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Maior défice? Terceira maior dívida? Banca continua a condicionar contas públicas

Os últimos dados do Eurostat dão uma imagem menos positiva das contas públicas de Portugal face aos parceiros. Mas os números escondem o impacto da banca que continua a ser o 'fado' português.

27 de Outubro de 2018 às 10:00
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As finanças públicas portuguesas estiveram esta semana por diversas vezes em comparação com os pares europeus. Entre o défice orçamental e a dívida pública, seja de 2017 ou do segundo trimestre deste ano. Os números foram divulgados pelo Eurostat nos últimos dias. Uma primeira leitura parece indicar que, afinal, as contas públicas não estão a melhorar assim tanto.

Ora vejamos: Portugal fechou 2017 com o segundo maior défice e a terceira dívida pública mais elevada da União Europeia. No segundo trimestre deste ano, a dívida pública continuou a ser a terceira maior, mas o défice passou a ser mais elevado. 

Contudo, a realidade é mais complexa do que isso. Primeiro, porque os países em comparação também estão em processo de ajustamento ou em momentos mais favoráveis do que o de Portugal que saiu há quatro anos do programa de ajustamento. 

Segundo, porque mesmo dez anos depois do início da crise as contas públicas portuguesas continuam ensombradas pelas ajudas à banca. Em 2017 foi a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos a levar o défice para os 3%, por decisão do Eurostat, contrariada pelo Governo. Em 2018 e 2019, é a vez do Novo Banco de agravar o défice orçamental, impedindo-o de chegar ao pleno equilíbrio. Vamos por partes.

Défice do segundo trimestre sem banca é o quarto maior
Caso se excluísse o impacto de 1,8 pontos percentuais do Novo Banco no saldo orçamental do segundo trimestre, o défice passaria de 2,9% para 1,1%. Nesse caso, Portugal teria o quarto maior défice da União Europeia, isto se não houver outro país onde ajudas à banca estejam a pesar nas contas públicas. 

Acresce que os números do Eurostat para já não incluem os dados de países com défices maiores do que o de Portugal, como é o caso de Espanha ou Itália. E que o efeito do Novo Banco, em termos percentuais, vai diminuir ao longo que o ano passa uma vez que se dilui por vários trimestres. Em termos anuais, o impacto estimado pelo Governo em 2018 é de 0,4 pontos percentuais. 

Na execução orçamental, também divulgada esta semana, o impacto do Novo Banco ainda não se materializou, em contabilidade pública, nas contas públicas. Excluindo esse efeito, até Setembro, o saldo orçamental foi positivo: registou um excedente de 1.338 milhões de euros. Ainda que este valor não seja totalmente comparável - uma vez que não tem o pagamentos dos subsídios de Natal que este ano é feito integralmente em Novembro - este número confirma a trajectória de melhoria do saldo. 

Além disso, não é só Portugal que está a melhorar as contas públicas. A maior parte dos Estados-membros estão também neste processo de ajustamento orçamental. Mesmo com um défice de 0,2% (também este valor com 0,2 pontos percentuais de impacto do Novo Banco) em 2019, apenas cinco países - Espanha, França, Bélgica, Letónia e Itália - terão um saldo orçamental anual pior do que o de Portugal. Tal acontece porque a maior parte dos países da Zona Euro já têm um excedente orçamental. 

Isso é visível também nos números trimestrais. No segundo trimestre deste ano, o défice orçamental do conjunto da Zona Euro atingiu um mínimo histórico de 0,1%. Este é o valor mais baixo de pelo menos desde 2002, o primeiro ano para o qual há dados comparáveis. 

Dívida pública continuará a ser a terceira maior durante os próximos anos

No tema do endividamento público há uma inevitabilidade que é transversal às previsões do Governo e às das instituições internacionais: mesmo com fortes reduções, o rácio da dívida pública no PIB de Portugal continuará a ser um dos mais elevados do mundo e o terceiro maior rácio da União Europeia. No topo está a Grécia e a Itália. 

Apesar de ser um dos países que mais reduz o peso da dívida pública, Portugal continua a ser o terceiro Estado-membro mais endividado com um rácio de 124,9% do PIB, apenas superado pela Grécia com 179,7% e pela Itália com 133,1%. O país mais próximo de Portugal é a Bélgica cujo rácio é de 103,1%. Ou seja, mesmo assim, está a mais de 20 pontos percentuais de distância. 

Pelas contas do Governo só em 2022 é que o rácio da dívida pública estará perto dos 100%. O Fundo Monetário Internacional, por exemplo, só vê isso a acontecer em 2023 ou até mais tarde. 

Mas os países europeus também estão a reduzir a sua dívida na tentativa de cumprirem uma das regras de ouro das finanças públicas da União Europeia: limitar o endividamento público aos 60% do PIB.

Em suma, Portugal pode estar no pódio dos que mais reduz o peso da dívida pública na economia - no segundo trimestre foi o quarto que mais reduziu, em termos homólogos -, mas o seu ponto de partida é demasiado elevado para que num futuro próximo consiga equiparar-se aos pares europeus. 

As propostas do Orçamento do Estado para 2019 dos Estados-membros mostram isso mesmo. A comparação entre as várias propostas mostra que, apesar da redução dos últimos dois anos, o rácio da dívida pública de Portugal continuará a ser o terceiro maior da Zona Euro, atrás da Grécia e da Itália.


Números de 2017 também foram condicionados pela banca

Recuemos um ano. O Estado decidiu injectar dinheiro na Caixa Geral de Depósitos para recapitalizar o banco público e o Ministério das Finanças abriu uma guerra com o Eurostat sobre a contabilização desse impacto no défice.

Perdeu-a e a CGD acabou por fazer aumentar o défice público de 2017 para 3%, levando-o a ser o segundo maior défice da União Europeia, apenas superado por Espanha. Retirado esse efeito, o défice de Portugal seria de 0,9%, abaixo da média da União Europeia e da Zona Euro de 1%.

O impacto da Caixa notou-se também no endividamento público. No entanto, como a economia cresceu ao maior ritmo dos últimos 17 anos, o rácio acabou por cair 4,4 pontos percentuais - a maior queda das últimas duas décadas.

Uma queda superior à registada pela média europeia. Na União Europeia, a média dos rácios da dívida pública desceu de 83,3% para os 81,6%, uma redução de 1,7 pontos percentuais (p.p.). No caso dos 19 países da Zona Euro, a queda foi mais significativa (-2,3 p.p.) de 89,1% para 86,8%. 

A maior queda do rácio da dívida pública foi registada pelo Chipre (-9,4 p.p.), passando de 105,5% para os 96,1%. Esta foi de longe a maior redução, para a qual contribuiu de forma determinante o excedente orçamental de 1,8% em 2017. 

Seguiram-se Malta (-5,4 p.p.), Holanda (-4,9 p.p.), a Áustria (-4,7 p.p.) e a Eslovénia (-4,6 p.p.) e só depois destes países é que surgia Portugal.
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