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Compaixão e tolerância ou retrocesso civilizacional? O Parlamento discute a eutanásia

Entre o sim e o não, os deputados esgrimem esta tarde, no plenário da Assembleia da República, argumentos contra e a favor dos cinco projetos de lei para a despenalização da morte assistida. À esquerda, o PCP diz não e junta-se ao CDS e a parte dos deputados do PSD, que está dividido.

20 de Fevereiro de 2020 às 17:49
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Deve o país ter uma lei que regule a morte medicamente assistida? Ou é a vida um direito fundamental e inviolável que em cado algum permite uma tal legalização, devendo antes o país, para as situações de sofrimento extremo, garantir uma rede se cuidados paliativos a que todos possam ter acesso? Os deputados debatem esta tarde o tema no Parlamento, sendo já espectável que os cinco projetos de lei em cima da mesa deverão ser aprovados e descer à especialidade para aí se encontrar um texto comum. 

Esta deverá ser "uma lei equilibrada, prudente", que reconheça a todos "ricos e pobres, o mesmo direito a ter o fim de vida que melhor respeite o seu sentido de dignidade". José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, abriu o debate desta quinta-feira à tarde no Parlamento, em que se debate a despenalização da morte assistida.

Em cima da mesa estão projetos do Bloco, PS, PAN, os Verdes e Iniciativa Liberal e José Manuel Pureza foi o primeiro a apresentar o seu. "A vida é um dom, que só ao próprio pertence e que é isso que faz dela inviolável" e "o que hoje decidiremos é se aceitamos ou não que em circunstancias extremas de sofrimento alguém em concreto possa" decidir pelo fim da sua vida, sublinhou o deputado, salientando que estar contra a legalização da eutanásia é escolher "a prepotência de impor a todos um modelo de fim de vida".

"Pela parte do BE, estaremos do lado da dignidade de cada escolha e decidiremos pela tolerancia contra a imposição", rematou, recusando "manobras politicas oportunistas" e "chantagens emocionais".

 

Também André Silva, do PAN, quis passar a ideia de que "o debate que fazemos hoje é sobre justiça e sobre se queremos que o Estado continue a julgar como criminosos os que por compaixão praticam um ato de bondade". O sofrimento "é uma experiencia pessoal e intransmissível. É uma dependência, uma indignidade, uma ausência de ser, uma falta de sentido", sublinhou o deputado.

 

Os vários projetos em cima da mesa são bastante semelhantes, com algumas diferenças, como o do PEV, que defende que a morte assistida apenas pode acontecer nos hospitais públicos.

 

Pelo PS, coube a Isabel Moreira a apresentação do projeto de lei do partido. "O estado não pode impor uma única conceção de vida", e "cada pessoa é a arquiteta livre do seu destino, desde que não prejudique terceiros", lançou, lembrando que "o voto de hoje não esmaga as condições de ninguém. O voto contrário só permite que subsistam as convicções de alguns".

 

"Está em causa despenalizar em condições especiais e não, evidentemente, liberalizar a eutanásia", insistiu a deputada, lembrando que o pedido de eutanásia ficará reservada a situações muito restritas, em que terá de haver uma manifestação inequívoca de vontade da pessoa. Ou seja, casos de demência, depressão, serão sempre proibidos agora e no futuro, porque inconstitucionais", acrescentou.

 

À esquerda, José Luis Ferreira de Os Verdes, veio também afirmar que "tanto deve ser receitada a vontade de quem não concebe a antecipação da sua morte, como a de outra pessoa que na mesma situação de sofrimento, decide que a sua acabe".

 

Os Verdes, desta vez em rota de colisão com o PCP, que está pelo não, avisaram que o seu projeto era uma base de trabalho e que não só iriam votar favoravelmente as propostas dos outros partidos, como estão disponíveis para "procurar um texto conjunto que assegure o essencial, a morte medicamente assistida, mas balizada pelas maiores e mais exigentes cautelas". "Uma lei rigorosa, tolerante, equilibrada e que garante o essencial", insistiu.

 

Já João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal, avisou logo que apenas votará favoravelmente o seu projeto, que se baseia na ideia de que "ninguém deveria poder decidir a nossa vida por nós". votará contra todos os outros, na medida em que há mais diferenças do que semelhanças entre os projetos e considera o seu o mais preparado.

 

PSD entre o sim e o não

 

Rui Rio fez saber que votaria pelo sim, mas a bancada está dividida, pelo que houve discursos pelo sim e pelo não e a bancada tem liberdade de voto. O deputado António Ventura, pelo não, lembrou que se trata de "uma temática muito sensível, onde todos merecem respeito e que "nunca é absolutamente seguro que se respeita a vontade da pessoa", por exemplo em casos de depressão. "A solução para as fragilidades na oferta de serviços paliativos, não pode ser a eutanásia", defendeu.

 

Pelo sim, André Coelho afirmou que "não debatemos a morte, mas a nossa auto determinação sobre a vida" e que "sendo a vida um direito inviolável", e "de cada um de nós", então "deve competir a cada um de nós o que fazer com ela". "Respeitar mais a autodeterminação do próximo, implica amar mais o próximo do que a nós próprios", disse o deputado, afirmando ser "completamente contra que o Estado possa decidir como e em que condições possa alguém morrer", mas que também não pode "ser favorável a que decida manter-nos vivos contra a nossa vontade", rematou, recebendo fortes aplausos das bancadas que apresentaram projetos.

 

Cuidados paliativos, a alternativa

Do lado de quem defende o não, um dos principais argumentos usados foi o de que antes de mais, é preciso garantir os cuidados paliativos a quem está numa situação terminal, sendo que tais cuidados só chegam ainda a uma parcela de 30% da população.

 

António Filipe, do PCP, partido que vai votar não, defendeu que "a criação de uma rede de cuidados paliativos universal tem de ser uma prioridade", porque "o país não pode criar instrumentos legais para ajudar a morrer, quando não garante os meios para continuar a viver". "Tomemos então medidas para que todos tenham a assistência a que têm direito" e "comecemos pela vida e não pela antecipação da morte", sublinhou. Porque, afinal, "o estado que nega a muitos meios para viver dignamente, deve dar os meios para lhes apressar a morte", questionou.

 

Em resposta o PAN considerou que  "é paternalista e insultuoso, dizer a quem se encontra nestas circunstancias que a resposta são os cuidados paliativos", Na verdade, disse André Ferreira, "estes devem ser desenvolvidos, mas o tema em nada conflitua com este debate".

 

"Existe uma lei de bases dos cuidados paliativos e se não há mais investimento neles é porque há cortes na saúde em prol dos números do défice", acusou, por sua vez, José Luis Ferreira, do PEV. "Não é a despenalização da morte medicamente assistida que vai retirar qualquer verba aos cuidados paliativos", rematou.

 

O medo da "rampa deslizante"

 

Foi um argumento que surgiu várias vezes: o receio de que no futuro a lei que é agora bastante restritiva evolua no sentido de se tornar mais aberta, vindo a admitir outros casos de eutanásia que não em situação de doença fatal e grande e comprovado sofrimento.

 

"Os fantasmas de rampas deslizantes, a eutanasia de quem não a pede, ou ate mesmo morte de namorados em arrufos, vale tudo", lamentou José Manuel Pureza, que afastou os "arautos do medo" com o argumento de que "todos esses cenários serão crimes inegáveis".

 

Os exemplos da Holanda e da Bélgica, pioneiros na legalização da eutanásia, foram por várias vezes apresentados, dado o facto de as respetivas leis terem evoluído no sentido de permitirem, por exemplo, a autorização de familiares ou a eutanásia de menores de idade.

 

Referendo, sim ou não?

Na perspetiva de chegar ao Parlamento uma petição para que seja realizado um referendo sobre a despenalização da eutanásia, ficou relativamente claro que a mesma será chumbada. José Manuel Pureza, do bloco, não hesitou em afirmar que se trata de "pura jogada política". "A essa jogada, responde a democracia com uma lei responsável, equilibrada e tolerante", disse.

Já Telmo Correia, líder da bancada do CDS, foi duro nas críticas, afirmando que "a aprovação aqui hoje representa um sinistro retrocesso civilizacional".  O que está em causa "não é um suposto direito a morrer, mas a possibilidade de a pedido e nas circunstancias descritas, alguém ser morto".

 

O CDS será favorável a um referendo, que considera como "uma resistência legítima face à gravidade do que alguns deputados aqui defendem hoje", num "debate sem que a discussão esteja amadurecida na sociedade, sem avaliação do impacto das consequências no SNS e em que pareceres mais relevantes são contra, como médicos, enfermeiros, psicólogos". "O CDS votará em liberdade pela vida" rematou Telmo Correia.

 

já André Silva, do PAN, lembrou que são "aqueles que sempre defenderam que a vida não se referenda, que defendem agora o referendo". Por outro lado, "se o referendo é tão essencial, e se já se sabia que o tema viria novamente a ser discutido, por iniciativa do PAN, por que razão não o inscreveram nos seus programas eleitorais", questionou.


(notícia atualizada às 18:00 com mais informação)

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