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Vai o consumo privado voltar a puxar pela economia?
Nos dois últimos trimestres foi a procura interna que mais contribuiu para a recuperação da economia, mas economistas dividem-se quanto à importância do consumo no crescimento futuro.
Foi assim no segundo trimestre do ano e voltou a repetir-se nos três meses seguintes: é a procura interna que está a contribuir mais para a recuperação da economia. Numa altura em que o Governo e a troika se continuam a concentrar na recuperação das exportações, o consumo poderá estar a ser o factor mais importante para a retoma.
A estimativa rápida do INE ainda não revela que sectores contribuíram mais para este resultado, mas já adianta que o consumo das famílias teve um comportamento menos negativo e que o aumento das importações levou a um menor contributo das exportações líquidas. Os economistas antecipam que os bens de consumo duradouro – como a compra de automóveis – terá recuperado de mínimos. Algo que ajudaria a explicar o aumento das importações.
Porém, Paula Carvalho, economista-chefe do BPI, espera uma evolução diferente no futuro. "Poderão ocorrer alguns trimestres em que a procura interna prevaleça mas não é essa a nota dominante. As exportações são e deverão continuar a ser o principal motor da actividade económica em 2014", explica. "Se o investimento continuar a dar sinais de retoma, nomeadamente o investimento em maquinaria, tal terá repercussões pontuais na importação de equipamento, reduzindo o contributo da procura externa líquida no trimestre em que se concretiza. Mas, ao reforçar a capacidade instalada, permitirá um acréscimo de vendas ao exterior num momento futuro."
Filipe Garcia, do IMF, lembra que a economia portuguesa é caracterizada por ser "manifestamente terciarizada" e por ter uma balança comercial deficitária que "dificilmente deixará de o ser", devido à dependência energética do exterior e ao conteúdo importado das exportações. "Se é verdade que o comércio externo (exportações) pode ser um ‘driver’ importante ao reduzir o défice comercial e, sobretudo por gerar emprego que depois resultará em procura interna, formalmente é a procura interna que acaba por ter o maior impacto na evolução do PIB nominal". Por que é que alguns economistas apontam o crescimento por via do comércio externo como mais virtuoso do que através do consumo privado? Tem tudo a ver com a posição de Portugal face ao exterior, que tem acumulado défices externos sucessivos.
"Embora o consumo seja o fim último de toda a produção, a única via de gerar crescimento sustentável é aumentar o grau de abertura ao exterior, à semelhança de outras economias com dimensão semelhante (por exemplo, a intensidade exportadora da Irlanda excede 100% que compara com menos de 40% em Portugal)", aponta Paula Carvalho, lembrando os desequilíbrios externos acumulados nos últimos anos por Portugal. Outro risco de depender excessivamente do consumo privado é o impacto que a austeridade pode ter no crescimento económico. Os economistas referem que o maior risco para a recuperação do PIB poderá ser o anúncio e a aplicação das novas medidas de austeridade inscritas no Orçamento do Estado para 2014.
Já o economista José Reis considera que "vamos continuar a precisar do consumo interno" até porque, apesar das exportações estarem a surpreender, o professor na Universidade de Coimbra diz que "não é possível esperar muito mais" e que a "intensidade exportadora da economia portuguesa ainda é baixa". Isso não significa porém que o consumo seja "substitutivo" das exportações, rematou.
José Reis sublinha ainda que o consumo depende de expectativas e da distribuição de rendimentos e antes de se pensar em políticas para impulsionar o consumo, é preciso pensar na "política de repartição de rendimentos".