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Britânicos descobriram que vivem num país racista
Faltam dois dias para o referendo. Mas num dos locais mais turísticos de Londres, junto ao parlamento, ninguém diria.
As lágrimas caíram. Ao ler as mensagens deixadas num improvisado memorial a Jo Cox, deputado do Labour que na semana passada foi assassinada, e tantas flores, Moira Murray não se conteve. Poucos conheciam Jo Cox, mas a sua vida acabou revelada pelos acontecimentos. Dedicava-se a causas sociais e defendia quem estava em posições mais desfavorecidas. Era deputada do partido trabalhista e morreu às mãos de um extremista.
Moira Murray volta a emocionar-se. E lamenta o discurso extremado, de quem apela à saída do Reino unido da União Europeia. "Encorajam o racismo e esta terrível violência". O memorial, em frente ao Parlamento britânico, é agora mais um registo para os turistas de máquina em punho.
Andrew acredita que este acontecimento não terá reflexo no resultado do referendo. Mas aponta o dedo ao que alguns britânicos se tornaram. Diz ser socialista de coração, mas não o socialista que ensinam na escola, do Lenine e Estaline. Assume que não sabia muito da deputada, mas agora gostaria de ter mais políticos como Cox. "É triste acontecer isto a quem faz o que é correcto". Aproveita para os atacar. "Os políticos não se preocupam em dizer a verdade, mas a construir uma narrativa".
E ambos os lados das campanhas não têm dito, acredita, toda a verdade. Atira em particular a Nigel Farage, lider do UKIP, e a Michael Gove. Já em relação a Boris Johnson, as comparações são feitas com Trump.
Moira faz o mesmo paralelismo: já imaginou o Reino Unido ter como primeiro-ministro Boris Johnson e os EUA como presidente Trump?, pergunta horrorizada. "É um oportunista. Quer chegar ao poder. E finge ser uma pessoa simpática. Mas não é. É uma pessoa cheia de esquemas que quer ganhar poder". Aponta para os arranha-céus do outro lado do Rio Tamisa, para dizer que foram autorizados por Johnson quando era presidente da câmara de Londres. "E estão vazios..." e os jovens têm de pagar rendas altíssimas pelas casas, atira. Num desses prédios, do outro lado do rio, está registada a sede do Vote Leave, a campanha autorizada de Boris Johnson. Mas quem por lá passa, não diz que ali reside o coração da campanha.
Nem uma bandeira, nem um cartaz
Aliás, por Londres, pouco se vai notando que dentro de dois dias há um referendo, que pode mudar a face do Reino unido. Andrew diz que é normal. Acredita que os britânicos, apesar de lerem muito, estão mal informados. Não se discutem os assuntos devidamente, diz. Para Moira, o debate centrou-se demasiado nos emigrantes e no racismo. Andrew lamenta ter descoberto um país tão racista. E, por isso, até vai admitindo que se o extremismo vencer... saia à rua a reclamar. Moira nem quer pensar nesse cenário. "I hope we stay", diz depois de confessar ter visitado Lisboa e ter gostado muito.
*Enviada especial do Negócios a Londres