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Sánchez ganha mas tem de aliar-se à esquerda ou à direita para governar
Sem surpresas, o PSOE venceu as eleições com um resultado muito aquém da maioria absoluta. Inesperada foi a vitória do bloco da esquerda sobre o bloco da direita. Aguardada, embora em menor dimensão, foi a derrocada eleitoral do PP, ainda assim não aproveitada pelo Cidadãos para se tornar no maior partido da direita. Vox irrompe como grande partido. Agora, Sánchez tem de procurar alianças para governar.
Calculadora e habilidade negocial serão as ferramentas fundamentais para formar o próximo governo em Espanha, isto depois de as eleições gerais deste domingo terem culminado num novo resultado inconclusivo.
É que apesar de ter vencido com 28,7% (123 deputados), isto numa altura em que estavam contabilizados 98,99% dos votos, o PSOE do ainda primeiro-ministro Pedro Sánchez terá de negociar uma aliança ou coligação de governo, sendo que o líder socialista poderá fazê-lo quer à esquerda, quer à direita.
Apesar de assegurar a segunda posição e mesmo assim manter a primazia à direita, o PP de Pablo Casado sofre uma derrocada eleitoral ficando-se por 16,7% (66 deputados face aos 137 mandatos alcançados em 2016). O líder popular justificou a pesada derrota com a fragmentação da direita espanhola. Já o Cidadãos sobe para 15,8% (57 mandatos) mas falha o grande objetivo do líder Albert Rivera que passava por concretizar a ascensão a maior força da direita espanhola.
Nota ainda para a acentuada queda da coligação eleitoral de esquerda Unidas Podemos de Pablo Iglesias que recua para 14,3% (42 mandatos) e para a afirmação do Vox (extrema-direita) de Santiago Abascal como um dos cinco partidos com abrangência nacional, já que após em 2016 não ter eleito nenhum deputado agora obtém 10,3% (24 deputados). Abascal mostrou-se satisfeito pelos 24 deputados eleitos, mas "decepcionado" por não derrotar a "frente popular", uma alusão ao facto de a direita ter ficado atrás da esquerda.
Uma vez que nem o bloco da esquerda (PSOE e Unidas Podemos) nem o bloco da direita (PP, Cidadãos e Vox) somam os mandatos necessários para superar o mínimo de 176 deputados que conferem uma maioria absoluta na câmara baixa do parlamento espanhol, qualquer solução governativa que venha a ser encontrada exige a negociação de uma coligação de governo ou, no mínimo, de acordos parlamentares de apoio a um executivo presumivelmente protagonizado por Sánchez.
Sánchez parece descartar aliança com o Cidadãos
"Os espanhóis querem que o PSOE governe", afirmou Pedro Sánchez na reação à vitória, prometendo que os socialistas vão mesmo liderar o próximo governo. Falta saber como.
A aritmética parlamentar resultante desta eleição obrigará o líder do PSOE, que como vencedor das eleições será incumbido da responsabilidade de formar governo, a negociar. Contudo, em grande medida são duas as alternativas à disposição de Pedro Sánchez. Para chefiar um executivo com apoio maioritário, terá de forjar uma aliança/coligação de esquerda com o Unidas Podemos acrescida de força(s) independentista(s). Nesse sentido, Pablo Iglesias, apesar de reconhecer que o resultado da sua coligação podia ter sido melhor, revelou já ter conversado com Sánchez e ter-lhe dito que para formar um governo de esquerda em Espanha é "imprescindível" a participarão do Podemos.
Caso contrário, Sánchez poderá coligar-se ao Cidadãos num acordo ao centro-direita, pese embora Rivera tenha rejeitado liminarmente acordos com os socialistas enquanto Sánchez for o líder e este ter, após pressão de Iglesias nos debates televisivos, afastado qualquer cenário de acordo com aquele partido nascido na Catalunha.
Já no discurso desta noite e perante apoiantes que gritavam "Rivera não, Rivera não", Pedro Sánchez atirou que "isso ficou claro". Desta forma, Sánchez põe de parte qualquer cenário de aliança com o Cidadãos. Pelo seu lado, Albert Rivera afiançou que o lugar do Cidadãos será na oposição porque "Sánchez vai governar com Iglesias e os independentistas".
Sánchez prometeu um Governo "pró-Europa, para fortalecer a Europa", e construir "uma Espanha plural", assumindo como prioridades o combate à injustiça social e à corrupção. "Não queremos o retrocesso, queremos um país que avance", frisou.
Para o secretário-geral do PSOE, as eleições de hoje demonstraram que Espanha "tem uma democracia sólida" e que acedeu "em defesa do seu futuro e de mais direitos e liberdades".
Seja como for e apesar da ainda enorme indefinição quanto ao futuro governo espanhol, há uma série de conclusões rápidas a retirar destas eleições gerais, as terceiras em pouco mais de três anos:
• PSOE vence as primeiras eleições gerais desde 2008 (então com Zapatero) e Sánchez ganha após duas derrotas eleitorais para Rajoy. Socialistas elegem quase o dobro dos deputados eleitos pelos populares;
• PP com hecatombe eleitoral para o pior resultado da história dos populares depois dos inúmeros casos de corrupção que atingiram o partido e ante o reforço da competição à direita (Cidadãos e Vox), embora se mantenha, por pouco, como um dos dois maiores partidos espanhóis;
• Cidadãos cresce em expressão eleitoral mas não ultrapassa os populares;
• Unidas Podemos perde em relação a 2016, o que parece mostrar que apelo ao voto útil feito por Sánchez surtiu efeito, além de que também parece haver desgaste da imagem de Pablo Iglesias na sequências das cisões internas no Podemos e da polémica compra de uma casa por valores pouco compatíveis com o discurso anti-capitalista do partido;
• Vox confirma ascensão a partido incontornável em Espanha, cujo sistema partidário assenta agora no chamado "pentapartido", sendo que votação na extrema-direita ficou aquém do que chegou a ser apontado pela sondagens;
• Esquerda supera a direita, ou seja, PSOE e Unidas Podemos (164) têm mais mandatos do que PP, Cidadãos e Vox juntos (150), o que inviabiliza que as "direitas" reeditem a fórmula de governo ensaiada na Andaluzia;
• A força independentista Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) consegue uma expressiva vitória na Catalunha com 15 deputados eleitos.
Espanha entre coligações e nova crise de governo
O novo quadro político pluripartidário, agora formalmente assente em cinco partidos com grande representatividade ao nível nacional, vem reforçar ainda mais a necessidade de procurar coligações de governo. No entanto, apesar dessa formulação ser habitual no que concerne aos governos das regiões autonómicas, nunca desde a transição democrática houve uma coligação de governo (ou seja, mais do que um partido no executivo) na Moncloa.
Ao longo da jornada eleitoral, os líderes dos dois maiores partidos, Sánchez e Casado, sublinharam precisamente a importância destas eleições produzirem uma maioria parlamentar capaz de assegurar uma governação estável. Mas os números mostram que não se verifica nenhuma solução óbvia de governo.
Depois de três eleições gerais em 40 meses, e dos 10 meses decorridos sem um governo em plenitude de funções até Mariano Rajoy ser pela segunda vez investido como primeiro-ministro, volta agora a pairar sobre Espanha a ameaça de bloqueio político. Isto significa que a longa crise política ameaça prolongar-se com uma nova crise governativa, o que a confirmar-se poderá redundar na realização de novas eleições.
(Notícia atualizada pela última vez às 23:57 com 99,84% dos votos contabilizados)