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Hans-Paul Bürkner: "Europa tem de sair da ideia de que o futuro está atrás"

O responsável na Boston Consulting Group defende, em entrevista ao Negócios, que a Europa precisa de contrariar os efeitos económicos e emocionais de uma população envelhecida que “investe mais no passado do que no futuro”.

Bruno Simão
29 de Outubro de 2015 às 22:00
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Hans-Paul Bürkner, agora presidente da Boston Consulting Group, foi o CEO da consultora internacional entre 2004 e 2012. Hoje continua a aconselhar clientes por todo o mundo. Esteve em Lisboa para celebrar os 20 anos da empresa em Portugal e falou ao Negócios durante uma hora, revelando-se um interessado e defensor das vantagens globalização e das suas transformações e um apoiante da estratégia europeia anti-crise sem receio de criticar a Grécia, mas também os que no Velho Continente insistem em preferir o "status quo" à ambição de abraçar as oportunidades. 

Se um cliente ou um amigo lhe pedissem um conselho sobre um investimento em Portugal o que lhes diria?

Em primeiro lugar olharia para o que ele teria para oferecer e se existe procura. Se houver, será importante saber se tem capacidade para se diferenciar dos concorrentes. Não importa ser apenas melhor, é preciso ser diferente. Finalmente, terá de perceber se o investimento é realmente bom. Muitas vezes a questão não é tanto saber se existe uma oportunidade, mas saber como é que ela pontua face a outras, noutros países, noutras partes do mundo. Um grande estrangulamento é o tempo e o esforço que são limitados.

Em Portugal fala-se muito dos custos de contexto, por exemplo tribunais lentos. Estes são factores importantes?

Se é uma grande empresa pode ligar com a burocracia porque tem as pessoas e os departamentos para lidar com isso. Se é uma empresa pequena então precisa de ter cuidado. No Sul da Europa é ainda difícil abrir negócios, embora Portugal e Espanha tenham feitos esforços significativos. Itália está talvez pior e a na Grécia a situação é particularmente difícil.

Na Europa ganhámos uma ideia de direitos adquiridos, com benefícios de governos desde o berço.

Baixar os salários é um instrumento importante para ganhar competitividade?

O nível de salários em Portugal comparado com a Europa é relativamente baixo. Uma vez que será muito difícil competir com a China, a Índia ou o Bangladesh, puxar por salários baixos provavelmente não vai resultar.

O argumento é que os salários são baixos, mas a produtividade também…

Sim, tem de encontrar uma forma de aumentar a produtividade.

Esse é um desafio mais para as equipas de gestão?

É um problema para toda a gente.

Como comunica se isso?

Quer seja uma pequena loja de artesanato ou uma grande empresa, todos os anos tem de pensar como posso atingir mais com os mesmos recursos; ou como posso fazer as receitas crescer mais depressa que os recursos. Temos de fazer crescer a produtividade, ano após ano. É um esforço para todos: não apenas para o gestor, mas para cada um dos trabalhadores. Há sempre espaço para melhorias, não importa quão bom se é.

As pequenas economias da periferia estão presas numa ratoeira de baixo crescimento dentro da união monetária como aconteceu com alguns regiões da Alemanha ou Itália?

Precisamos de estar conscientes que devido à demografia o crescimento da Europa será muito limitado. Isso não quer dizer que não se deva investir ou que não é interessante: é um grande mercado as pessoas vivem bastante bem, há muito consumo. Mas no longo prazo, a parcela da Europa na economia mundial continuará a cair.

E Portugal…

No extremo, a questão não é tanto se Portugal estará na margem da União Europeia, mas se a Europa estará na margem da economia mundial. Mas não há nenhuma razão para que um pequeno país não possa sair-se bem. Se fizer esforços especiais é possível: boa educação e boa formação, apostar em áreas específicas, pode ser a tecnologia marítima, a tecnologia alimentar, a biotecnologia.

Puxar por salários baixos provavelmente não vai resultar.

Coloca muito ênfase na demografia. Essa é a variável de sucesso?

Há um elemento económico e um elemento emocional. Quando tem uma população estagnada e a envelhecer, a economia tem mais custos de pensões e saúde: investe mais no passado do que no futuro. Na Europa temos cerca de metade da população com mais de 50 anos: quando assim é, a maioria quer proteger o "status quo" em vez de construir o futuro. Isso é o contrário do que encontra nos mercados emergentes, onde metade da população tem menos de 25 anos. Aí há jovens que têm expectativas elevadas e isso é muito importante. Na Europa ganhámos uma ideia de direitos adquiridos, com benefícios de governos desde o berço. É muito importante sair desta ideia de que o futuro está atrás.
 
É um sinal de desenvolvimento…

Sim, é um sinal de desenvolvimento, mas é também uma ameaça. Com cada sucesso chega o início do falhanço. Se achar que não tem de fazer esforços e que não é responsável, então alguém, o Estado, terá de fazer o esforço e garantir os benefícios. O que atingirá será a estagnação e o declínio. Este é o problema para a Europa

A Europa lidou bem com a crise?

A Europa aprendeu com a crise e com o tempo continuaremos a estar melhor equipados para lidar com crises: temos a união bancária, temos mecanismos para ajudar países, e também temos algumas limitações nas despesas dos países. Tem sido um processo de aprendizagem. Não foi perfeito, mas a Europa saiu-se muito bem.

Algumas pessoas argumentam que Europa se está a tornar alemã…

Antes de mais, será isso mau?

Não estou a qualificar…

Sim, eu sei. Se me perguntar como alemão se estou disposto a pagar pelas pensões dos gregos que se reformam aos 52 ou 55, eu digo que não.
Você gostaria de pagar?

Pode argumentar-se que não lhe estão a pedir nada…

É claro que estão a pedir. Os gregos quase duplicaram as pensões reais entre 2002 e 2010, quase duplicaram os salários reais, duplicaram as despesas militares e agora é preciso cortar e isso custa muito e por isso dizem que gostaríamos de eliminar dívida, mantendo tudo como está. Perante isso  responde não. Se isso é o que chama uma atitude alemã, então em diria que sim, gostaria que todos nos tornássemos mais alemães. Mas é digo também que todos os ministros das Finanças estavam alinhados em impor restrições sobre os gregos. 

PERFIL: Especialista em globalização
É um interessado e estudioso do processo de globalização e não é apenas no papel: entre 2004 e 2012, os anos que foi CEO do Boston Consulting Group, a empresa de consultoria abriu cerca de 18 escritórios no mundo e o número de trabalhadores duplicou, lê-se na sua apresentação na página do grupo de consultoria que conta hoje com mais de 80 escritórios em 46 países. Foi o primeiro CEO europeu da BCG, onde chegou em 1981, depois de ter estudado ciências sociais em Oxford, onde se doutorou, e economia do desenvolvimento em Yale. A globalização, mas também a digitalização, e as exigências que estas impõem na transformação de processos de decisão, de organização, e nas culturas de empresas e de liderança são algumas das áreas em que se destaca. 
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