Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

O problema de Portugal não é um Estado grande: é não saber crescer

Daniel Traça e José Félix Ribeiro, dois economistas convidados pelo Fórum da Competitividade para debater o crescimento no pós-troika, coincidem no diagnóstico: Portugal tem de enfrentar a globalização e melhorar a produtividade.

Bruno Simão/Negócios
23 de Setembro de 2014 às 19:34
  • 23
  • ...

Portugal virou as costas à globalização no final dos anos 90 e identificou mal os desafios e as oportunidades dos últimos 15 a 20 anos. Foi como que um surfista que treinou muito em terra, mas não soube aproveitar as ondas quando se fez ao mar. E esta incapacidade de crescer é o principal problema e o principal desafio do País. Mais que uma vítima de um Estado grande ou de políticas macroeconómicas inadequadas, Portugal é, acima de tudo, uma economia que não soube crescer e aproveitar a globalização. 

 

O diagnóstico é partilhado por Daniel Traça e José Félix Ribeiro (na foto), os dois economistas convidados pelo Fórum para a Competitividade para a conferência que organizou terça-feira sobre a "necessidade de um crescimento robusto para o post-troika". Daniel Traça, professor na Universidade Nova e membro do Conselho de Administração da CGD, tomou da palavra primeiro, e centrou a sua apresentação na defesa de que o principal problema nacional foi a sua incapacidade de crescer neste século.

 

Segundo os dois economistas, foi por esta inabilidade que o desemprego disparou desde a entrada do euro, que a dívida externa do País aumentou e que as contas públicas saíram de controlo, deixando o País numa situação de extrema fragilidade quando a crise das dívidas soberanas bateu à porta, precipitando uma crise interna que estava à espera de acontecer. Um exemplo: se entre 2001 e 2010 Portugal tivesse  crescido na média do crescimento das economias comparáveis europeias, a dívida pública no final de 2013 estaria nos 66% do PIB, ou seja quase metade dos 123% que efectivamente se verificaram, estimou Daniel Traça.

 

"O imperativo do crescimento é fundamental, para poder pagar salários mais altos, e é fundamental para recuperar a estabilidade da nossa posição em termos de défice e dívida públicas", afirmou o economista, que seguiu para justificar o mau desempenho com a aposta errada do País nas indústrias não transaccionáveis, tipicamente serviços com menor produtividade e sem potencial exportador.

 

"Portugal voltou as costas à globalização", continuou, considerando que o País "pôs os seus recursos em indústrias protegidas da concorrência internacional", nomeadamente colocando "todo o seu talento de gestão a gerir trabalhadores que estão protegidos da concorrência internacional", em sectores como as banca, as telecomunicações ou a energia. Isto tem de mudar, defende. Portugal precisa de ter os seus melhores gestores e recursos em actividades que tenham "toda a sua cadeia de valor sujeita à concorrência internacional".

 

"É preciso repor o crescimento", reforçou, defendendo a urgência de uma política de médio prazo assente na promoção da produtividade e na aposta por um combate num ambiente altamente concorrencial. "É preciso uma agenda de longo prazo com dois objectivos fundamentais: aumentar a produtividade e ganhar o embate da globalização", terminou, reconhecendo que, infelizmente, em Portugal sabe-se muito pouco sobre o tema, o que não melhorou nos últimos anos de troika: "A grande omissão [do debate] dos últimos anos foi a questão da produtividade, que é mais complicada" e a mais importante para o futuro do País..

 

Portugal, um surfista na areia

 

José Félix Ribeiro alinhou no diagnóstico de que o principal problema nacional é a sua incapacidade de crescer, o que resulta de uma dificuldade crónica de perceber e dominar os desafios que a globalização coloca a uma pequena economia aberta. Para o especialista é urgente debater e perceber as vagas de investimento e crescimento a nível internacional. Isto porque, defende, "uma pequena economia aberta é como um surfista", isto é, precisa de perceber as vagas que o abalam, para as conseguir aproveitar. E o problema é que Portugal "debate muito a técnica do surfista na areia, mas ignora as ondas".

 

E é aqui que reside o principal problema nacional. "Não fomos inviáveis porque o Estado é grande. A partir do momento em que deixámos de crescer é que o Estado se tornou inviável", afirmou.

 

Para o especialista, que durante muitos anos liderou o Departamento de Prospectiva e Planeamento do Estado, a economia nacional beneficou durante vários anos de vagas económicas positivas (integração na Efta, integração na UE e depois na Zona Euro), mas não soube precaver-se, nem defender-se dos três grande choques negativos que a afectaram a partir dos anos 90 – entregando-se ao marasmo económico na última década e meia.

 

"A China, a Europa de Leste e o choque petrolífero [na primeira década do século] foram choques assimétricos no seio da Zona Euro, atingiram-nos [a Portugal] em profundidade, e todos eles favoreceram a Alemanha" afirmou, defendendo a importância de reagir a estes choques assimétricos com uma estratégia de crescimento, assente nos ganhos de produtividade, mas também no aproveitamento das vagas internacionais e nas vantagens comparativas do País.

 

O economista avançou com quatro prioridades: apostar numa "plataforma de serviços para as empresas multinacionais e desenvolvimento de conteúdos digitais", ser "um fornecedor industrial qualificado e local de desenvolvimento e teste de novas soluções" e criar uma "uma plataforma de acolhimento, lazer e saúde" em termos internacionais.

 

"Temos de nos reposicionar na globalização", afirmou. Se não o fizermos, estamos a dizer que não temos a coragem para aguentar a pressão e que preferimos ser um território que faz parte de um império que, ainda por cima, é um império inexistente: a Europa".

 

 

Ver comentários
Saber mais Daniel Traça José Félix Ribeiro Portugal Zona Euro UE
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio