Notícia
Tem a Europa "munições" para socorrer Espanha e Itália?
O prémio de risco da dívida de Espanha e de Itália rompeu hoje a barreira dos 400 pontos. Analistas temem que se tenha ultrapassado o ponto de não-retorno: os dois "pesos pesados" terão também de pedir ajuda – é uma questão de tempo. Mas tem a Europa meios para os socorrer?
Os mercados continuam a não dar trégua ao euro e aos políticos europeus, não obstante as decisões tomadas há apenas duas semanas, no sentido de quase duplicar a ajuda à Grécia e de reforçar os mecanismos de estabilidade financeira no seio da Zona Euro, precisamente para travar os riscos de contágio da crise da dívida pública a mais países da união monetária.
Indiferentes às garantias renovadas dos líderes do euro de que não abandonarão pelo caminho nenhum dos seus, escassos dias depois os investidores exigiram a Espanha e Itália taxas de juro significativamente mais altas em operações de colocação de dívida de longo prazo. E desde então, a pressão não tem desacelerado.
No mercado secundário, onde se trocam de mãos os títulos de dívida já emitidos, as taxas de juro espanholas e italianas bateram hoje novos máximos, tendo no prazo a dez anos chegado mais perto dos 6,5%. Em ambos os casos também, o “spread” – ou prémio de risco - das obrigações espanholas e italianas face às alemãs superou os 400 pontos base. Os bancos espanhóis, e sobretudo, os italianos – donos de boa parte da dívida pública do país – estão a ressentir-se enormemente. A bolsa de Milão fechou ontem com o pior desempenho em 27 meses.
O mesmo filme...
Tradução: muitos analistas consideram que os dois países ultrapassaram o ponto de não-retorno, e que a Europa estará agora a começar a ver nas capitais de dois "pesos-pesados" do euro o mesmo filme que, neste último ano, passou por Atenas, Dublin e Lisboa.
As campainhas de alarme soaram de imediato em Madrid e Roma. José Luis Zapatero adiou as férias para acompanhar de perto os desenvolvimentos e, poucas horas depois, foi a vez de Sílvio Berlusconi convocar, para esta tarde mesmo, uma reunião de emergência do comité de estabilidade financeira, que reúne ministro das Finanças, banco central e demais reguladores da actividade financeira.
Se as taxas persistirem em alta, Espanha e Itália poderão não ter outra escolha senão também recorrer a ajuda, apelando ao cada vez mais reduzido conjunto de parceiros do euro que está em condições de a dar: Alemanha, França, Holanda, Áustria, Luxemburgo e Finlândia – o clube que ainda dispõe de “rating” máximo, “AAA”. Até porque passa a fazer pouco sentido – ainda que na estrita racionalidade económica – estes países continuarem a ir ao mercado quando nas últimas emissões já tiveram de prometer juros bem acima dos cerca de 3,5% que Portugal, Grécia e Irlanda passarão a pagar pelas próximas fatias dos empréstimos europeus.
Mais bocas, a mesma carteira
A última cimeira do euro flexibilizou o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), permitindo-lhe, por exemplo, ceder linhas de crédito, a título preventivo e a juros razoáveis, aos países que estejam a ser confrontados com preços exorbitantes nos mercados para se financiarem. Este pode ser um expediente que, numa primeira fase, Espanha e Itália podem deitar mão.
Mas a flexibilização do FEEF – que poderá também financiar a recapitalização de bancos e, em circunstâncias absolutamente excepcionais desenhadas para a Grécia, recomprar dívida no mercado secundário – permanece, de momento, no domínio das intenções.
As alterações acordadas em 21 de Julho terão de ser ainda aprovadas pelos parlamentos dos países do euro. Possivelmente, só no Outono o processo estará concluído (e no pressuposto de que não haverá percalços, designadamente em Helsínquia).
Depois há ainda o problema dos cifrões. O FEEF, que até agora só pode financiar programas de assistência em parceria com o FMI, está prestes a ganhar mais três “braços”, mas o dinheiro que pode mobilizar permaneceu inalterado: 440 mil milhões de euros.
Miguel Frasquilho, deputado do PSD e ex-secretário de Estado das Finanças, escreve hoje no Negócios um artigo em que põe o dedo precisamente nesta ferida: 440 mil milhões de euros é “suficiente para acudir a países como Grécia, Irlanda ou Portugal, que em conjunto representam menos de 6% do PIB da Zona Euro e cujas necessidades de financiamento conjuntas até 2014 se situam abaixo de 400 mil milhões”, mas não dá para pôr a mão debaixo de Espanha ou de Itália.
“Neste caso, o peso conjunto na Zona Euro sobe para 28% (11% + 17%, respectivamente) e as necessidades de financiamento públicas até 2014 rondam 530 mil milhões de euros (as de Espanha) e 860 mil milhões (as de Itália), ou seja, um total de quase 1,4 biliões de euros!”, adverte.
Chegou a hora dos "eurobonds"?
Os seus cálculos coincidem com os que têm sido divulgados por “think-tanks” europeus que há muito reclamam que a dotação do FEEF seja triplicada e que, paralelamente, defendem que se caminhe firmemente para um modelo de emissão conjunta, ainda que parcial, de dívida pública: as tão badaladas obrigações europeias.
Numa primeira etapa, o próprio FEEF poderá dar rapidamente esse passo, caso seja autorizado a comprar dívida no mercado primário, ou seja, concorrer com os privados no momento em que os Estados colocam novas obrigações no mercado.
A grande vantagem das obrigações europeias é que harmonizaria o preço pago pelos Estados do euro quando estes se financiam. No imediato, travariam o risco de mais crises de liquidez e, no longo prazo, criariam condições de financiamento mais equipáveis para países como Portugal ou Grécia que, de outro modo, se arriscam a ver o seu estatuto de periféricos cristalizar-se indefinidamente.
Só que esta harmonização, se significa uma redução do custo de financiamento para os periféricos, tenderá a traduzir-se, em contrapartida, em taxas de juro mais elevadas para países como a Alemanha. E é aqui que a “porca torce o rabo”.
Ansgar Belke, professor de economia na Universidade de Duisburg-Essen e director do departamento de análise do instituto DIW, calcula que esta transferência de custos signifique que, anualmente, a Alemanha tenha de pagar mais 15 mil milhões de euros para se financiar, por comparação com a situação actual, em que é – de longe – o país a quem os investidores exigem menos juros.
Citado pelo “Der Spiegel”, o economista chega à conclusão que, em dez anos, esta factura será bem mais pesada do que a resultante de planos de ajuda que tenham de eventualmente ser garantidos a mais países do euro.
"União de transferências"? Jamais!
Estas hipóteses e cálculos são, no entanto, muito contestados pelos adeptos das obrigações europeias que alegam que a criação deste novo produto financeiro, num mercado menos fragmentado e com os Estados Unidos também mergulhados numa severa crise, faria do euro uma verdadeira moeda de reserva – designadamente para os países asiáticos e do Médio Oriente, que estão a ser forçados a reduzir a sua exposição ao dólar.
No cenário ideal, obrigações europeias trariam mais investidores à Zona Euro e, logo, taxas de juro mais baixas. Até mesmo para a Alemanha.
Dificilmente, porém, uma proposta desta natureza passaria por Berlim sem ser catalogada como um passo de gigante para o "abismo" – léxico que, além Reno, significa por estes dias "União de transferências", ou seja, suportar dívidas de quem não soube viver à medida das suas possibilidades. Com eleições gerais marcadas para 2013, será que Angela Merkel dará uma oportunidade às "eurobonds"?
Indiferentes às garantias renovadas dos líderes do euro de que não abandonarão pelo caminho nenhum dos seus, escassos dias depois os investidores exigiram a Espanha e Itália taxas de juro significativamente mais altas em operações de colocação de dívida de longo prazo. E desde então, a pressão não tem desacelerado.
O mesmo filme...
Tradução: muitos analistas consideram que os dois países ultrapassaram o ponto de não-retorno, e que a Europa estará agora a começar a ver nas capitais de dois "pesos-pesados" do euro o mesmo filme que, neste último ano, passou por Atenas, Dublin e Lisboa.
As campainhas de alarme soaram de imediato em Madrid e Roma. José Luis Zapatero adiou as férias para acompanhar de perto os desenvolvimentos e, poucas horas depois, foi a vez de Sílvio Berlusconi convocar, para esta tarde mesmo, uma reunião de emergência do comité de estabilidade financeira, que reúne ministro das Finanças, banco central e demais reguladores da actividade financeira.
Se as taxas persistirem em alta, Espanha e Itália poderão não ter outra escolha senão também recorrer a ajuda, apelando ao cada vez mais reduzido conjunto de parceiros do euro que está em condições de a dar: Alemanha, França, Holanda, Áustria, Luxemburgo e Finlândia – o clube que ainda dispõe de “rating” máximo, “AAA”. Até porque passa a fazer pouco sentido – ainda que na estrita racionalidade económica – estes países continuarem a ir ao mercado quando nas últimas emissões já tiveram de prometer juros bem acima dos cerca de 3,5% que Portugal, Grécia e Irlanda passarão a pagar pelas próximas fatias dos empréstimos europeus.
Mais bocas, a mesma carteira
A última cimeira do euro flexibilizou o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), permitindo-lhe, por exemplo, ceder linhas de crédito, a título preventivo e a juros razoáveis, aos países que estejam a ser confrontados com preços exorbitantes nos mercados para se financiarem. Este pode ser um expediente que, numa primeira fase, Espanha e Itália podem deitar mão.
Mas a flexibilização do FEEF – que poderá também financiar a recapitalização de bancos e, em circunstâncias absolutamente excepcionais desenhadas para a Grécia, recomprar dívida no mercado secundário – permanece, de momento, no domínio das intenções.
As alterações acordadas em 21 de Julho terão de ser ainda aprovadas pelos parlamentos dos países do euro. Possivelmente, só no Outono o processo estará concluído (e no pressuposto de que não haverá percalços, designadamente em Helsínquia).
Depois há ainda o problema dos cifrões. O FEEF, que até agora só pode financiar programas de assistência em parceria com o FMI, está prestes a ganhar mais três “braços”, mas o dinheiro que pode mobilizar permaneceu inalterado: 440 mil milhões de euros.
Miguel Frasquilho, deputado do PSD e ex-secretário de Estado das Finanças, escreve hoje no Negócios um artigo em que põe o dedo precisamente nesta ferida: 440 mil milhões de euros é “suficiente para acudir a países como Grécia, Irlanda ou Portugal, que em conjunto representam menos de 6% do PIB da Zona Euro e cujas necessidades de financiamento conjuntas até 2014 se situam abaixo de 400 mil milhões”, mas não dá para pôr a mão debaixo de Espanha ou de Itália.
“Neste caso, o peso conjunto na Zona Euro sobe para 28% (11% + 17%, respectivamente) e as necessidades de financiamento públicas até 2014 rondam 530 mil milhões de euros (as de Espanha) e 860 mil milhões (as de Itália), ou seja, um total de quase 1,4 biliões de euros!”, adverte.
Chegou a hora dos "eurobonds"?
Os seus cálculos coincidem com os que têm sido divulgados por “think-tanks” europeus que há muito reclamam que a dotação do FEEF seja triplicada e que, paralelamente, defendem que se caminhe firmemente para um modelo de emissão conjunta, ainda que parcial, de dívida pública: as tão badaladas obrigações europeias.
Numa primeira etapa, o próprio FEEF poderá dar rapidamente esse passo, caso seja autorizado a comprar dívida no mercado primário, ou seja, concorrer com os privados no momento em que os Estados colocam novas obrigações no mercado.
A grande vantagem das obrigações europeias é que harmonizaria o preço pago pelos Estados do euro quando estes se financiam. No imediato, travariam o risco de mais crises de liquidez e, no longo prazo, criariam condições de financiamento mais equipáveis para países como Portugal ou Grécia que, de outro modo, se arriscam a ver o seu estatuto de periféricos cristalizar-se indefinidamente.
Só que esta harmonização, se significa uma redução do custo de financiamento para os periféricos, tenderá a traduzir-se, em contrapartida, em taxas de juro mais elevadas para países como a Alemanha. E é aqui que a “porca torce o rabo”.
Ansgar Belke, professor de economia na Universidade de Duisburg-Essen e director do departamento de análise do instituto DIW, calcula que esta transferência de custos signifique que, anualmente, a Alemanha tenha de pagar mais 15 mil milhões de euros para se financiar, por comparação com a situação actual, em que é – de longe – o país a quem os investidores exigem menos juros.
Citado pelo “Der Spiegel”, o economista chega à conclusão que, em dez anos, esta factura será bem mais pesada do que a resultante de planos de ajuda que tenham de eventualmente ser garantidos a mais países do euro.
"União de transferências"? Jamais!
Estas hipóteses e cálculos são, no entanto, muito contestados pelos adeptos das obrigações europeias que alegam que a criação deste novo produto financeiro, num mercado menos fragmentado e com os Estados Unidos também mergulhados numa severa crise, faria do euro uma verdadeira moeda de reserva – designadamente para os países asiáticos e do Médio Oriente, que estão a ser forçados a reduzir a sua exposição ao dólar.
No cenário ideal, obrigações europeias trariam mais investidores à Zona Euro e, logo, taxas de juro mais baixas. Até mesmo para a Alemanha.
Dificilmente, porém, uma proposta desta natureza passaria por Berlim sem ser catalogada como um passo de gigante para o "abismo" – léxico que, além Reno, significa por estes dias "União de transferências", ou seja, suportar dívidas de quem não soube viver à medida das suas possibilidades. Com eleições gerais marcadas para 2013, será que Angela Merkel dará uma oportunidade às "eurobonds"?