taxas do IRC ou, mais globalmente, qual o peso da componente fiscal na decisão de investir? Como comparar com a existência de um clima de paz social e estabilidade política? Quanto vale em relação à existência de um bom sistema de saúde e de segurança social? E em relação à existência de mão-de-obra qualificada?

Não seriam estudos a fazer? Os desapontantes resultados das "race to the bottom" em matéria fiscal não devem ser ponderados?

Mas, porventura, a questão mais importante a colocar quanto a este projecto é a da sua exequibilidade no quadro da regulação europeia nesta matéria, o que pode, evidentemente, ser um problema complexo. Sobretudo, a razoabilidade de uma união económica e monetária que, por um lado, avança em termos que comprimem totalmente o espaço de soberania financeira dos Estados membros e, por outro, permite que os Estados utilizem armas fiscais uns contra os outros.

É verdade que até agora a matéria tem sido essencialmente objecto de "soft law". Mas não terá chegado a hora de, entre as grandes reformas que temos de introduzir na agenda europeia, figurarem regras fiscais que impeçam que a Holanda crie um sistema que leve a EDP a ser lá tributada, em vez de nos permitir procurarmos que a Philips venha para Portugal? Parece-me que nesse campeonato de espertos estamos sempre condenados a perder. Ou não?

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