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Estou disposto a não me render na actividade política

Releia a entrevista de Pedro Passos Coelho a Anabela Mota Ribeiro, publicada no WEEKend a 16 de Janeiro de 2009. O novo líder do PSD dizia na altura que estava "disposto a não me render na actividade política até achar que as pessoas querem derrotar estas ideias".

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Releia a entrevista de Pedro Passos Coelho a Anabela Mota Ribeiro, publicada no WEEKend a 16 de Janeiro de 2009. O novo líder do PSD dizia na altura que estava “disposto a não me render na actividade política até achar que as pessoas querem derrotar estas ideias”.

Tudo nele é razão e coração. Fala de comissões políticas e duas linhas antes é capaz de dizer: “Aconteceu apaixonar-me novamente, voltar a casar e ter uma filha; tem agora 20 meses”. Mas conta tudo isto com uma voz pausada, clara. Tem um tom levemente pomposo, de quem ambiciona e mede o curso das palavras. Usa palavras de livros antigos e pesados, como “chaga”, e “elucubrar”; ou usa expressões como “assim é” e “vastas áreas do território”.

É apontado como cara e nome do PSD do futuro. O puto da JSD cresceu. Até onde chegará?

“Não tenho de mim a ideia de um Dom Quixote. Estou convencido daquilo que penso. Se manifestamente as pessoas o recusarem, não ficarei, teimoso, a insistir, porque é preciso manter um lugar na política. Enquanto isso não suceder, julgo que devo persistir naquilo que penso”.

A sua vida tem, pelo menos na fase inicial, um pendor errático. Nasce em Coimbra, muda-se para Angola, regressa à metrópole e vive em Vila Real, e o grande público conhece-o quando está já em Lisboa.

Tem que ver com o facto de muita coisa ter surgido de forma não planeada. Contribuiu para que tivesse sido colocado em situações muito diversas ao longo da vida.



Comecemos pelo princípio: porquê Coimbra?

Nasci em Coimbra porque o meu pai e a minha mãe trabalhavam no Caramulo, que, à época, era uma estância para tuberculosos. Não havia maternidade. Quem vivia pelo Caramulo ia nascer a Viseu ou a Coimbra. Eu e os meus irmãos fomos todos nascer a Coimbra. Saí de lá com cinco anos e fui para África atrás do meu pai. Foi convidado, em finais de 1969, a montar um serviço de luta contra a tuberculose.


É médico?

É. Ainda vivo e ainda exerce. O objectivo era inaugurar um hospital-sanatório em Luanda, que ainda não estava pronto quando fomos; por isso, vivemos quase dois anos em Silva Porto, capital do Bié, onde também foi montado um serviço de luta anti-tuberculose. Acabei por estar em Angola cinco anos.

Apanhou a revolução?

Apanhei 1974. A situação que se vivia em Angola era diferente da que se vivia em Portugal – pelo menos nos anos finais da ditadura. Recordo-me perfeitamente de ouvir falar das limitações do regime e da DGS, de uma clausura política que também existia lá; mas não havia o sentimento de claustrofobia que existiria aqui no continente. A mudança que se operou, não foi tanto pela diferença de regime, foi sobretudo pela alteração de rumo de vida que isso implicou. A minha mãe e três dos quatro filhos acabámos por vir para Portugal. Ficou o meu pai mais um ano, até à véspera da independência – à espera que o novo governo indicasse alguém que o fosse substituir – e a minha irmã mais velha que tinha entrado nesse ano para a faculdade.

Porque é que se instalaram em Vila Real?

Regressámos para Trás-os-Montes que é a terra do meu pai (a minha mãe é alentejana). Tencionava exercer clínica e precisava de ser reconhecido. Vila Real era um sítio onde tinha um nome. Vivi lá até aos meus 19 anos. Passei de africano a transmontano; hoje sou um bocado dessas coisas todas.

Quando regressaram, começaram por se instalar numa aldeia.

Vale de Nogueiras. Como a maioria das aldeias portuguesas estava como há 150 anos. Não tinha qualquer tipo de infra-estruturas básicas: a casa tinha um quinteiro à frente cheio de estrume, e as rotinas diárias eram as mesmas que secularmente existiam. Havia a ideia que Lisboa era cosmopolita e que a África portuguesa estava subdesenvolvida, mas quando cheguei o que parecia desenvolvida era a Luanda de onde eu vinha.

Descreva o cosmopolitismo de Luanda.

Havia uma abertura ao que se passava do outro lado do Atlântico. Basta dizer que as jeans, a cola-cola, vários símbolos da cultura americana estavam presentes no dia a dia da sociedade angolana. Havia um espírito de abertura, tolerância, iniciativa, e um temperamento de alegria e extroversão que não se encontrava em Portugal.

E interclassista? Essa Luanda era a Luanda de uma elite, branca e poderosa?

Não é a ideia que tenho. Claro que Luanda tinha focos de pobreza – não os musseques que hoje existem, que albergam os milhões de pessoas que vieram refugiar-se da guerra e da morte. Mas havia, sobretudo em Luanda, uma classe média, negra, forte, que tinha presença nos serviços, (educação, saúde, administrativos). O Pão de Açúcar-Jumbo, quando foi inaugurado em 1973, não era uma infra-estrutura para brancos de classe média. Era um local onde as pessoas negras tinham um grande poder de aquisição. Nunca reparei que houvesse essa diferenciação racial em Angola.

Ou seja, os filhos desses negros com poder aquisitivo andavam consigo na escola.

Ah, sim. Falando da minha experiência pessoal: vivi sempre com grande liberdade, mesmo antes de ter ido para África. O mundo era outro: saía-se de casa de manhã, voltava-se ao fim do dia, ninguém estava preocupado com o que nos acontecia. Em África, onde estive até aos dez anos, corria quantos musseques existissem, sozinho, entrava em qualquer cubata, fazia amizades em todo o lado, comia da mesma gamela com quem conhecesse …

Não haver ameaça representava uma enorme liberdade.

Nunca a senti. Conto-lhe outra história: um primo do meu pai, Alberto Passos, veio de Angola, regressou a Portugal ainda garoto, bem antes da Segunda Guerra; quando foi a Vale de Nogueiras e viu a miséria que lá estava fez este comentário: “Aqui os pretos são todos brancos”. Significa que o que era importante ali não era a cor, era a circunstância…

Era o dinheiro.

Era o dinheiro. Era o desenvolvimento.

Nos anos mais recentes, alguma vez foi ao mercado Roque Santeiro? Isto para saber se nessa altura se lembrou do Jumbo.

Já fui. Faz agora dois anos que visitei Luanda inteira e reconheci a Luanda que lá deixei em 1974. Foi a primeira vez que voltei.

Foi uma viagem sentimental? Porque é que foi?

Foi uma viagem profissional. Só não pude ir ao último sítio onde vivi. O grande tráfego tornava pouco prudente a visita, podia não regressar a tempo de apanhar o avião. Não pude ver o Hospital de Santo António de Luanda nem a estrada de Catete. Não iria à espera de encontrar os amigos e vizinhos dessa época, mas gostaria de ver o que aconteceu àquela paisagem.

Foi duro o reencontro?

Não. Ia preparado. A imagem que me custou mais foi a da ilha de Luanda, que era muito bonita, uma continuação natural da baía, e que hoje tem um musseque grande, uma construção desordenada, suja…



Antes de Vila Real, gostava que falasse mais da sua infância no Caramulo – um microcosmos. Muito particular.

Assim é.

Ainda que muito colateralmente, estava exposto à doença, ao perigo, à morte, mas a partir de um ponto de vista diferente: o dos seus pais, aqueles que salvam. De que maneira o marcou? O que é que se encontra disso, ainda, em si?

O Caramulo era fechado e pequeno. Saí de lá, mas continuei a crescer com o Caramulo. Ainda há dois anos o meu pai editou um romance chamado, precisamente, “Caramulo”, onde narra o que foi a chaga da tuberculose e o que era o país dessa época. [Assina] A. Passos Coelho. Enquanto não escreveu essa crónica romanceada, contou-a. Conheço muitos daqueles episódios de os ter vivido e ouvido.

Como é que o Caramulo aparece na história da família?

O meu pai esteve internado no Caramulo como tísico, quando estava no último ano de medicina. Foi lá que conheceu a minha mãe, que era enfermeira. Regressou depois de concluir o curso para casar e fez a especialidade. Trabalhou lá 18 anos.

O encontro dos seus pais no Caramulo parece saído de um romance antigo.

A minha mãe ficou lá porque o pai morreu tísico. A mãe dela, minha avó, era a chefe das copeiras no sanatório Sameiro. Recordo-me de ir ao Sameiro lanchar com ela, de a ver alisar a toalha muito branca que ia buscar aos armários do hospital, puxava as pontas da mesa de maneira a que a toalha ficasse muito bem esticada… Teria cerca de 70 anos, mas 70 anos pesados; teve de educar a família toda, desde cedo, sem o marido, e teve de se desfazer de tudo o que tinha: ninguém comprava nada a uma família de tuberculosos. Foram tempos de dificuldade. Aquele encontro no Caramulo foi um encontro de misérias.

As pessoas encontravam-se lá com o estigma da segregação. Leu o livro do Thomas Mann, cujo ambiente é também o de um sanatório?

Li “A Montagem Mágica”, li. Mas marcou-me muito mais o “Caramulo”, e revejo muito mais o drama da tuberculose descrito na crónica romanceada do meu pai. Li o Thomas Mann com 14, 15 anos, antes de ter começado a ler os autores Existencialistas, como é próprio dessa idade.

Leituras precoces.

Sim. Quando regressei de África demorei algum tempo a habituar-me à sociedade portuguesa. Vivia num espaço de liberdade imenso, era uma criança exuberante e feliz. Durante muito tempo, desejei sozinho, à noite, que tudo não passasse de um pesadelo e que acordasse novamente em Luanda.

O pesadelo maior era estar em Portugal ou estar longe do seu pai?

As duas coisas. A minha mãe é uma pessoa de grande força; olhando para trás, percebo que [passou] muitas dificuldades, porque não recebia o dinheiro que o meu pai mandava de África, e foi com a ajuda de muita gente que se conseguiu sobreviver durante todo esse tempo. Mas não creio que os filhos se tenham apercebido dessas dificuldades. Fechei-me bastante. Tinha pouquíssimos amigos, talvez um vizinho que morava defronte de minha casa, um outro colega. Até aos 15 anos fui solitário e refugiei-me nos livros (que sempre existiram em casa) e na música.

As estantes eram do seu pai? Eram dele os livros dos Existencialistas?

As estantes eram sobretudo do meu pai. Os Existencialistas, li-os por minha iniciativa. Gastava a minha semanada na livraria Branco.

Procurou-os impressionado com quê? Foi atrás do Sartre que recusou o Nobel?

Não. Fui atrás da razão de ser. Para tentar perceber porque é que estamos cá. De onde vimos, para onde vamos. O que é que faz sentido. Comecei a pensar nisso aos 13, 14 anos. Achei interessante ver retratadas em livros muitas das problemáticas, das questões que eu própria levantava.

Esse leitor compulsivo contrastava com o menino extrovertido.

Sim. Essa fase foi interrompida por uma precoce incursão política, através do Paulo Rui, um colega meu, militante comunista fervoroso; ainda vim com ele a um congresso, algures nos arredores de Lisboa.

Ingressou na JSD pouco depois. Tinha 14 anos, dizem as notas biográficas. O que leva este rapaz tímido a sair dos livros e a juntar-se a um grupo? E como é que isso mexeu com a sua vida?

A solidão de um Verão em que não houve férias. Nesse verão de tédio, absoluto tédio – em Trás-os-Montes o calor é insuportável e diz-se que há nove meses de Inverno e três de Inferno – ouvi falar de um tipo que estava ligado ao PSD e que fazia uns campeonatos de king e de sueca. A minha primeira abordagem foi lúdica: encontrei uma mesa de king onde tinha lugar e onde passei umas tardes. Criaram-se alguns laços e convidaram-me a fazer parte de uma lista da comissão política concelhia. Por essa época, descobri o regresso do Dr. Sá Carneiro ao poder. Em 1978 estive em Lisboa, como observador, no congresso do cinema Roma em que ele regressou à liderança do PSD.

Foi um herói romântico, para si, para a sua geração?

Sim, marcou-me muito. Estive perto dele uma única vez. Não sendo um grande orador, era um orador cortante. Ia muito rapidamente ao que interessava, de um maneira crua e directa. Ele alimentava a tensão. O discurso de posse como primeiro-ministro, que fez de improviso, e a enorme dimensão de homem de Estado impressionaram quase toda a gente.

Tinha alguma importância para si, ou comentava-se, a relação de Sá Carneiro com Snu Abecassis?

Na Vila Real em que eu estava, não. Admito que em sectores mais conservadores possa ter tido alguma importância. Não me apercebi disso senão na campanha eleitoral, quando ouvi o Dr. Mário Soares referir esse facto num comício.

O Dr. Soares pediu desculpa, mais tarde, por se ter referido ao caso. Pergunto sobre Snu porque na dissecação do herói romântico que Sá Carneiro era, essa heterodoxia entra, também.

Era um homem que vivia a política de forma intensa e não era um escravo da política – isso faz parte do quadro romântico. É conhecido que a partir de certa hora vivia para a sua família e o ritual da política ficava fora da sua vida.


Nesses anos, quis ser como Sá Carneiro?

Nunca tive a ideia de querer ser como alguém. Gostava de ser alguém que compreendesse melhor o mundo. Gostaria de chegar ao final da vida e ter o mesmo optimismo sobre a Humanidade que tinha Bertrand Russell. E sim, gostaria, como Sá Carneiro, de não me tornar um escravo da política. De ser um profissional competente e dedicado, como sempre achei que o meu pai era. Alguém suficientemente atento às pessoas, como foi sempre a minha mãe. Alguém que vivesse o seu tempo com tanta acutilância como Humberto Eco. Alguém que filosoficamente fosse tão aberto como [Karl] Popper.

Não seria estranho que esse rapaz escrevesse…

Escrevi coisas políticas. As moções de estratégia, de 1982 até 95, que a JSD apresentou no congresso do PSD saíram grandemente das minhas mãos. Escrevi numa perspectiva mais contingente sobre a situação para jornais. Escrever ensaio nunca foi uma tentação – sou demasiado perfeccionista. É-me mais fácil discorrer sobre um assunto, estar uma noite a elucubrar sobre uma questão, do que escrever. Não nasci para escrever, nasci para falar.

Essa frase soa um soundbite.

Não foi preparado, e os soundbites são meticulosamente preparados. E eu, que sou acusado de ser redondo na minha maneira de falar…

Ficou ofendido quando Pacheco Pereira disse que era um jovem velho? – o que encaixa nisso de ser redondo.

Não. O Dr. Pacheco Pereira nem disse uma verdade nem é uma pessoa que eu preze particularmente. Diz isso porque acha que eu sou um adversário político. Não costumo responder ao Dr. Pacheco Pereira nem às observações dele. Mas se me ofendo? Não. Acho-as normais dentro do que é a luta política. Se me considero um velho? Não. Considero-me uma pessoa tão racional quanto emotiva, e o equilíbrio que procurei manter entre estas duas coisas umas vezes fez-me parecer mais velho, outras demasiado jovem. O que acontece ainda hoje.

Que idade tem?

44 anos. Há gente que me considera demasiado jovem para poder ser candidato a primeiro-ministro, houve gente que me considerou demasiado velho quando aos 23 anos fui eleito pela primeira vez presidente da JSD. Já era pai de família.

Porque é que foi pai tão jovem?

Aconteceu assim. Não foi planeado, mas não houve problema. A Joana nasceu de um primeiro casamento que tive com a Fá, Fátima Padinha. A Fá tinha mais cinco, seis anos do que eu. Fui sempre uma pessoa ponderada. É a minha maneira de ser.

Porque é que é assim?

Foi o modelo que construí para mim. Nunca gostei de aparecer despenteado, a gesticular largamente, colérico ou enervado. Gosto de controlar as minhas emoções, gosto de me manter num registo sóbrio.

O homem que está à minha frente para uma síntese entre esse que foi na infância, livre e despreocupado, e o outro, fechado e solitário. Como se um temperasse o outro. Disse que esse foi o modelo que construiu para si. É como se se escrevesse.

Mas eu acho que o nosso livre arbítrio nos deve permitir construir a nossa vida de acordo com aquilo que desejamos. Nascemos de determinado modo, mas o que nos acontece na vida não é apenas obra do acaso, é obra da nossa vontade. Durante muito tempo não sabia o que iria fazer. Se deveria ser médico, economista, matemático; gostaria de ter sido estas coisas todas.

O que é que o levou a escolher Economia?

Tinha 34 anos quando fiz essa opção e não tive coragem para regressar ao curso de Matemática. A experiência que já levava da política estava muito amputada pelo facto de não conhecer de forma estruturada uma parte do fenómeno político e social, que é a Economia.

Quando entrou pela primeira vez na universidade, porque é que escolheu Matemática e não Medicina?

Por causa da política. Só concorri para Lisboa. Já estava na comissão política nacional, vinha a Lisboa com regularidade. Vinha de autocarro ou de comboio. Fiquei colocado na segunda opção, que era matemática. Se tivesse concorrido para Porto ou Coimbra, teria entrado em Medicina, e a minha vida seria muito diferente daquela que foi.

Deu cedo nas vistas. Foi especialmente reconfortante para o seu ego? Ainda não consigo perceber o que foi tão apelativo na política.

A minha abordagem durante muitos anos foi mais intelectual do que política. Não andei a preparar eleições, a candidatar-me a diversos órgãos, a fazer campanhas. Nunca tive de recolher apoios e votos para ser eleito; a minha missão era diferente. A minha abordagem era mais da filosofia política do que da praxis política. Isso mudou quando me candidatei pela primeira vez a presidente da JSD. Não foi um impulso pessoal, houve várias pessoas que me empurraram para esta decisão. Nunca tinha estado nessa arena, do confronto directo.

E do escrutínio. Deixa cá ver se gostam de nós.

É verdade.

Como é que viveu isso? É disso que vive um político: votam em nós ou não, querem-nos ou não.

Com muita liberdade e desapego dos lugares.

Vivia de quê? Para ter esse desapego é preciso que o essencial esteja assegurado.

Quando decidi em 1999 sair do parlamento, onde tinha estado duas legislaturas, estava em exclusividade, não tinha outra fonte de rendimento; decidi sair e não tinha nada garantido. Não podia ficar empregado da política. Ia fazer 35 anos e achei que esse o limite para fazer outras coisas na vida. Se um dia regressasse à política, regressaria. Um pouco inconsciente? Talvez. Sou muito crítico. Não tenho úlceras, mas estou em grande tensão quando faço coisas mais importantes, que muita gente vai ver. Habituei-me a não me deixar influenciar tanto pelo barulho envolvente, a desprender-me desse constrangimento – faz parte do jogo. Sim, gostaria que as pessoas reconhecessem que aquilo que estou a fazer tem interesse, mas estou preparado para resultados negativos.

Está preparado para resultados negativos porque acha que ainda não chegou o seu tempo?

Por uma questão de princípio democrático. Admito que as pessoas estejam a ver melhor do que eu. Não mudo a minha maneira de pensar por causa disso, mas não fico a pensar que toda a gente é doida e não está a ver bem o problema e que eu é que estou certo. Não consegui chegar lá? Posso ficar com a ideia de que era cedo demais, que não transmiti devidamente o que queria, não estive suficientemente seguro, não era o tempo certo para que as ideias vingassem. Não fiquei complexado por ter perdido a distrital de Lisboa, não fiquei complexado por ter perdido a última eleição dentro do PSD.

Antes de olharmos para o futuro e para a sua ambição política, gostava de compreender melhor o que se passou na sua vida entre os 20 e os 30 anos.

A primeira coisa que fiz foi dar aulas de matemática entre os 18 e os 19 anos. Quando vim para Lisboa estudar, durante um ano o meu pai pagou-me a mesada. Entretanto fui pai e fui trabalhar para a Quimibro com o engenheiro Bento dos Santos numa oportunidade que me foi facultada por um primo, sócio dele. Foi um período em que estive na política e não estive.

A política era o seu sonho e isso era um trabalho de ocasião que tinha de fazer para ganhar a vida?

Não. Claro que não idealizei andar [feito] rato de biblioteca a saber que edifícios estavam disponíveis, ou pendurado em telhados a ver se obtinha a melhor fotografia para meter no catálogo de oportunidades dos investidores. Mas precisava ganhar a minha vida, sustentar a minha família e não pensaria pedir ao meu pai [ajuda].

Foi por isso que acabou a mesada?

Acabou por minha iniciativa. “Não estou a estudar e não faz sentido mandar-me a mesada”. Houve um período mais difícil, que foi aquele em que decidi candidatar-me a presidente da JSD, porque durante esse ano despedi-me da função que tinha. Vivi das disponibilidades financeiras que tinha cumulado (poucas) e do vencimento da minha mulher. Foi um tempo de aperto. Depois disso fui eleito deputado em 91 e estive oito anos no parlamento; foram os únicos anos remunerados que tive na política. Saí e ganhei a vida na Tecnoforma (no essencial), que faz consultoria na área dos recursos humanos. Em finais de 2003 apareceu esta oportunidade na Fomentinvest. O Ângelo Correia telefonou-me: “Você já acabou o curso? Está disponível? Estou a criar uma coisa nova na área do ambiente”. E aconteceu assim.

A paixão que teve e a filha que dela nasceu mudaram o curso da sua vida.

Mudaram imenso. Senti um peso enorme porque não era uma coisa que se pudesse desfazer. O nascimento de um filho não se pode reverter, fica para sempre. Depois foi de uma felicidade imensa (são dois sentimentos pegados). Os anos seguintes foram anos de desespero. A minha filha esteve várias vezes em risco de vida – não gosto de falar disto, não tenho sequer o direito de falar disto. Este facto perturbou muito a minha mulher na altura, que tinha vindo de uma vida cheiíssima, com o protagonismo no grupo que tinha, as Doce; a música e o espectáculo tinham feito parte da sua vida, e saiu disso para o anonimato. Depois veio uma outra filha, com uma história diferente. Depois veio a opção de mudar de vida, o divórcio e o fim desse casamento.

Como é que as suas filhas olham para si, nesse tempo?

A mais velha andava atrás de mim na política, noites adentro, fins de semana. Tem hoje 21 anos e ainda se lembra disso. A mais nova lembra-se de me ver a estudar em casa, à noite – estava na faculdade. Acabei o curso já separado. Aconteceu apaixonar-me novamente, voltar a casar e ter uma filha; tem agora 20 meses.

Na sua vida, é como se houvesse uma coincidência entre os blocos pessoais e as opções profissionais. Como se se contaminassem e influenciassem mutuamente.

Dito assim, parece que é. Nunca me tinha apercebido dessa associação. As coisas foram acontecendo. Sou obstinadamente livre: entrei e saí de muitas coisas porque não gostava delas, entrei porque tinha uma expectativa forte, desgostei-me e fechei essas portas.

Quando reaparece, é com a determinação de, um dia, não sabe quando, ser líder do PSD e candidato a Primeiro Ministro? Porque é que voltou? E para chegar onde?

Quando saí, em 99, achei que dificilmente regressaria. Durante anos fui um líder na minha geração. Achei natural que muitas das pessoas que fizeram o trajecto político comigo quisessem que eu fizesse alguma coisa no PSD, e sabiam que eu não era indiferente ao que se passava no PSD e devia fazer em Portugal. A geração que vai ao poder com o Dr. Durão Barroso era a minha geração. Não tinham precisado de mim para desempenhar um papel relevante na sociedade portuguesa. Quer dizer, a minha época tinha passado. Poderia ter vindo a ser útil, mas não fui. A minha geração tinha lá chegado.

Com outros. Morais Sarmento talvez seja o nome mais sonante desse grupo, dessa geração.

Com outros. Por que razão, passados dez anos, doze anos, alguém havia de se lembrar do Pedro Passos Coelho e achar que ele tinha alguma coisa a acrescentar à política? Acabou por suceder porque houve uma série de terra queimada, de diferentes gerações, dentro do PSD.



A vantagem que tinha em relação aos seus “colegas” barrosistas é que não se tinha queimado.

Fiquei preservado de todo esse processo. Não estive lá. Não me custou ter ficado de fora na altura; algumas das pessoas que estavam envolvidas não eram pessoas com quem tivesse grande afinidade. Quando muita gente vaticinava: “Vais ver, daqui a um ano ou dois, quando ninguém te telefonar, ninguém se lembrar de ti, isso vai custar”. Não custou nada. Não regressei por essa razão. Regressei porque tudo o mais falhou. E falhou onde não era desculpável que falhasse. Muita desta geração, que viveu este período de experiências falhadas desde que o Prof. Cavaco Silva foi embora, voltou a cometer os mesmos erros do passado, e a não construir solidamente mudanças para o presente e para o futuro. Achei que boa parte daquilo que eu tinha dito e pensado era pertinente e actual. Não podia ficar o resto da minha vida, de forma rezingona, a achar que…


Não tentou.

Que tinha tido medo de tentar. Precisei de vencer esse medo. Eu não sei se sei. Mas vou tentar.
Olhando para os acontecimentos dos últimos meses, está atentamente, astutamente à espera do seu momento. Enquanto os outros se digladiam.

Não estava à espera que o Dr. Luís Filipe Menezes se demitisse e antecipasse eleições. Mas uma vez que o fez…

… your moment.

Apresentei a candidatura 24 horas depois, sem saber se tinha apoios que chegassem, sem contar espingardas. Perdi essa eleição, fiquei em segundo lugar, mas não pus de lado aquilo que penso. Defendo um caminho de maior autonomia e responsabilidade da sociedade civil; há muita gente que acha que o país não está preparado para isso, que as pessoas preferem viver da longa mão do Estado. É simpático pagar menos impostos; mas se isso for a consequência de o Estado ter uma despesa que pesa 47 ou 48% da riqueza que é criada – que é como quem diz, se a saúde não for quase à borla, se a educação não for quase à borla, se a Segurança Social não garantir tanto como garante… Há quem ache que eu, se quero ser Primeiro Ministro e ganhar as eleições, não devia dizer estas coisas. No entanto, acho que só vale a pena ganharmos as eleições se for para executar as nossas ideias, e não as ideias dos outros.

Está disposto a esperar até que o seu momento chegue?

Estou disposto a não me render na actividade política até achar que as pessoas querem derrotar estas ideias. Não tenho de mim a ideia de um Dom Quixote. Estou convencido daquilo que penso. Se manifestamente as pessoas o recusarem, não ficarei, teimoso, a insistir porque é preciso manter um lugar na política. Enquanto isso não suceder, julgo que devo persistir naquilo que penso.







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