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Famílias pobres têm maior sobrecarga na habitação, mas menos apoios que as restantes

Maior esforço excessivo com despesas de casa concentra-se nas famílias com rendimentos mais baixos, mas menos de uma em dez tem apoio para suportar um teto. Folga já era limitada, e inflação deve trazer mais privações.

16 de Maio de 2023 às 11:00
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São as famílias mais pobres aquelas que enfrentam em Portugal taxas de esforço excessivo mais elevadas com a habitação, mas a distribuição de ajudas, como subsídios de renda, não as privilegia. Só 6,9% acedem a apoios, que surgem antes com maior peso entre agregados com maiores rendimentos, mostra o estudo "Portugal, Balanço Social 2022" apresentado nesta terça-feira pela Nova SBE.

 

A desigualdade na distribuição é evidenciada numa análise que se reporta a 2020, com os microdados mais recentes disponíveis do inquérito às condições de vida e de rendimentos das famílias do INE. Parte do estudo dedica-se a avaliar a folga de que as famílias dispunham para lidar com o embate da inflação e da subida dos juros, e em contexto de uma crise na habitação. "É limitada e é muito mais limitada nas pessoas mais pobres", conclui a economista Susana Peralta, autora.

 

Na habitação, havia nesse período 10,1% das famílias do país a dedicar mais de 40% dos seus rendimentos a despesas totais com alojamento. Mas, o que os dados detalhados de acordo com as diferenças de rendimentos na população indicam é que a sobrecarga está grandemente concentrada nas famílias a viver abaixo do limiar da pobreza, com 34, 4% em sobrecarga. Correspondia a mais de 651 mil pessoas nos dados da pobreza de 2020.

 

Por quartis de rendimento também, entre o quarto da população relativamente mais pobre do país o estudo encontra uma percentagem de famílias em esforço excessivo que atinge os 29%. Esse peso regride 11,2% no quartil de rendimento seguinte, e para 2% e 0,8% nos remanescentes.

 

A distribuição do esforço excessivo nos encargos com a casa – incluindo rendas, prestações e juros de crédito, mas também despesas como luz, água ou manutenção – contrasta com a distribuição dos apoios públicos à habitação existentes. Apenas 9,5% da população pobre tinha acesso, contra uma percentagem de 9,9% na população total.

 

Novamente, por quartis de rendimentos, apenas 6,7% do quarto da população mais pobre acedia a prestações sociais para suportar custos com a casa. Já no segundo quartil de rendimentos, o acesso estava em 11,7%, e nos seguintes em 10,7% e 10,1%.

 

Ou seja, apesar de apenas 0,8% das famílias de maiores rendimentos terem encargos excessivos com despesas de casa, eram 10,1% as que recebiam apoios. Em contraste, sendo 29% os agregados de menores rendimentos em sobrecarga, apenas 6,7% estavam a receber ajuda.

 

Ainda assim, os valores de apoio são mais generosos entre que menos tem, com os dados deste novo Balanço Social a apontarem para uma média de 100,7 euros de ajuda ao quartil de rendimentos mais baixos, sendo o apoio médio de 42,6 euros no segundo quartil, de 39,1 euros no terceiro e de apenas 10,6 euros no último - que corresponde aos 25% de população com os rendimentos mais altos.

 

Em média, os custos médios mensais com habitação para o conjunto da população ficavam, no ano a que se reportam os dados, em 325,8 euros, sendo de 252,6 euros entre quem vivia abaixo do limiar da pobreza – ou seja, com menos de 554 euros por mês.

Seis em cada dez famílias pobres sem 500 euros para despesa extra

 

Os dados deste estudo também permitem fazer um balanço sobre as carências alimentares com 7,9% das famílias pobres com filhos a reportarem situações de fome em que não houve alimentos e 24,1% a darem conta da preocupação de que não haja comida suficiente (as percentagens são de 2,4% e 7,3% na população em geral).

 

Destacam-se no período anterior à crise inflacionista orçamentos familiares já muito esticados - de uma forma transversal na população, mas com maior gravidade entre os mais pobres.

 

São dados que mostram "o grau de preparação destas pessoas para enfrentarem agora a crise inflacionista", diz Susana Peralta.

 

Mais de metade da população – 55,9% - encontrava já em 2020 dificuldades em fazer face às despesas habituais. Mas, esta percentagem tocava os 80,7% entre a população pobre.

 

E o espaço para fazer face a subidas no custo da vida sem melhorias nos rendimentos era mínimo. Mais de metade das famílias pobres, 59,7%, não tinham 500 euros de parte para fazer face a uma despesa inesperada (31,2% entre a população total).

 

Depois do forte impacto da pandemia - que contribuiu também para agravar desigualdades - a subida dos preços terá vindo novamente penalizar mais quem menos tem. " As pessoas mais pobres gastam uma percentagem superior do seu rendimento nos bens que tiveram maior impacto inflacionista, como a alimentação, a energia. Não só enfrentam taxa de inflação mais elevada, como têm menos folga para acomodar a inflação. Esta crise é desigual destas duas formas", assinala a economista.

 

Os efeitos da perda de poder de compra, admite Susana Peralta, não se traduzirão necessariamente em novas subidas nas taxas de pobreza, que medem apenas a distribuição de rendimentos e não ponderam a evolução do valor real desses rendimentos. Mas, certamente haverá impacto nas privações materiais sentidas pelas famílias.

 

Os indicadores de desigualdade também poderão mudar num momento em que  apenas alguns sectores estão a atualizar rendimentos ao nível da inflação. "Está a haver uma alteração na distribuição de rendimento. É muito difícil de prever, de saber quem é que são as pessoas que estão a aumentar o rendimento", refere a economista.

 

A taxa de pobreza relativa aos rendimentos de 2022 só deverá ser dada a conhecer pelo INE perto do final do ano. Já os microdados estatísticos que permitirão uma análise detalhada de acordo com a distribuição dos rendimentos da população só deverão chegar aos investigadores na segunda metade do próximo ano.

 

 

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