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O dia que ninguém espera

Cláudia Rei tinha aulas à tarde. Nando de Carvalho e Luís Mendes tinham sessões de trabalho pela frente. Ao final do dia, João Vaz voltava para Portugal. Mas o dia 11 de Setembro de todos eles não correu como previsto.

O dia que ninguém espera
11 de Setembro de 2011 às 00:01
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Numa papelaria, no metro, no escritório, no mecânico. À hora a que o primeiro avião ia contra uma torre do World Trade Center, alguns portugueses começavam o dia em Nova Iorque. Um dia que ainda hoje conseguem descrever.

Luís Guerreiro já estava no trabalho quando o primeiro avião embateu. Falava ao telefone com um colega. Ouviu um estrondo e, pela janela, viu uma "mancha negra" no cimo do World Trade Center.

"Estamos a ser atacados": estas foram algumas das palavras que começou a ouvir. O pânico apoderou-se de quem estava à volta. O responsável pela continuidade de operações de uma entidade bancária teve de manter a calma. Ligou para a mulher, funcionária do Lehman Brothers, que estava numa das torres atacadas. Foi Luís quem lhe disse que o prédio estava a arder.

Foi igualmente o World Trade Center em chamas que Nando de Carvalho viu quando foi evacuado do metro. Passado algum tempo, a torre estava a cair. Um desabamento em "câmara lenta". O jovem que estava há pouco mais de um ano na "Big Apple" ficou "paralisado". A primeira reacção de Nando foi a de telefonar. Precisava de dizer aos pais que estava bem.

João Vaz também precisava de telefonar. Mas para dizer que ia trabalhar. Um ataque terrorista às míticas torres nova-iorquinas era um tema que um jornalista não podia perder. Não podia perder a imagem de várias pessoas com mini-televisões nas mãos, a assistirem por um ecrã àquilo que estava a acontecer à sua frente.

Foi também de perto que Luís Mendes assistiu ao 11 de Setembro. Não ao ataque em si, mas sim aos trabalhos de remoção. Pelas 14 horas, um carro de polícia foi buscá-lo para que pudesse passar para a região da cidade cuja passagem estava já barrada.

Escombros em pé, bombeiros à procura de corpos, pânico, caos e fumo são os elementos de que Luís Mendes se lembra em toda aquela "cena surrealista". Durante aqueles dias, o português recorda que as pessoas ajudavam no que podiam. Queriam dar água, mantimentos.

A solidariedade é, aliás, um tema que recordam os portugueses com quem o Negócios falou e que estavam em Nova Iorque naquela data.

Cláudia Rei, portuguesa a estudar na cidade, assistia a essa unidade nos "e-mails" que se trocavam. Havia quem oferecesse a sua casa a quem não conseguia regressar à sua residência naqueles dias.

Duas semanas depois, outro português, Hugo Gonçalves, chega a Nova Iorque e nota precisamente essa diferença. Os nova--iorquinos estavam mais dados uns aos outros. Reparou, contudo, que havia feridas a sarar: estavam mais apreensivos.

O medo prolongou-se. Como se prolongou a reconstrução. Luís Mendes, responsável pela limpeza, tornou-se também um dos encarregados por recuperar a zona. "Pensava que a remoção era o trabalho que mais me tinha desafiado. Afinal não. Limpar é fácil. Reconstruir e organizar é complicado", resume Mendes, dez anos depois do dia em que soube no mecânico que um avião tinha atacado o World Trade Center.



Filipe Oliveira
Director no Barclays

Furacão? Tornado? Ataque nuclear? Praxe? Filipe Oliveira não sabia o que tinha levado um grupo de 100 a 150 pessoas, onde se incluía, para a cave da faculdade. Afinal, o dia de apresentação dos estudantes tinha começado há apenas 15 minutos.

Durante cinco horas, as dúvidas permaneceram dentro daquela sala com pouca luz. Os estudantes canadianos e europeus pensavam que aquilo fazia parte de uma praxe. Os estudantes americanos garantiam: "Não. Isto não é normal".

A cave era apenas utilizada em casos extremos.

Uma senhora distribuía comida, mas ninguém tinha apetite.

Só pelas 15 horas é que a polícia trouxe novidades. Contou que um avião saído de Boston tinha embatido no World Trade Center. "Toda a gente começou a chorar, a pensar que era o Armagedão", conta o luso-americano que sempre viveu nos EUA e que está há alguns meses em Londres, a trabalhar no Barclays.

Os alunos, acompanhados pelos pais, começaram a sair da cave. Filipe também estava ao lado do pai. Todos começaram numa "correria" para os carros. Queriam sair da cidade. O trânsito ficou congestionado. Houve quem conduzisse por cima dos passeios.

O estudante e o pai deixaram o carro na estrada. O objectivo era caminharem até casa. Ficaram-se por um hotel, porque era difícil percorrem a pé toda a distância. Filipe não conseguiu contactar a mãe no dia 11.

Foi no hotel que viu as primeiras imagens do ataque terrorista. O pai, pouco dado a emoções, estava emocional. Foi nessa altura que Filipe ficou chocado.

Pelas 21 horas, as notícias indicavam que Bin Laden tinha sido o responsável pelo ataque. "Ouviram-se pessoas na rua a ficarem histéricas pela revolta", contou.

No dia seguinte, o carro tinha sido rebocado. E também só no dia 12 é que o estudante conseguiu falar com a mãe, através de uma cabine telefónica do hotel.

Apenas duas semanas depois, começou a faculdade de Filipe. Sem direito às festas de início de ano.



Luís Guerreiro
Bancário

"Quando olhei pela janela, de onde via a Estátua da Liberdade e as torres, vi uma mancha negra no topo do edifício do World Trade Center", recorda Luís Guerreiro ao Negócios. Pensou que fosse uma explosão num gerador. Nunca o embate de um avião.

O dia de trabalho tinha começado há pouco tempo. Luís Guerreiro estava ao telefone com um colega de outra instituição financeira. Ouviram um estrondo. O que estaria a acontecer?

Luís Guerreiro era o responsável pela continuidade de operações e segurança do banco em que trabalhava. Tinha de manter a calma. Difícil quando uma senhora se agarrou a ele a dizer que o filho estava na torre. Difícil quando se começou a ouvir "estamos a ser atacados". Difícil quando a sua própria mulher estava no World Trade Center. Foi Luís Guerreiro quem ligou à mulher a dizer que algo se tinha passado no edifício.

Estava "altamente nervoso", mas tinha de sair de Nova Iorque para Nova Jersey. Tinha de assegurar a continuidade do funcionamento do banco. Não conseguia conduzir. O rapaz que o conduzia estava igualmente nervoso.

Luís lembra-se de ver pessoas empilhadas em cima de carros, de prédios. De pessoas a tentarem falar umas com as outras ao telefone. Muitos tiravam fotos.

"Não estávamos habituados a lidar com isto", diz Luís Guerreiro. "Senti raiva. Foi um sentimento de roubo", confidencia. O seu primeiro emprego quando chegou aos Estados Unidos era, precisamente, no World Trade Center, comenta.



Cláudia Rei
Professora

Naquela manhã, o acordar de Cláudia Rei foi diferente. O despertar, como habitualmente, foi com a rádio. Mas, em vez de música, ouviam-se conversas. As pessoas falavam. Ensonada, não se apercebia bem sobre o quê.

Era dia de faculdade, mas a estudante acabou por não sair de casa. Na televisão, viu o segundo embate a uma das torres do World Trade Center. Depois informaram os nova-iorquinos para não se dirigirem para a Baixa. Foi isso que fez. Ficou em casa. Daí viu tudo, pela televisão.

"Conseguia processar a ideia do incêndio. Mas não a de que aquilo estava a ruir como um castelo de cartas. Cai uma, caem duas. É como se caísse tudo aquilo em que uma pessoa acredita", exprime Cláudia ao Negócios.

Aquelas duas torres tinham um significado especial para a actual professora. A estação do World Trade Center era onde fazia o transbordo entre o comboio e o metro para ir para a faculdade. Perto daquela zona, o comboio sobe à superfície e era possível ver as torres. "Foi algo do meu mundo que se foi embora. Foi muito complicado".

Durante meses, a poeira passou a ser um cenário daquela zona. Nos meses seguintes, voltou a andar a pé perto da zona quando estava numa visita de estudo.

"Lembro-me do cheiro esquisito, daqueles cheiros industriais, de amoníaco. Nem sequer nos aproximámos, mas aquele cheiro...", descreve.

Continuou a ir de comboio e metro para o mestrado que estava a frequentar na Universidade de Nova Iorque. Agora, já não via as torres. Viam-se as escavações por debaixo do local onde estiveram.



Nando de Carvalho
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O metro parou uma estação antes do esperado. A informação era para evacuar. Nando de Carvalho saiu do metro e foi aí que se apercebeu: tinha uma "vista perfeita para as duas torres". Naquela esquina, começaram as conversas sobre o que poderia ter acontecido. Pouco depois, cai o prédio. "Fiquei um bocadinho paralisado", conta o português.

"Queria ligar aos meus pais para dizer que estava seguro", conta. Os telemóveis não funcionavam. A fila de cinco pessoas numa cabine não o demoveu. Deixou mensagem.

Foi para o escritório. De lá, podia ligar a mais pessoas, com mais calma. Quando chegou, em vez dos 15 colegas que habitualmente já lá estavam àquela hora, encontrava-se apenas um.
A decisão de Nando foi a de sair de Nova Iorque. Não havia transportes. Foi a pé. Viu que "o mundo tinha mudado". A cara das pessoas "sem emoções". "Ninguém ria, ninguém chorava".

Conseguiu apanhar um comboio, por volta das 16 horas. "Nem verificaram os bilhetes". A prioridade parecia ser a de deixar que as pessoas saíssem de Nova Iorque.



João Vaz
Jornalista

O dia de João Vaz começou numa papelaria. Estava a ver como eram os jornais portugueses de Newark. Foi lá que soube que um avião tinha ido contra uma torre. Apanhou um carro para a região mas o túnel estava encerrado. Não se pôde aproximar.

Entretanto, a torre caiu. Ao fumo cada vez mais intenso, juntou-se a poeira. Tudo aquilo parecia "um vulcão" para João Vaz. Seguiu-se a confusão nas ruas, o pânico, o desespero dos preocupados com familiares.

A adrenalina levou o jornalista a ligar, de uma cabine telefónica, à redacção do "Correio da Manhã", onde trabalhava.

Ia escrever, na primeira pessoa, o que se estava a passar. Afinal, a viagem em que ia apenas participar no lançamento de um jornal português em Newark não seria apenas de "ir e vir". Havia muito para contar - o jornal lançou até uma edição especial ao final da tarde.

Momentos depois do ataque, no céu "absolutamente limpo", já não circulavam aviões. Os que estavam no ar tinham sido desviados para não sobrevoarem Nova Iorque. De repente, aparece um avião militar. Veio o silêncio. Depois, o aplauso. Aquele avião "era um amigo", após o ataque dos aviões inimigos, conta João Vaz.

Nos dias que se seguiram ao 11 de Setembro, foi a união dos americanos que marcou o jornalista: os seguranças, militares e polícias que andavam nas ruas. Eram servidos gratuitamente nos restaurantes; as pessoas que circulavam com sacos enormes para que lhes dessem dinheiro para ajudarem a reconstrução; a confiança de quem lhes entregava dólares; as janelas com bandeiras americanas.

O regresso foi no dia 15. Se dependesse de si, João teria ficado mais tempo.

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