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Conflito diplomático entre Turquia e Holanda com ameaças mútuas
A Turquia pede sanções contra a Holanda. A Holanda, por sua vez, exige um pedido de desculpas por parte da Turquia. A três dias das eleições holandesas.
O conflito diplomático entre a Turquia e a Holanda continua com pedidos de parte a parte. Tudo começou quando a Holanda impediu que o ministro dos Negócios Estrangeiros turco se deslocasse a Roterdão para participar numa manifestação de apoio a Erdogan que promove um referendo para uma revisão constitucional que transformará a Turquia num regime presidencialista. Não apenas impediu a chegada de Mevlut Çavusoglu. Bloqueou, mais tarde, a caravana que levaria a ministra dos Assuntos Familiares turca Fatma Betül Sayan Kaya ao consulado da Turquia em Roterdão. Nesse mesmo dia, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, explicava que os ministros turcos não estavam impedidos de entrar no país, mas não podiam aí participar em actividades políticas.
Todos estes acontecimentos motivaram a ira do presidente turco que vislumbrou na Holanda vestígios de nazismo. Erdogan as acções como uma "reminiscência" do nazismo e ameaçou ripostar. "Estes são os vestígios do nazismo, eles são fascistas", disse o Presidente turco numa reunião em Istambul. "Vocês podem impedir o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros de voar, mas a partir de agora vamos ver como os vossos voos vão aterrar na Turquia", ameaçou Recep Tayyip Erdogan.
Desde estes acontecimentos, o conflito diplomático escalou. O ministro dos Negócios Estrangeiros acabou por ir para França e a ministra dos Assuntos Familiares foi escoltada até à fronteira com a Alemanha, tendo já chegado à Turquia, onde lamentou, em Istambul, a atitude das autoridades holandesas e condenou o "tratamento rude e duro" com que foram tratados.
Na madrugada de domingo, o governo holandês explicou que "no contacto mútuo com a Turquia, a Holanda deixou claro em várias ocasiões que não se devia comprometer a ordem pública e a segurança no país", mas "a busca de uma solução razoável foi impossível". E afirmou que "os ataques verbais por parte das autoridades turcas que se seguiram no dia de hoje são inaceitáveis". As autoridades holandesas consideraram que a visita da ministra turca dos Assuntos Familiares "foi irresponsável neste contexto", tendo transmitido ao Governo turco que Fatma Betül Sayan Kaya "não era bem-vinda à Holanda", recordando que apesar de o país ter informado que não permite a campanha política pública da Turquia no seu território "ela decidiu viajar".
Por fim, o Governo holandês assume que "mantém o seu compromisso de diálogo com a Turquia". Em Ancara, a embaixada, o consulado, e as residências oficiais do embaixador e cônsul holandeses foram encerradas pelas autoridades turcas por "razões de segurança", anunciaram fontes do Ministério dos Negócios Estrangeiros turco, citadas pela Lusa. As autoridades turcas terão ainda avisado a Holanda para que o embaixador holandês em Ancara, que se encontra fora do país, em férias, não regresse "durante algum tempo" para retomar a sua actividade.
Mais tarde, o ministro turco dos Assuntos Europeus, Omer Çelik, voltou a classificar de "fascista" o desempenho das autoridades holandesas. No Twitter, o responsável diz que "o fascismo tem despertado nos Países Baixos e tomou o palco. Todos os verdadeiros democratas do mundo devem reagir a ele para um mundo livre", sublinhando que Mark Rutte se tornou "a voz de uma mentalidade obscura e racista que levou à Segunda Guerra Mundial".
Também o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, condenou, em comunicado, a atitude do governo holandês e anunciou que irá ser dada "uma resposta da maior gravidade".
"Os nossos amigos europeus que falam em todas as oportunidades da democracia, da liberdade de expressão e dos direitos humanos, falharam mais uma vez o exame sobre este assunto", afirma Binali Yildirim no comunicado publicado no site do Governo.
Também o presidente turco voltou a ameaçar a Holanda. Numa alocução em Istambul, Recep Tayyip Erdogan afirmou que o tratamento reservado à ministra e a outros responsáveis turcos na Europa traduziam um aumento "do racismo e do fascismo".
"Os Países Baixos pagarão o preço", acrescentou, agradecendo à França ter autorizado a visita do chefe da diplomacia turca, Mevlut Cavusoglu, a este país.
Já em França, o ministro dos Negócios Estrangeiros turco voltou a acusar a Holanda de racismo e acusou o país de violar a Convenção de Viena.
"O nosso encarregado de negócios consular e a nossa ministra não puderam entrar no seu próprio consulado. Além disso, o cônsul, que estava lá dentro, não pôde sair, não lhe deram autorização. Isto é uma violação total da Convenção de Viena", disse Mevlut Cavusoglu numa referência ao tratado internacional que regula os direitos do pessoal da carreira diplomática. O chefe da diplomacia turca considerou que estas práticas constituem "racismo".
"São xenofobia, hostilidade contra o islão, violação da democracia, violação das liberdades", disse Cavusoglu à agência semi-pública turca Anadolu, em Metz, cidade francesa que acolheu um encontro de cidadãos turcos residentes na região, no qual Cavusoglu também participou.
Ameaça por ameaça, também o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, disse que o seu país iria "responder com as medidas adequadas" se as autoridades turcas persistirem na sua atitude perante os Países Baixos, mas assegurou pretender "acalmar a tensão" diplomática com a Turquia.
"Queremos reduzir [a crise], mas se os turcos insistem em agudizar a tensão, responderemos adequadamente", disse o chefe do governo holandês, em plena campanha eleitoral antes das eleições legislativas, previstas para quarta-feira, fazendo um apelo para que haja um pedido de desculpas por parte da Turquia.
Apesar dos apelos de Erdogan à comunidade internacional para levantar a voz contra a Holanda, o ministro do Interior alemão colocou-se ao lado dos holandesas, declarando Thomas de Maiziere que há limites para os ministros de outros países fazerem campanha.
Cerca de 400 mil pessoas de origem turca vivem nos Países Baixos. A Turquia vai levar a cabo um referendo a 16 de Abril para a revisão constitucional que dará mais poderes a Erdogan.
Dinamarca pede para adiar visita
O primeiro-ministro dinamarquês Lars Løkke Rasmussen fez uma "proposta" ao seu homólogo turco, Binali Yildirim, para adiar a visita à Dinamarca prevista para este mês por causa da "escalada" de tensão entre Ancara e a Holanda.
"Essa visita não poderia acontecer abstraindo-se dos actuais ataques por parte da Turquia contra a Holanda. Então, propus ao meu colega turco adiar o nosso encontro", disse em comunicado o chefe do governo dinamarquês.
O governante disse que, "em tempos normais", será um prazer receber o primeiro-ministro da Turquia com a qual teve "um diálogo franco e construtivo" a 10 de Dezembro em Ancara, mas que "vê com grande preocupação os desenvolvimentos na Turquia", onde considerou que "os princípios democráticos estão sob forte pressão".
Segundo Rasmussen, a visita do governante turco poderia ser visto como uma manifestação de "uma visão complacente" da Dinamarca para com os desenvolvimentos políticos na Turquia, "o que está longe de ser o caso", assegurou.
A visita oficial de Yildirim estava prevista ser realizada a 20 de Março, de acordo com a rádio dinamarquesa DR.