Notícia
Esta é também uma crise de valores
A imagem de um gestor a sair pela porta de uma empresa falida com um cheque milionário no bolso não é uma metáfora. A crise financeira está a pôr na praça pública as críticas contra os excessos salariais.
10 de Outubro de 2008 às 11:31
A imagem de um gestor a sair pela porta de uma empresa falida com um cheque milionário no bolso não é uma metáfora. A crise financeira está a pôr na praça pública as críticas contra os excessos salariais.
Richard Fuld não baixou a guarda. As fotografias mostram-no imponente, em pose altiva, ao entrar esta segunda-feira no Capitólio, Washington. À chegada, Fuld foi vaiado pelos manifestantes que empunhavam cartazes de protesto, onde se liam palavras como "vergonha" e "ganância".
O ex-CEO da Lehman Brothers foi o primeiro de vários executivos a ser chamado para prestar contas perante uma comissão de inquérito do congresso norte-americano constituída para averiguar os motivos que levaram ao colapso de Wall Street. Perante o congresso, Fuld apontou os motivos que levaram a quarta maior casa de investimento dos EUA a declarar falência, no dia 16 de Setembro: uma bola de neve de rumores que levou à queda das acções, legislação ultrapassada e a lenta reacção dos reguladores que serviu de rastilho para a "tempestade do medo".
Mas os congressistas americanos parecem não estar sensibilizados para o papel do gestor-vítima. O sinal disso mesmo foi dado logo naquele primeiro dia de audiências. "Acha que é justo" - questionou o presidente do painel - que, perante o colapso da empresa, vários executivos, entre os quais o CEO, tenham saído "imunes" dos escombros, levando consigo elevadas indemnizações? Cinco dias antes do seu colapso, a Lehman passou cheques superiores a 23 milhões de euros a três executivos que abandonaram a empresa. E foi aqui que os congressistas lhe acenaram com um "email" datado de Junho, no qual Fuld recusava uma proposta de vários executivos da Lehman que, perante o recuo nos resultados do banco, sugeriam que os principais quadros de topo renunciassem aos seus bónus, para dar um sinal aos funcionários e investidores.
Saídas douradas
Perante a necessidade de injectar biliões de dólares no sistema financeiro americano, saltaram para o primeiro plano as críticas em torno das políticas de remuneração dos executivos e, em particular, dos chamados "golden parachutes" (à letra: pára-quedas dourados), cláusulas de salvaguarda que lhes garantem o pagamento de uma elevada indemnização na hora da saída.
Típicas de mercados dinâmicos em matéria de fusões e aquisições, como o americano e o inglês, este tipo de cláusulas começou a generalizar-se nos anos 80, enquanto ferramenta de atracção e retenção de executivos, para fazer face à guerra do talento. Nada há aqui de ilegítimo.
A questão é que os "golden parachutes" passaram a ser prática instituída nas grandes cotadas americanas, sem que estas cláusulas fossem muitas vezes contratualizadas, escapando assim ao escrutínio de accionistas e investidores, e sem estarem associadas a qualquer pressuposto de desempenho. Ou seja, mesmo que afastado por descontentamento dos seus accionistas, um CEO americano de uma empresa em apuros poderá levar consigo uma compensação de saída que, em regra, equivale a três salários anuais, incluindo bónus, opções de compra de acções, esquemas complementares de reforma e, em alguns casos, o pagamento de benefícios até à idade da reforma.
Se até aqui as críticas se limitaram, em larga medida, aos corredores académicos, grupos de pressão e eventuais accionistas furiosos, a partir do momento em que o Estado tem de abrir os cofres públicos para intervir, dificilmente o poderia fazer sem explicar a contribuintes - eleitores - que, em empresas intervencionadas, não haveria lugar ao pagamento de quaisquer cheques dourados. Uma pesquisa recente feita pela empresa de estudos de mercado Gallup para o jornal "USA Today" revelou que 63% dos inquiridos considerava ser "muito importante" ficar limites de remuneração aos executivos das empresas abrangidas pelo "bailout" de Bush.
Socialismo ou pragmatismo?
A crítica passou para a praça pública europeia ao ritmo das declarações dos governantes francês, belga e luxemburguês, que este mês se uniram para salvar o banco Dexia. Em França, já garantiu Nicolas Sarkozy, se as empresas não assumirem as rédeas para limitar salários e benefícios aos executivos que falhem na sua gestão, o governo encarregar-se-á de o fazer no próximo ano.
Na Europa, a intervenção dos Estados na esfera das empresas privadas tem sido sistematicamente criticada por vários parceiros sociais e a própria Comissão Europeia tem feito questão de frisar, no plano das suas recomendações sobre governo societário, que os accionistas deverão ser os principais responsáveis pelas fixação da remuneração dos executivos. "No entanto, verifica-se que apenas cerca de um terço dos Estados-membros segui a recomendação de que os accionistas devem ter direito de voto acerca do critério de remuneração dos administradores", afirmou Charlie McCreevy, comissário europeu do Mercado Interno, numa conferência do Instituto Europeu de Corporate Governance, em Setembro.
Há quem veja nestas declarações um sinal de que também a Comissão Europeia poderá estar disposta a meter mãos à obra para tentar estancar "salários perversos". Interferência excessiva ou um sinal dos tempos? É que a crisee parece estar a fazer mudar algumas perspectivas. Como escreveu a revista "The Economist" esta semana, a propósito das intervenções estatais para salvar os bancos, "não é socialismo, é pragmatismo".
Richard Fuld não baixou a guarda. As fotografias mostram-no imponente, em pose altiva, ao entrar esta segunda-feira no Capitólio, Washington. À chegada, Fuld foi vaiado pelos manifestantes que empunhavam cartazes de protesto, onde se liam palavras como "vergonha" e "ganância".
Mas os congressistas americanos parecem não estar sensibilizados para o papel do gestor-vítima. O sinal disso mesmo foi dado logo naquele primeiro dia de audiências. "Acha que é justo" - questionou o presidente do painel - que, perante o colapso da empresa, vários executivos, entre os quais o CEO, tenham saído "imunes" dos escombros, levando consigo elevadas indemnizações? Cinco dias antes do seu colapso, a Lehman passou cheques superiores a 23 milhões de euros a três executivos que abandonaram a empresa. E foi aqui que os congressistas lhe acenaram com um "email" datado de Junho, no qual Fuld recusava uma proposta de vários executivos da Lehman que, perante o recuo nos resultados do banco, sugeriam que os principais quadros de topo renunciassem aos seus bónus, para dar um sinal aos funcionários e investidores.
Saídas douradas
Perante a necessidade de injectar biliões de dólares no sistema financeiro americano, saltaram para o primeiro plano as críticas em torno das políticas de remuneração dos executivos e, em particular, dos chamados "golden parachutes" (à letra: pára-quedas dourados), cláusulas de salvaguarda que lhes garantem o pagamento de uma elevada indemnização na hora da saída.
Típicas de mercados dinâmicos em matéria de fusões e aquisições, como o americano e o inglês, este tipo de cláusulas começou a generalizar-se nos anos 80, enquanto ferramenta de atracção e retenção de executivos, para fazer face à guerra do talento. Nada há aqui de ilegítimo.
A questão é que os "golden parachutes" passaram a ser prática instituída nas grandes cotadas americanas, sem que estas cláusulas fossem muitas vezes contratualizadas, escapando assim ao escrutínio de accionistas e investidores, e sem estarem associadas a qualquer pressuposto de desempenho. Ou seja, mesmo que afastado por descontentamento dos seus accionistas, um CEO americano de uma empresa em apuros poderá levar consigo uma compensação de saída que, em regra, equivale a três salários anuais, incluindo bónus, opções de compra de acções, esquemas complementares de reforma e, em alguns casos, o pagamento de benefícios até à idade da reforma.
Se até aqui as críticas se limitaram, em larga medida, aos corredores académicos, grupos de pressão e eventuais accionistas furiosos, a partir do momento em que o Estado tem de abrir os cofres públicos para intervir, dificilmente o poderia fazer sem explicar a contribuintes - eleitores - que, em empresas intervencionadas, não haveria lugar ao pagamento de quaisquer cheques dourados. Uma pesquisa recente feita pela empresa de estudos de mercado Gallup para o jornal "USA Today" revelou que 63% dos inquiridos considerava ser "muito importante" ficar limites de remuneração aos executivos das empresas abrangidas pelo "bailout" de Bush.
Socialismo ou pragmatismo?
A crítica passou para a praça pública europeia ao ritmo das declarações dos governantes francês, belga e luxemburguês, que este mês se uniram para salvar o banco Dexia. Em França, já garantiu Nicolas Sarkozy, se as empresas não assumirem as rédeas para limitar salários e benefícios aos executivos que falhem na sua gestão, o governo encarregar-se-á de o fazer no próximo ano.
Na Europa, a intervenção dos Estados na esfera das empresas privadas tem sido sistematicamente criticada por vários parceiros sociais e a própria Comissão Europeia tem feito questão de frisar, no plano das suas recomendações sobre governo societário, que os accionistas deverão ser os principais responsáveis pelas fixação da remuneração dos executivos. "No entanto, verifica-se que apenas cerca de um terço dos Estados-membros segui a recomendação de que os accionistas devem ter direito de voto acerca do critério de remuneração dos administradores", afirmou Charlie McCreevy, comissário europeu do Mercado Interno, numa conferência do Instituto Europeu de Corporate Governance, em Setembro.
Há quem veja nestas declarações um sinal de que também a Comissão Europeia poderá estar disposta a meter mãos à obra para tentar estancar "salários perversos". Interferência excessiva ou um sinal dos tempos? É que a crisee parece estar a fazer mudar algumas perspectivas. Como escreveu a revista "The Economist" esta semana, a propósito das intervenções estatais para salvar os bancos, "não é socialismo, é pragmatismo".