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Governo aproveita a folga e deixa-se encostar à esquerda

Crescimento económico e poupanças com juros permitem a António Costa satisfazer BE e PCP mais exigentes, mas não tal chega para travar a contestação dos sindicatos.

Miguel Baltazar
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Impostos, pensões, carreiras de funcionários públicos. As cedências do Governo ao BE, PCP e sindicatos são transversais a quase todas as áreas das contas públicas. A aproximação não se explica por um surto de boa vontade, mas com uma série de factores, que vão de uma folga providenciada por um crescimento que está a bater todas as expectativas até uma maior exigência da esquerda num contexto pós-autárquicas. 

O alívio no IRS foi duplicado, de 200 para 400 milhões de euros, estendendo-se ao terceiro escalão. As carreiras da Função Pública afinal vão ser descongeladas em dois anos e não nos quatro inicialmente previstos. As pensões terão um aumento extraordinário igual ao deste ano. Ao mesmo tempo, há cedências aos enfermeiros e integração de 3.500 professores nos quadros. No total, as cedências já conhecidas do Governo podem custar perto de 500 milhões de euros.

Em orçamentos anteriores, as negociações também foram duras, mas este ano parecem envolver uma maior aproximação às exigências da esquerda. O contexto é radicalmente diferente. Há um ano, ninguém esperava que a economia estivesse a crescer perto de 3%. Uma dinâmica que cria uma folga significativa nas contas públicas, que deverá ultrapassar os mil milhões de euros. Além disso, PCP e BE não desejam ver repetido o filme do ano passado. Seis meses depois de terem aprovado o orçamento, a esquerda viu ser anunciado o "défice mais baixo da democracia", 0,5 pontos abaixo do objectivo acordado com Bruxelas. Para 2018, os partidos querem garantir que não ficam folgas por usar.

Acresce a essa desconfiança uma maior tensão nascida do resultado das eleições autárquicas, depois de o PCP ter perdido nove câmaras para o PS. O Governo tem todo o interesse em evitar qualquer descontentamento adicional com a actual solução governativa.

Esta flexibilidade só é possível porque as contas do próximo ano beneficiam de uma folga criada pelo vento favorável do crescimento, a que se junta uma queda significativa dos gastos com os juros da dívida e um novo aumento dos dividendos pagos pelo Banco de Portugal. 

O maior contributo vem do crescimento. Segundo cálculos do Negócios, cruzando os dados mais recentes do Conselho das Finanças Públicas e as projecções do OE 2018, a receita fiscal deverá aumentar pelo menos mais mil milhões de euros face à previsão do Programa de Estabilidade (PE).

À ajuda da economia junta-se a descida da despesa com juros prevista pelo Governo: 3,9% do PIB em 2017 para 3,7% do PIB em 2018. Estes valores comparam com os 4,2% e 4%, inscritos no PE. Ou seja, face a Abril, o Governo "ganhou" uma folga de 500 milhões de euros nesta rubrica.

Por último, o banco central voltará a dar uma ajuda relevante. O Governo estima um encaixe com dividendos do Banco de Portugal de 500 milhões de euros em 2018. Ou seja 150 milhões acima do valor entregue este ano. O valor pode ainda ser maior: segundo um estudo de quatro economistas do "think-tank" IPP, o aumento de receita por esta via em poderia chegar aos 470 milhões de euros, já contando com a receita de IRC, o que daria ao ogverno uma folga de quase 500 milhões de euros. Em 2017, a receita de IRC ascendeu a 175 milhões de euros.

Este encostar à esquerda não parece, pelo menos para já, estar a acalmar a contestação dos sindicatos. Ontem, a Fenprof entregou um pré-aviso de mês e meio de greve às actividades não lectivas; e a Frente Comum anunciou que as alterações ao descongelamento das carreiras são insuficientes e que a greve de 27 de Outubro se mantém.

O dia acabaria com uma manifestação de milhares de polícias  em frente ao Ministério das Finanças. Pressão na recta final do OE ou uma pista sobre como será 2018?


Correcção: Notícia corrigida para dar conta que o estudo do IPP considera que o Programa de Estabilidade não previa um acréscimo de receita de dívidendos e IRC, mas sim uma estabilização. Os quatro economistas assumiam ser possível um aumento de 470 milhões dependendo da política de provisões do banco central. Na versão inicial do texto escrevia-se, por lapso, que o estudo assumia que não havia qualquer receita inscrita no PE e seria possível encaixar 470 milhões de euros em 2018. Desculpas aos leitores e aos visados. As diferenças não mudam as conclusões do texto.    

  
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