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Unidade pretendida no combate ao Estado Islâmico enfrenta vários obstáculos

Washington e Moscovo parecem concordar sobre a necessidade de uma "efectiva coligação internacional" para combater o EI. Cameron diz haver "esperança para uma estratégia conjunta". Mas são muitas as divergências sobre combate ao terrorismo.

Reuters
16 de Novembro de 2015 às 17:42
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A reacção ao conjunto de ataques terroristas coordenados que, na passada sexta-feira à noite vitimaram mais de 120 pessoas, em Paris, poderá passar por um reforço da cooperação da comunidade internacional no combate ao autoproclamado Estado Islâmico (EI). Desde a noite de domingo têm surgido sinais que apontam para o objectivo de efectivar uma estratégia conjunta de combate aos extremistas sunitas que se autodenominam também como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS).

 

O tom ficou desde logo lançado no sábado de manhã, quando o presidente francês, François Hollande, se referiu aos ataques como um "acto de guerra", logo atribuído ao EI. Já o presidente norte-americano, Barack Obama, notou que se tratara de um ataque ao "mundo civilizado". E Laurent Fabius, responsável pela Defesa gaulesa, sublinhava que "não podemos deixar (o EI) agir sem respondermos".

Entretanto, a reforçar o anúncio de sexta-feira, Hollande proclamou esta segunda-feira, 16 de Novembro, que "a França está em guerra" e anunciou a mobilização do porta-aviões Charles de Gaulle para o Mediterrâneo. O porta-aviões de Gaulle será o primeiro meio militar deste tipo a ser mobilizado no combate da coligação internacional às posições do EI na Síria. E Hollande garante que a capacidade de acção da coligação será "triplicada".

 

A França está em guerra
François Hollande

Mas a resposta francesa não se fez esperar e este domingo Paris, em coordenação com o exército norte-americano, avançou de "forma massiva" contra as posições do EI na Síria, designadamente na zona de Raqqa, uma cidade no norte do país que representa o principal bastião daquela organização extremista.

 

De acordo com o ministério francês da Defesa, 12 aviões militares gauleses atacaram centros de treino e recrutamento do EI em Raqqa. Também este domingo, o Pentágono norte-americano decidiu agilizar a troca de informação (intelligence) relativa aos alvos daquela organização sunita extremista. Fontes do Pentágono adiantaram que nas próximas semanas dever-se-á assistir ao "intensificar dos ataques contra o EI".

 

Também no domingo, Obama sublinhou a necessidade de trazer os responsáveis pelos ataques de Paris "à justiça" e garantiu o "redobrar" dos esforços norte-americanos no combate ao EI. Obama falava durante o encontro do G-20 que ainda decorre em Antalya, na Turquia.

 

As últimas operações terroristas levadas a cabo pelo EI, entre as quais se contam o atentado que matou pelo menos 37 pessoas em Beirute, no Líbano, e o ataque ao avião russo da companhia Kogalymavia, que causou mais de 200 mortes, parecem assim estar a mobilizar a comunidade internacional. Até porque a ameaça jihadista permanece latente, com o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, a alertar para o risco de eventuais novos ataques terroristas em solo europeu nas próximas semanas.

 

Em Viena John Kerry, secretário de Estado norte-americano, proclamou ser chegado o tempo de "suster a sangria na Síria". Também na capital austríaca, onde decorre uma cimeira que visa encontrar uma solução para o conflito sírio, Sergey Lavrov, ministro russo dos Estrangeiros, afirmou ser fundamental criar "uma efectiva coligação internacional" para combater os jihadistas do EI.

 

[Há] sinais de esperança para uma estratégia conjunta
David Cameron

Já esta segunda-feira, David Cameron, primeiro-ministro britânico, falou em "sinais de esperança para uma estratégia conjunta" contra o EI. Cameron aludiu à possibilidade de Londres, Paris e Washington poderem chegar a um "compromisso" com Moscovo no que concerne à adopção de uma estratégia comum de combate aos jihadistas sunitas liderados por Abu Bakr al-Badhdadi. Também Hollande realçou esta tarde que "a necessidade de combater o EI é uma obrigação de toda a comunidade internacional". Falta perceber se haverá mesmo uma comunhão vontades quanto à forma de combater o EI. 

 

Síria no centro das atenções... e da acção

 

Se foi a intervenção militar contra a al-Qaeda, no Afeganistão e, posteriormente, também a invasão do Iraque que contribuiram para o nascimento e crescimento da organização também conhecida por Daesh, hoje todas as respostas para o problema passam, no essencial, pela Síria, um país assolado por uma guerra civil, por uma guerra de influência regional e também por uma espécie de jogo de poder entre Washington e Moscovo.

 

É na Síria que perdura, há perto de cinco anos, uma guerra civil entre as forças leais ao regime alauita (um ramo do islão xiita) de Bashar al-Assad e as forças da oposição. É também na Síria que há já mais de um ano uma coligação internacional liderada pelos Estados Unidos bombardeia as posições do ISIS na Síria.

 

Esta coligação que também integra a França agrega, porém, países com interesses contraditórios entre si. Por exemplo, estados sunitas como o Qatar e a Arábia Saudita, dois países que fomentam (militar e financeiramente) a insurreição de grupos oposicionistas ao regime de Assad. Nem sempre é claro quem beneficia desse dinheiro e equipamentos militares.

Também como resposta à acção dos países do Golfo Pérsico que pretendem um regime sunita em Damasco, o xiita Irão apoia declaramente as forças de Assad no combate às forças da oposição conhecidas como "moderadas". A par de Teerão, também o partido/grupo armado libanês xiita Hezbollah mobilizou homens para apoiar Assad.

 

Por outro lado, a Turquia e a Rússia iniciaram há algumas semanas acções militares aéreas na Síria, mas os dois países têm sido acusados de não concentrarem as suas acções no combate ao EI. De um lado, com objectivos políticos internos, Ancara tem aproveitado para atacar as forças armadas curdas (peshmergas) em território sírio. Estas acções da Turquia, que apoia a coligação internacional liderada por Washington, são contraproducentes no que ocncerne ao combate ao EI, uma vez que os peshmergas são a força que, no terreno, mais efectivamente tem combatido o Daesh.

 

E do outro lado, Moscovo inclui entre os alvos dos seus bombardeamentos posições não apenas do EI mas também dos opositores de Assad, um tradicional aliado da Rússia no Médio Oriente. Vladimir Putin defende que o regime de Assad é legítimo e classifica de terroristas organizações oposicionistas, algumas das quais directamente apoiadas pelos Estados Unidos como é o caso do Exército Livre da Síria. A importância geoestratégica da questão síria para a Rússia decorre também do facto de a única base militar portuária russa no Mediterrâneo ser na Síria. 

EUA e Rússia combatem terrorismo com objectivos distintos

Apesar de estarem aparentemente do mesmo lado, tanto a Rússia como os Estados Unidos apresentam objectivos distintos no que ao futuro da Síria diz respeito. Enquanto Moscovo quer a continuidade de Assad, os Estados Unidos apenas aceitam uma solução que passe por uma transição de regime. Enquanto não há uma definição e apesar de ambas as capitais combaterem o terrorismo, tanto Washington como Moscovo jogam também a sua capacidade de influência no tabuleiro sírio.

 

Assim, a luta ao EI terá de passar pela Síria, mas também pelo Iraque. Pois foi o vazio de poder verificado em ambos os países, divididos por tensões religiosas e tribais, que permitiu àqueles jihadistas estabelecerem, na prática, um califado que inclui territórios controlados em ambos os estados a que se soma pequenas bolsas territoriais no Líbano.

Esta realidade tem levado muitos especialistas a afirmar que nenhuma solução para a Síria poderá ser real sem a presença de "botas no terreno", ou seja, sem o envio de homens para território sírio, uma possibilidade até agora excluída pelos principais actores internacionais. Além de que o EI distingue-se ainda pela capacidade de atracção exercida sobre franjas da população ocidental, que recruta para combater na Síria e no Iraque ou, simplesmente, utiliza para atacar o ocidente a partir das suas próprias fronteiras.

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