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Merkel não se recandidata à liderança da CDU nem a chanceler
Depois de um novo mau resultado eleitoral para a CDU, a chanceler alemã anunciou esta segunda-feira que não vai recandidatar-se à presidência dos democratas-cristãos no congresso do partido agendado para Dezembro nem à chancelaria germânica nas eleições de 2021.
Ao cabo de quase 18 anos, Angela Merkel vai deixar a liderança dos democratas-cristãos alemães no próximo mês de Dezembro, altura em que decorre o congresso da CDU. O mau resultado eleitoral deste domingo no estado de Hesse levou a chanceler alemã e líder do partido a revelar, numa conferência de imprensa realizada na manhã desta segunda-feira, 29 de Outubro, que não pretende recandidatar-se à liderança dos democratas-cristãos nem à chancelaria germânica.
Merkel vai abandonar a chefia do partido, mas não do governo germânico, já que quer manter-se em funções até ao termo do mandato em curso, previsto para 2021. A chanceler dividiu a anúncio acerca do seu futuro em quatro pontos. O primeiro decorre do facto de considerar ser a "altura de abrir um novo capítulo" na vida da CDU, razão que leva Merkel a dizer que "em Dezembro não irei recandidatar-me à liderança" do partido.
Por fim, Angela Merkel comprometeu-se a fazer uma "avaliação intercalar" ao trabalho da "grande coligação" que governa a Alemanha e, no que toca à CDU, assegurou que cumprirá um último mandato como chanceler dando um contributo para "uma nova era de sucesso da CDU".
Quem pode suceder a Merkel na CDU?
Wolfgang Schäuble
O melhor chanceler que a Alemanha nunca teve pode, afinal, ainda vir a cumprir o sonho de liderar a chancelaria germânica. Com 76 anos de idade, o antigo ministro alemão do Interior e também das Finanças não faz parte do actual governo, tendo sido escolhido, pelo perfil respeitado, para presidir ao Bundestag mais polarizado da democracia alemã. Schäuble é visto como uma figura consensual no seio da CDU e pode ser empurrado a reunificar os democratas-cristãos em torno de um projecto.
Annegret Kramp-Karrenbauer
A ex-ministra presidente do estado de Saarland é a chefe operacional da CDU, por escolha de Merkel, desde Fevereiro. Uma escolha vista como uma tentativa de Merkel determinar a sua sucessão. Angela Merkel é admiradora de Kramp-Karrenbauer, porém, foram já vários os putativos sucessor da chanceler que viram as "pernas cortadas" pela própria.
Jens Spahn
O actual ministro da Saúde é um dos mais ferozes críticos às opções políticas da chanceler. Merkel escolheu Spahn para esta função no que foi encarado como uma jogada da chanceler para manter um adversário interno sob controlo. Ortodoxo em questões económicos e crítico da abertura à imigração, Spahn representa uma alternativa clara à liderança de Merkel.
Ursula von der Leyen
Quando em 2013 foi chamada para a pasta da Defesa (tornando-se a primeira mulher nesta função), muitos viram em von der Leyen a provável sucessora de Merkel. Mas apesar de continuar como ministra da Defesa no novo governo, von der Leyen parece já não ser a preferida da chanceler para a sua própria sucessão. A governante é uma das figuras mais pró-europeias da CDU.
Volker Bouffier
O ainda líder do governo regional de Hesse (governa com base numa coligação entre a CDU e os Verdes). Bouffier ocupa um dos lugares na direcção da CDU e é alguém com apoios no seio do partido.
Peter Altmaier
O actual ministro da Economia e ex-chefe de gabinete de Merkel é um dos raros políticos que merece estrita confiança da chanceler. Dado o perfil conciliador, Altmaier é apontado como um dos mais capazes de conciliar as duas correntes com maior força na CDU. Seria certamente uma escolha do agrado de Merkel.
Julia Klöckner
Armin Laschet
O ministro presidente da Renânia do Norte-Vestefália, cargo assumido em 2017 ano, é um político em ascensão, especialmente depois de há um ano ter derrotado o SPD naquele estado, tradicionalmente um reduto social-democrata. Laschet é também um dos cinco vice-presidente da direcção de Merkel na CDU, o que confirma o peso no partido.
A ainda líder democrata-cristã é chanceler desde 2005 e cumpre o primeiro ano do quarto mandato na chancelaria germânica. A agência AFP escreve também que Merkel põe de parte concorrer a qualquer cargo europeu, afastando-se de uma corrida à presidência da Comissão Europeia ou do Conselho Europeu.
Esta é a consequência directa da fraca vitória que a CDU conseguiu este domingo no estado federado (länder) de Hesse, um resultado que acaba por se traduzir em nova derrota eleitoral para os democratas-cristãos uma vez que foi o pior desfecho desde 1962 para o partido de Merkel naquela região. Apesar de a CDU ter conseguido superar as expectativas e as indicações dadas pelas sondagens ao alcançar cerca de 27% dos votos, este resultado representa uma enorme quebra face aos 38,3% obtidos no último acto eleitoral.
Além da CDU, também os sociais-democratas registaram um mau resultado ao descerem de 30,7%, em 2013, para 20%. Em sentido inverso, os Verdes cresceram mais de 10 pontos percentuais para 19,5% e a Alternativa para a Alemanha (AfD, extrema-direita) reforçou a afirmação eleitoral na Alemanha ao triplicar a votação de há cinco anos (12%), o que lhe permite entrar no parlamento regional pela primeira vez.
As eleições deste domingo confirmaram a tendência de erosão eleitoral dos dois principais partidos alemães (CDU/CSU e SPD) que, por sinal, são também as forças políticas que integram a aliança de governo chamada de "grande coligação". A quebra eleitoral destes partidos foi formalizada pelas eleições federais de Setembro do ano passado, que determinaram os piores resultados, a nível nacional, da CDU e do SPD desde a Segunda Guerra.
Porém, foi já em meados deste mês que a CSU (partido-irmão bávaro da CDU) perdeu a maioria absoluta nas eleições regionais que tiveram lugar na Baviera, um resultado que fragilizou ainda mais a histórica aliança conservadora e que acabou por também erodir a "grande coligação".
"Depois das eleições na Baviera e depois de todas as negociações para ter um governo CDU/CSU com o SPD, estou convicta de que temos de nos manter unidos", concluiu a chanceler justificando a necessidade de manter a coesão do actual governo de coligação.
Merkel, uma líder cada vez mais contestada
Merkel está no poder há perto de 14 anos e estão já distantes os níveis de popularidade observados em mandatos anteriores. Nunca como agora a chanceler teve níveis de aceitação popular tão baixos. Uma realidade porventura decorrente de algum cansaço da opinião pública relativamente à reedição da "grande coligação" (Merkel governou com base nesta aliança em três dos quatro mandatos como chanceler), mas sobretudo provocada pela rejeição à política de portas abertas aos refugiados enunciada pela chanceler em 2014.
Com uma decisão deste tipo, Angela Merkel está também a tentar dar tempo para a afirmação política do seu sucessor que, se prevalecer a sua vontade, poderá ser a actual secretária-geral dos democratas-cristãos, Annegret Kramp-Karrenbauer. Depois de já ter liderado uma "grande coligação" entre a CDU e o SPD no estado de Saarland, Kramp-Karrenbauer representa a linha política moderada de Merkel, tendo defendido, por exemplo, a política de tolerância em relação aos imigrantes/refugiados.
Mas a sucessão de Angela Merkel promete ser uma luta com vários pretendentes. O jornal alemão Bild avança entretanto que o antigo líder parlamentar da aliança conservadora (CDU/CSU), Friedrich Merz, é um candidato assumido à sucessão da ainda líder democrata-cristã no congresso que decorrerá no início de Dezembro.
Mas se Merkel vinha sendo cada vez mais contestada, inclusivamente no seio da CDU, essa contestação tenderá a agravar-se. Sinal disso mesmo foi a declaração feita esta manhã pelo líder dos liberais (FDP), Christian Lindner, que defendeu o afastamento de Merkel também da chancelaria, considerando que a saída da chefia da CDU tornará o governo alemão ainda mais instável.
Este momento de indefinição também poderá ter repercussões no futuro da União Europeia, isto numa altura em que se discutem temas determinantes como a saída do Reino Unido (Brexit) ou o reforço da integração no âmbito da União Económica e Monetária, questões cuja resolução pode ser afectada pelo desgaste da líder da maior economia europeia. "A fragilidade de um país como a Alemanha é sempre uma ameaça para a Europa", constatou esta manhã Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos.
A taxa de juro associada à dívida alemã, que esta manhã já negociava em alta no mercado secundário, acentuou a subida para avançar agora 4,5 pontos base para 0,397% no prazo a 10 anos.
SPD em queda-livre
Os últimos maus resultados eleitorais da CDU (e da CSU na Baviera) foram acompanhados pelo SPD, com a agravante de que os democratas-cristãos tinham um ponto de partida pior do que os democratas-cristãos. E se antes das eleições em Hesse vários analistas antecipavam a possibilidade de o SPD se retirar da "grande coligação" liderada por Merkel caso repetisse novo desaire eleitoral, esse cenário é agora ainda mais possível.
Após as eleições federais do ano passado, os democratas-cristãos, então liderados por Martin Schulz, rejeitaram encetar negociações para formar governo com Merkel, preferindo reabilitar o SPD a partir da liderança da oposição no Bundestag. Já então os democratas-cristãos consideravam que a indiferenciação face às políticas da CDU era a justificação para a derrocada eleitoral. Agora, após duas novas debacles na Baviera e em Hesse, a ala mais à esquerda do SPD poderá aumentar a pressão para retirar os sociais-democratas de uma coligação governativa enfraquecida.
Para já, a líder do SPD, Andrea Nahles, rejeita tirar o tapete à coligação, embora exija mudanças políticas que vão no sentido programático social-democrata. A actual situação do governo "não é aceitável", diz Nahles que promete apresentar um "itinerário" de medidas que assegurem que a "grande coligação" segue também as prioridades do SPD.
(Notícia actualizada pela última vez às 12:40 com declarações de Merkel)