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O mérito da proposta da Embraer tem que ser avaliado para além do que é o compromisso efectivo

O Jornal de Negócios confrontou a presidente do conselho de administração da Empordef e da Ogma, Rosário Ventura, com um conjunto de questões relativas à privatização da Ogma, depois de ter tido acesso a informação sobre o processo que justificava esses e

01 de Fevereiro de 2005 às 00:55
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O Jornal de Negócios confrontou a presidente do conselho de administração da Empordef e da Ogma, Rosário Ventura, com um conjunto de questões relativas à privatização da Ogma, depois de ter tido acesso a informação sobre o processo que justificava esses esclarecimentos. A presidente da empresa, não só respondeu por escrito ao inquérito do Jornal de Negócios [reproduzido na íntegra no final da notícia] como se disponibilizou para uma entrevista que é aqui reproduzida na íntegra.

Os concorrentes à privatização da Ogma sabiam que, ao assumir o passivo da empresa, o Estado tinha que vendê-la até 31 de Dezembro de 2004, para evitar que 136 milhões de euros fossem contabilizados no défice orçamental. Isto não colocou a Empordef numa situação negocial muito frágil?

Desde o princípio os concorrentes foram muito compreensivos em relação a isso, mas sabiam.

Mais do que compreensivos, seria razão para se sentirem satisfeitos com uma posição negocial reforçada..

Mas pronto. O passivo da Ogma representava 0,1% do PIB e o que estava em causa era conseguirmos cumprir ou não os 3%, depois daquelas receitas extraordinárias todas. Era essa a relevância. Mas o que está em causa aqui é que a privatização não foi feita por causa disso, a operação foi feita porque faz sentido para a Ogma. Sem a privatização, a Ogma corria o risco de ficar isolada e não encontrar clientes estáveis. Por outro lado, o interesse foi também o de fazer crescer a Ogma e aumentar a sua internacionalização.

Por isso, o objectivo essencial não era o preço das acções. Houve desde o início uma clara opção por um projecto em detrimento de um preço. Ainda assim, conseguimos uma proposta que valoriza a Ogma em 17,5 milhões de euros, quando tínhamos uma avaliação do nosso consultor que ultrapassa pouco os 14 milhões. É uma proposta que, apesar do preço não ser o nosso principal critério de avaliação, foi muito significativa. Portanto, quando as pessoas perguntam porque é que o preço é tão baixo?

...Quando o Estado assumiu um passivo de mais de 136 milhões de euros, o que permitiu que a empresa apresentasse um balanço já muito simpático em 2003...

Apresentou um balanço simpático em 2003, com uma situação líquida em torno dos 60 milhões de euros. Mas há aqui variadíssimas coisas que devem ser tidas em conta. A primeira é que o Estado não vendeu a Ogma como ela estava em 31 de Dezembro de 2003. Entretanto, fizemos uma cisão da Ogma e passámos todos os terrenos e edifícios da empresa para uma sociedade imobiliária, que se chama Ogma Imobiliária e é detida a 100% pelo Estado através da Empordef. Esses terrenos foram avaliados em pouco mais de 90 milhões de euros e isso não foi entregue aos concorrentes, que não são donos, nem dos terrenos nem dos edifícios da Ogma. Isto foi importante, porque arriscávamo-nos a vender a Ogma a uma imobiliária, já que nenhuma empresa do sector aeronáutico estaria disposta a pagar o valor justo pela empresa e respectivo património imobiliário. Isto teve implicações no valor da empresa.

O segundo aspecto é que, durante as negociações, e como foi definido desde o início pelo Estado, o grande interesse da privatização era o valor para a Ogma e não o valor para as acções. Por outro lado, estes compradores adquirem 65% da Ogma por 11,4 milhões de euros, mas não têm o controlo absoluto da empresa nas matérias que interessam. Não podem deslocalizar a empresa, não podem cessar actividades, alterar contratos com a Força Aérea Portuguesa (FAP), não podem endividar-se mais que um X, não podem fazer compras dentro do próprio grupo acima de um valor Y, tudo isto sem que a Empordef dê o seu acordo.

Em terceiro lugar, além dos 11,4 milhões de euros, quando o contrato se concretizar, o comprador vai garantir o passivo bancário que a Ogma contraiu junto de um sindicato bancário de 25 milhões de euros. Portanto, o capital que a Airholding põe em risco para 65% do capital da Ogma é 11,4 milhões de euros mais 25 milhões, ou seja, 36,4 milhões de euros, o que já é bastante acima do valor nominal.

Além disso, a Airholding compromete-se a fazer investimentos na Ogma, ambientais e outros, compromete-se a trazer para a empresa pacotes de trabalho adicionais, portanto, o conjunto de todas estas circunstâncias, traduz-se num valor que fica na Ogma e que não é dado pelas acções, nem poderia sê-lo. Qualquer comprador que traz como projecto uma valorização grande das acções não vai, à partida, dar ao vendedor o valor que traz. O Estado privilegiou o valor da empresa em detrimento do valor das acções, mas ainda assim, o valor atribuído às acções superou as nossas expectativas.

É preciso ainda perceber-se que a Ogma saiu de uma falência técnica, está muito melhor, mas ainda não está bem. Este ano, pela primeira vez, teve um EBITDA positivo, mas os resultados operacionais ainda não estão assim. Temos que melhorar bastante.

Alenia oferecia 8,4 milhões

Quanto é que oferecia o outro concorrente?

8 milhões de euros. Por 60%, o que não é equivalente. O concorrente vencedor ofereceu 11,4 milhões por 65%.

A Alenia queria comprar 60% ou 51% do capital da Ogma?

Queria 60%. Conseguimos melhorar as propostas ao longo da negociação.

O Jornal de Negócios tem a indicação de que a oferta final da Alenia foi de 8,4 milhões de euros.

8,4, exactamente.

O que dava um preço médio por acção de 2,33 euros por acção, comprometendo-se o concorrente a dar mais 2,5 milhões e aumentar o preço médio por acção para 2,79 euros se houvesse uma transacção no prazo de um ano que beneficasse a Alenia?

Pois, mas o contrato não tinha nada a ver com encomendas.

Tinha a ver com pacotes de trabalho. Neste aspecto, o que é que aconteceu?

A Embraer e a EADS comprometeram-se contratualmente a trazer uma série de pacotes de trabalho, dos quais não assumiram compromissos de valores em relação a alguns deles. Isto porque os pacotes de trabalho têm uma penalidade, se não forem concretizados. O Jornal de Negócios teve acesso a uma versão do contrato que não foi a que foi assinada. O jornal teve a indicação de que há uma limitação da indemnização de 30% do preço pago por 65% das acções, e este foi um dos ganhos negociais que tivemos. Não há qualquer limitação, se o pacote de trabalho não vier, a indemnização é o lucro líquido que esse pacote de trabalho tiver estimado.

E não considera o valor da indemnização demasiado baixo?

Há aqui pacotes de trabalho que nós sabemos que eles têm, que querem trazer, mas que não quiseram quantificar. E não o quiseram fazer porque não têm a certeza absoluta de os trazer, e não quiseram estar a sofrer penalidades por isso. Isso é compreensível, decidiram que em relação a alguns iriam assumir penalidades e que não o iriam fazer em relação a outros. A minha convicção é que este consórcio, e designadamente a Embraer, vai trazer muito mais coisas do que aquilo a que se comprometeu neste contrato. Isto porque a Embraer não tinha interesse em colocar todo este capital de risco na Ogma, se não fosse para vir fazer crescer a empresa. Nas várias reuniões que temos tido, eles têm dado como exemplo o caso da Embraer. A empresa foi privatizada há exactamente dez anos, estava na altura numa situação pior do que a Ogma, de falência mesmo, chegou a um nível mínimo de pouco mais de três mil trabalhadores e vendia trezentos milhões de dólares. Passados dez anos, a Embraer vende três mil milhões de dólares e tem quinze mil trabalhadores. Isto é o passado deles, que dá uma perspectiva do que podem fazer na Europa e acho que é o querem fazer, a partir de Portugal. A Embraer não se compromete com esta ambição contratualmente, mas não está a investir na Ogma para vender o mesmo que vendia. O mérito da proposta tem que ser avaliado para além daquilo que é o compromisso efectivo.

Está a dizer que houve um acto de fé do vendedor, quando adjudicou o concurso à Embraer?

Um acto de fé não, houve um acto de avaliação. Avaliámos as duas propostas, tivemos um consultor financeiro, um consultor jurídico, tivemos uma comissão de acompanhamento constituída por três elementos que apreciaram favoravelmente a proposta por unanimidade...

A avaliação de que fala tem como referência o compromisso de vendas da Embraer na ordem dos 40,2 milhões de euros nos próximos cinco anos.

Mas não é 40,2 milhões de euros!

Então quanto é?

O valor das vendas é muito superior a isso. O que está a dizer é a parte específica a que a Embraer se comprometeu no montante total foi 40 milhões. Mas depois a EADS comprometeu-se com outro montante. É certo que o interesse da EADS na Ogma não é ..., aliás como prova a percentagem com que eles ficaram, 1% da empresa que ficou com 65% da Ogma, ou seja, indirectamente, eles têm 0,65% da Ogma. Naturalmente, a EADS ficou com a possibilidade de aumentar essa participação, existe um acordo entre os dois membros do consórcio Airholding que nós não o conhecemos. Sabemos apenas que a participação da EADS pode ascender a 30% dos 65% e que a Embraer será sempre maioritária. Mas as participações podem ser diferentes. A troca é livre entre os dois membros, mas contratualmente a Airholding compromete-se a manter as acções da Ogma durante, pelo menos, cinco anos.

Pacotes de trabalho 22 milhões por ano

Vamos então aos pacotes de trabalho da EADS. A EADS compromete-se com vendas na ordem dos 81,7 milhões de euros em cinco anos, um montante duas vezes mais alto que o oferecido pela Embraer, apesar de apenas garantir à partida 0,65% do capital da Ogma, e, pelos vistos, sem medo de penalização por incumprimento...

Ouça, o que tenho a dizer é em relação aos pacotes de trabalho que eles ofereceram é o que nós temos anunciado. É que o compromisso é de um conjunto de facturação médio acrescido para a Ogma nos próximos cinco anos de 22 milhões de euros/ano. Portanto, nós não aceitámos todos os pacotes deles para efeitos de valorização.

Imagino que nem pudessem. Aliás, havia pacotes que nem faziam qualquer sentido!

É verdade. Portanto, nós não quantificámos todos. O que quantificámos foi um acréscimo de vendas total de 100 milhões de euros. O Jornal de Negócios teve acesso ao que foi a proposta deles, outra coisa é a nossa avaliação da proposta deles e o que foi o contrato final. A nossa avaliação da proposta deles é que temos um compromisso para 100 milhões de euros nos cinco anos e não para os 160 milhões que o jornal refere. Quando comunicámos que seriam 20 milhões/ano de acréscimo de vendas é porque não quantificámos tudo. Embora, como digo, a proposta é muito superior a isto. A proposta da Embraer é muito superior ao que foi quantificado.

A Empordef questionou os pacotes de trabalho ligados à Sogerma, assim como os pacotes de trabalho associados à eventual compra dos helicópteros ligeiros EC-635 e ao programa de substituição dos helicópteros Aloutte III...

Esses eram diminutos e foram logo excluídos.

É provável que EADS não saia do consórcio

O facto é que foram inscritos, ainda que questionados. E confirma ou não o grande "se" da EADS, isto é, que o contrato prevê que, "se" a FAP ou o Estado português não adjudicar à EADS o programa de substituição dos Aviocar, a EADS sai da Ogma?

Primeiro, eu não posso dizer que a EADS sai da Ogma. Se o Estado não adjudicar, a EADS pode sair. Mas tem 1% de 65%, é provável que não saia.

Mas, se sair, não cumprirá o compromisso relativo aos pacotes de trabalho.

Há outra coisa no contrato muito importante. É que, se um dos membros do consórcio sair, há o compromisso de, pelo menos um dos accionistas da Airholding não poder vender as acções da Ogma durante cinco anos. A questão é que temos no contrato coisas como, "se um dos accionistas da Airholding sair – nunca poderão sair os dois. E, naturalmente, refere-se à possibilidade da EADS sair, mas quem já tem 1% é indiferente sair ou não, e até acho que vai sempre manter-se – o outro assume as responsabilidades de garantir todo o contrato, excepto o for inerente à pessoa do outro accionista.

Assume o montante total de acréscimo de vendas acordado?

Assume as responsabilidades do outro, excepto no que for inerente à pessoa.

Quer traduzir?

Quer dizer que a Embraer nunca pode substituir o nome da EADS no mercado.

Sim, mas o volume em vendas contratado, que é o factor fundamental na avaliação da proposta, é assumido pelo outro concorrente?

Assume o valor que nós avaliamos e que assumimos que é trazido.

Não me respondeu. Se a EADS sair, no caso de não vender os aviões...

A privatização não está condicionada a operação nenhuma. A privatização concretiza-se, independentemente de qualquer futura operação. A autoridade da concorrência aprovando, a operação de privatização fica concretizada e a EADS saia, ou não, a operação faz-se.

A EADS está, por contrato, liberta a decidir a sua continuidade na Ogma, se...

Não! Por contrato connosco, não! Por contrato entre eles e a Embraer... Existe um contrato entre a EADS e a Embraer, um contrato de associação.

Então e a Empordef tem a garantia de que pelo menos um dos sócios da Airholding irá cumprir a totalidade das vendas avaliadas, ou seja, que representa a soma das duas propostas?

Não é a soma. É o que nós avaliámos como sendo. A questão aí está na diferença dos 120 milhões para os 100 milhões, se quiser.

E qual é então a garantia?

A garantia é a de que um assume os pacotes do outro, se este não cumprir, aquele paga no montante dos pacotes de trabalho que não forem trazidos.

Mas o contrato não prevê a existência de responsabilidade solidária.

Não. Cada um tem a sua responsabilidade, há o nome EADS e Embraer. Nós vendemos as acções à Airholding, mas a Airholding é uma sociedade instrumental. Nós exigimos que, embora o adquirente seja a Airholding, esta operação, todos os compromissos, todo o contrato tem que ser garantido pelos accionistas da Airholding e é aí que entram a EADS e a Embraer no contrato. O contrato é de venda da acções à Airholding, sendo que os accionistas da Airholding garantem todos os deveres e obrigações do contrato que a Airholding tiver assinado, na percentagem das suas participações. Temos ainda garantido que, se um deles sair, o outro assume as responsabilidades, todas responsabilidades do que sai, desde que não colidam com as responsabilidades que eram exclusivas do nome do que sai.

E avaliaram este compromisso em 100 milhões?

Avaliámos em 100 milhões de euros em vendas nos próximos cinco anos. Mínimo.

E essa avaliação está feita e formalizada no contrato?

Não. Esta é a nossa avaliação da proposta e aquilo que nós comunicámos.

Podem então, eventualmente, reclamar indemnizações superiores a 100 milhões? Até 120 milhões?

Se os valores forem esses. Eu agora não tenho aqui os valores, mas se diz que os valores são esses, teve acesso às propostas...

A EADS compromete-se ainda a, "se" o programa dos Aviocar lhes for adjudicado, trazer para a Ogma pacotes de trabalho acrescidos aos 81,7 milhões que agora inscrevem. Nesse caso, trará pacotes de trabalho que representam 89 milhões de euros em vendas acrescidas durante um período de cinco anos e 215 milhões de euros em 10 anos.

Mas isso... Como já disse, nós tentámos separar?... Há uma coisa muito importante para essa dúvida. Quem fez a negociação foi a Empordef, naturalmente, sempre sob a tutela do ministro da Defesa, com uma comissão de acompanhamento. Mas o Estado delegou na Empordef e a Empordef não controla a compra de aviões.

Garante que em nenhuma parte do contrato se manifesta que, se a EADS vencer o programa de substituição dos Aviocar, a empresa se compromete com acréscimos de vendas da Ogma de 89 milhões de euros em cinco anos e 215 milhões em dez anos?

Não. Neste operação, não. As contrapartidas do programa de substituição dos Aviocar são adicionais a esta operação.

Mas foram consideradas?

Estão consideradas no contrato de contrapartidas para o avião, que é diferente. Não neste contrato.

Garante que em lado nenhum no contrato de privatização da Ogma, nos anexos, incluindo o acordo parassocial, ocorre qualquer referência a acréscimos para a Ogma de 89 milhões de euros de vendas resultantes de contrapartidas a cinco anos e 215 milhões de euros em vendas num período de dez anos, se a EADS vencer o programa de fornecimento dos 12 aviões C-295 que poderão substituir os Aviocar?

Isso não está lá. Não foi considerado. O contrato não tem nada de contrapartidas. O que posso dizer é que conhecemos a proposta de contrapartidas da CASA para efeitos do Aviocar, mas conhecemos como Ogma, não está nisto. É acima disto. O Aviocar não está no contrato. A Empordef tinha o mandato claro de encontrar um parceiro para a Ogma e foi isso que fez. A Empordef não podia e não pode..

...não tem competência para adjudicar este tipo de concursos. Assim como um Governo de gestão não pode decidir sobre vencedores de concursos de compra de armamento.

Não seria a primeira vez...

Nunca aconteceu a decisão sobre o vencedor. Se está a referir-se ao contrato dos helicópteros EH-101, o que aconteceu foi formalização de uma adjudicação que tinha sido decidida por um Governo em plenitude de funções. É substancialmente diferente. Mas estava a dizer que a Empordef tentou separar as duas operações...

Tentámos, não! Conseguimos separar as duas propostas. Isto para a Ogma, o que significa de bom é que ambas as operações trazem contrapartidas para a Ogma. O Estado português tem ainda em cima da mesa as duas propostas de vendas de aviões, com contrapartidas para a Ogma [associadas a essa compra], e quando o Governo comprar, essas contrapartidas acrescem ao que estamos a falar. Essas contrapartidas não estão aqui.

O perdedor da privatização pode vir a ser o vendedor dos aviões

Ou seja, aplicar-se-á na íntegra o regulamento das contrapartidas?

Exactamente. Tudo o que nós conseguimos agora na operação de privatização não tem a ver com o avião [12 aviões]. E o Governo é livre de escolher qual o avião que quer comprar. Ambas as propostas para a privatização eram firmes para a Ogma, independentemente do avião. A compra do avião só representa boas notícias para a Ogma, qualquer que seja o vencedor.

E que margem de manobra tem o Estado para atribuir o concurso da substituição dos Aviocar ao perdedor no concurso de privatização da Ogma? O que é que isso significa?

Nada. O perdedor da privatização pode vir a ser o vendedor dos aviões e, nesse caso, trará contrapartidas para a Ogma.

Mas um dos parceiros do consórcio vencedor ir-se-á embora.

Pode ir ou não. A margem de manobra do Governo é total. Se sair um, temos as contrapartidas do outro. Ambos apresentam contrapartidas, que serão aliás, um factor de decisão em relação às propostas.

O mais aliciante da proposta de privatização vencedora não passa pela possibilidade de a EADS vir a alcançar os 30% dos 65% da Ogma alienados?

Não. Se quer que diga, acho que a proposta é aliciante, mesmo que a EADS saia. Para nós, o accionista de referência, ainda que a EADS venha a ter 30% dos 65% alienados, portanto 18% do capital da Ogma, é a Embraer, que é quem tem os 47% do capital. A Embraer é o accionista de referência da Ogma.

Mas a saída da EADS coloca em risco a manutenção da valência de fabricação da Ogma.

Não. Porque se a EADS sair completamente, é, como diz, porque o Estado atribui o avião a outro. E o outro tem contrapartidas na área da fabricação. Se [a EADS] perder o Aviocar, é porque serão os outros [Alenia] a ganhar, porque só há dois concorrentes ao Aviocar, a Alenia/Finemeccanica e a EADS/CASA. Se a EADS perder a proposta, é porque ganhou o outro e se ganhou o outro, a Ogma garante contrapartidas muito importantes na área da fabricação. Em conclusão, pergunta, é muito importante a EADS ficar para que a Ogma continue com pacotes na área da fabricação? Não. Porque, quer ganhe um ou outro, nós temos esses pacotes na área da fabricação. É essa a questão e a Ogma não tem qualquer preferência. O concurso é perfeitamente livre e está a ser apreciado tecnicamente, sem nenhuma condicionante.

Em quanto é que avaliaram os pacotes de trabalho da Alenia?

Não sei de cor. Os pacotes de trabalho da Alenia eram muito interessantes também, aliás, quando disse que as duas propostas estiveram renhidas até ao fim...

O Jornal de Negócios teve a indicação de que a Alenia/Finmeccanica ofereceu 128,5 milhões de euros. Estava a tentar fazer a comparação com a avaliação que a Empordef fez dos pacotes da Airholding, na ordem dos 100 milhões de euros.

Era mais ou menos a mesma coisa, só que com uma componente muito diferente. Eram pacotes que precisavam de muito mais investimento. Fizemos a avaliação líquida dos pacotes de investimento que eram precisos, sem que fosse necessário o reforço do capital da empresa. A avaliação global da proposta da Embraer foi muito mais positiva do que a da Alenia. A Alenia tinha alguns constrangimentos, embora parte dos pacotes da Alenia fosse também muito interessante. Por isso é que digo que foi muito renhido. Se me perguntassem uma semana antes qual iria ganhar, eu não sabia.

O facto de um dos sócios da Airholding ponderar a venda da sua participação à TAP pesou na decisão?

Não.

Mas foi discutida essa hipótese?

Não está escrita no contrato. Só foram avaliados os compromissos reais. O que nós sabemos é que esse consórcio anunciou publicamente que gostaria de ter um acordo com a TAP, mas isso não influenciou a decisão. Tentámos ter o melhor projecto para a Ogma. Quando for [a privatização] da TAP, de certeza que o Governo vai querer ter o melhor projecto para a TAP. Mas tivemos que resolver uma questão de cada vez.

Pela primeira vez a Força Aérea Portuguesa (FAP) fica sujeita às condições de mercado.

Pela primeira vez, não. A FAP sempre esteve sujeita às condições de mercado. A Ogma era uma oficina da FAP. A partir de 1994, quando foi transformada em sociedade anónima, começou a cobrar os serviços à FAP. A relação que temos com a FAP é privilegiada, a vários níveis. Desde logo, porque a Ogma tem a obrigação estatutária de dar preferência à FAP. Essa obrigação foi salvaguardada neste acordo, no sentido em que garantimos que nunca esse artigo dos estatutos possa ser alterado, sem que o Estado português esteja de acordo. Quem entrar na Ogma sabe que tem que ter a disponibilidade para prestar os serviços à FAP, incluindo a obrigatoriedade de fazer o "upgrade" tecnológico necessário para, em todos os momentos, prestar esse serviço. Essa é a obrigação da Ogma.

Portanto, garante que a FAP não terá que ver o seu orçamento reforçado

A FAP é o nosso cliente preferencial, o que dentro do mercado terá condições mais baixas. Mas serão condições de mercado, ou então a Ogma não terá condições de sobreviver. Aliás, no passado, se a Ogma conseguiu sobreviver, foi porque as condições que deu à FAP não foram as condições de mercado, mas muito acima delas. Sempre que a Ogma tinha algum défice, ou não tinha dinheiro era a FAP que dava o dinheiro, era quem pagava mais pelos trabalhos. Ora, o que queremos garantir é que a FAP não paga mais do que os outros, como já aconteceu no passado. Sempre deu jeito que a FAP fosse um cliente cativo da Ogma.

 

A Airholding declara como pressuposto de contratação o "não exercício, directa ou indirectamente pela Empordef ou Estado, de actividade comercial de manutenção militar". Esta renúncia por parte da Empordef e do Estado não é inconstitucional? Que implicações tem esta renúncia na Defloc? Ou seja, atribuída a exclusividade da manutenção militar aeronáutica à OGMA, não está a Defloc sujeita a encargos acrescidos no caso da manutenção dos helicópteros EH-101, que contratou com o fornecedor Agusta/Westland? E como será a partir daqui, deixa o Estado de poder negociar a manutenção de quaisquer aeronaves militares que vier a adquirir no futuro?

Não há exclusividade na manutenção. Antes de mais temos que perceber que este acordo foi firmado por duas partes que querem continuar a trabalhar em conjunto na Ogma. Temos ainda que perceber que, o novo accionista queira garantir que o Estado amanhã não faça outra Ogma.

E a FAP pode fazer o que os franceses fizeram com os C-130 deles, ou seja, encomendar a manutenção onde quiserem, no caso dos franceses até foi à Ogma.

Mas isso pode. Se a Ogma não for competitiva, a FAP pode mandar arranjar os C-130 onde quiser. O que o Estado se compromete neste acordo é a não criar uma nova empresa que se dedique à manutenção aeronáutica. Não deve.

Mas qualquer empresa do universo da Empordef fica, no âmbito deste contrato, obrigada a fazer manutenção aeronáutica na Ogma.

Não fica nada. O que o Estado não pode é criar uma empresa.

O pressuposto é o do "não exercício, directa ou indirectamente, pela Empordef ou Estado, de actividade comercial de manutenção militar".

O pressuposto é que o Estado não pode criar uma empresa que exerça a actividade de manutenção aeronáutica...

Mas é a expressão "criar uma empresa" que está no contrato?

Teria que ver qual é a expressão que está no contrato. Mas a questão aqui é que a Defloc pode escolher qual a empresa que vai fazer a manutenção [dos helicópteros EH-101]. Não há exclusividade na manutenção. O que a Empordef não pode é criar concorrência à Ogma, mas também não tem interesse, porque continua a ser accionista da Ogma. Portanto, criar uma empresa concorrente seria dar um tiro nos pés. Mas o acordo também não proíbe. O que diz é que o concorrente vencedor toma a decisão [de entrar na Ogma] neste pressuposto, o que não impede que o Estado o faça um dia. Se o fizer, quebra um dos pressupostos da negociação e isso há-de ter alguma consequência jurídica. Mas, se for daqui a vinte anos, ou assim, não tem nenhuma consequência jurídica. Se houver um pressuposto da negociação quebrado, as partes terão depois que discutir novamente os pressupostos, mas o Estado não está impedido de os quebrar.

Depois de consultar o contrato, Rosário Ventura confirmou que:

Por acaso, não está escrita a expressão "criar empresa". Mas o espírito sempre foi "criar uma empresa". Diz no contrato "o não exercício, directa ou indirectamente, pela Empordef ou pelo seu accionista, da actividade comercial de manutenção". Mas a Empordef não faz actividade comercial de manutenção e a Defloc não faz actividade comercial de manutenção. A Defloc é proprietária de 10 helicópteros [EH-101], e como proprietária pode contratar a manutenção para esses 10 helicópteros. Não comercializa a actividade de manutenção, pode contratar actividade de manutenção e pode contratar na Ogma ou a outro. Quer a FAP, a Empordef ou a Defloc hão-de ter sempre interesse em que seja a Ogma, porque está aqui ao lado, porque se pode supervisionar, porque é uma empresa portuguesa, por todas as razões. Agora, se um dia a Ogma começar a praticar preços disparatados, naturalmente, a Defloc ou a FAP são livres de ir para outro sítio. O que aqui diz é que o Estado não vai criar uma empresa que faça concorrência à Ogma. Não fazia sentido nenhum mas, ainda assim, pode fazê-lo.

Acho que este contrato é muito equilibrado. Ganha o Estado português e os trabalhadores da Ogma, ganha a FAP porque se defende as suas posições, ganha ainda o Estado enquanto promotor da indústria portuguesa, porque garante que fica em Portugal uma indústria muito relevante, com um crescimento potencial muito significativo, com um bom parceiro, e ganha a Embraer, porque tem o seu ponto de expansão muito importante na Europa, em relação ao qual eles estão muito entusiasmados. A EADS tem uma percentagem menos relevante, não sei se ganha ou se perde, mas, de facto, o consórcio, para nós, é a Embraer.

A EADS pagou para ver.

Também não pagou muito, não é? 1%. Mas o meu ponto é esse, como a EADS não pagou muito, vai querer ficar. A EADS não pagou muito para ter esta posição, que é importante para eles no Aviocar, naturalmente, mas também para o futuro.

As fórmulas de revisão do contrato defendidas pelos dois concorrentes distinguem-se crucialmente quando propõem revisões por comparação de contas de 31/12/2004 estimadas e de 31/12/2004 reais (no caso da Alenia) e revisão por comparação entre as contas em Setembro de 2004 e as contas da data de fecho – tomada de controlo (no caso da Airholding). Porque é que a referência foi a das contas de Setembro de 2004. Como é que foram feitas, qual o ROC que as certificou, e como é que surgem como referência para este negócio?

As contas de Setembro foram feitas como são feitas todas as contas na Ogma. Todos os meses fechamos contas, fechamos o balanço, fazemos a demonstração de resultados. As contas de Setembro foram iguais a outras. A questão é que, normalmente, só conseguimos fechar contas no dia 15 do mês seguinte. Portanto, fechámos as contas de Setembro no dia 15 de Outubro. Quando fizemos as negociações finais, só tínhamos disponíveis as contas de Setembro.

A Empordef ou a Ogma não fez nenhum relatório de avaliação das contas nem houve certificação. Temos o hábito de fazer uma auditoria anual, sempre no fim do ano, e uma revisão intercalar em Junho. Fizemos essa revisão e estamos a preparar a auditoria do fim do ano. Em Setembro não fizemos nada disso, mas disponibilizámos as nossas contas, até porque os concorrentes, quando apresentaram as propostas em Agosto, era com base nas contas de Abril e de Abril até Setembro tinha havido uma evolução. Eles quiseram, quando actualizaram as respectivas propostas, ter as contas mais recentes. Portanto, disponibilizámos as contas de Setembro e mostrámo-nos abertos a que fizessem uma auditoria, se o entendessem. Foi o que qualquer um dos concorrentes fez. No final, cada um apresentou uma fórmula de revisão de preços substancialmente diferente, como [o Jornal de Negócios] apontou, mas não sei porquê.

[O contrato prevê na revisão por comparação entre contas Setembro 2004 e contas da data de fecho (tomada de controlo) que, se dívida líquida da Ogma for superior a 30.9.2004, a Empordef paga 65% e, se for inferior, a Embraer/EADS paga 65%, por outro lado, se o Fundo de Maneio Líqudo for inferior a 30.9.2004, Empordef paga 65% e, se for superior não há compensação] Vai ou não haver reembolsos e de que parte?

De Setembro para Dezembro, os nossos resultados cresceram e a minha perspectiva é que vamos receber mais.

Um "business plan" é sempre uma ferramenta negocial chave de um vendedor. Qual foi a ideia de solicitar um "business plan" aos concorrentes?

A resolução do Conselho de Ministros nº 76/2004 estabelece os termos em que deve ser feita a privatização da Ogma e estipula a exigência aos concorrentes de uma série de informações. Uma das informações que é prevista é a solicitação de um plano estratégico para a Ogma, o qual deve incluir as projecções económico-financeiras. Foi isso que os concorrentes apresentaram no dia 16 de Agosto. Aconteceu que, com as negociações, fomos conseguindo mais trabalhos e essas propostas de 16 de Agosto, com os respectivos anexos, que incluíam as projecções financeiras, ficaram desactualizadas. Por isso, dissemos, depois das negociações, que gostaríamos de ter novas propostas com tudo o que havíamos negociado e, naturalmente, pedimos também um "business plan", porque o primeiro já tinha sido alterado. As negociações implicaram alterações às projecções, que resultaram melhores que as iniciais. Por outro lado, pedimos novos "business plan", porque era aí que estavam os pacotes de trabalho adicionais. Era um dos elementos constantes da proposta que necessitávamos de actualizar, havia outros que não precisavam. Portanto, a importância do "business plan" deles era importante, porque nós não estávamos apenas a vender acções, estávamos a vender acções em troca de compromissos que se traduzem em projectos industriais, tínhamos que conhecer os planos dos concorrentes.

O novo accionista "aceita que os suprimentos Empordef sejam convertidos em capital social ao valor nominal". De que suprimentos estamos a falar?

Trata-se de 5,8 milhões de euros de suprimentos que a Empordef tem na Ogma. A Ogma quando crescer provavelmente irá precisar de aumentar o seu capital. Tentámos garantir que, em vez da Empordef entrar nesses aumentos de capital em dinheiro, possa converter os suprimentos que tem em capital. Isso foi aceite por eles e para nós evita ao Estado ter que colocar dinheiro na Ogma para o crescimento da empresa, pelo menos até aos 5, 8 milhões.

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