A incerteza permanece forte, mas a resposta dos agentes económicos à atual crise de inflação dá sinais de estar a exceder expectativas, apoiando graduais revisões em alta para a economia portuguesa. A descida dos preços da energia surge a ajudar a balança externa, a reanimar a baixa confiança das famílias e a trazer mais visitantes ao país.
Os sinais permanecem contraditórios, mas apesar da inflação ainda elevada e do forte aperto nas condições de financiamento de empresas e famílias, os sinais disponíveis no arranque do ano apontam para melhorias na procura externa e para a manutenção à tona de algumas componentes da procura interna, cuja contribuição para o PIB tem vindo a ser silenciada pela escalada de preços.
Após o Banco de Portugal (BdP) ter já subido a fasquia das projeções de crescimento neste ano para 1,8%, no boletim económico de março, as previsões dos economistas da Universidade Católica desta quarta-feira acrescentam notas de otimismo, numa revisão em alta de 0,5% para 1,4%. O ISEG deverá também melhorar em breve um pouco as previsões, que em fevereiro apontavam para uma subida do PIB em 1,6%.
"O ano está a arrancar melhor do que se esperava", resume João Borges de Assunção, economista do NECEP, da Universidade Católica, que espera agora um crescimento em cadeia de 0,5% no primeiro trimestre (a previsão era de -0,5% em meados de janeiro).
"Não altera o essencial da fragilidade do ano, mas os cenários mais pessimistas para o arranque do ano desanuviaram", admite o economista, a assinalar uma evolução transversal às economias europeias. Na Alemanha, os principais institutos económicos reviram também nesta quarta-feira em alta previsões de crescimento para 2023, para 0,3%, com o país a evitar a recessão à boleia do processo das descidas de preços na energia e das subidas de salários.
Por cá, os fatores de crescimento são incertos. "Há o indicador diário do Banco de Portugal, que é um bom indicador e sugere um crescimento muito forte no primeiro trimestre, mas depois há outros indicadores, como por exemplo a produção industrial ou as vendas de cimento, que sugerem um andamento bastante fraco no primeiro trimestre. Em condições normais, estariam todos alinhados", diz Borges de Assunção.
Há também alguma recuperação no indicador de confiança dos consumidores, que ainda assim persiste em níveis historicamente baixos, mas que desde a pandemia estará mais desligado dos resultados da atividade atividade económica e do produto, segundo o economista.
Mas se os sinais vindo do investimento ou do consumo privado são ainda fracos para a avaliar, a frente externa parece ser o maior tira-teimas das previsões. "A economia portuguesa não pode andar muito longe da Zona Euro e, portanto, havendo estes sinais ligeiramente favoráveis para o primeiro trimestre para a generalidade dos países e para algumas economias como a alemã, por si só, pode ser suficiente para suportar um crescimento que ainda assim é ligeiro", admite Borges de Assunção.
No ISEG, cuja síntese de conjuntura deverá ser publicada apenas na segunda metade deste mês, também há nesta altura a expectativa de resultados mais positivos. "Com os dados que existem, talvez seja possível um crescimento homólogo à volta dos 2% no primeiro trimestre", avança o economista António Ascensão da Costa.
Mas o crescimento previsto "é fundamentalmente puxado pela procura externa". Por um lado, o turismo ganhou força, ainda que com "um pequeno efeito-base, porque o primeiro trimestre de 2022 foi muito bom, mas tínhamos acabado de sair da maioria das restrições covid e a procura estava a retomar". Ou seja, vai ser mais difícil crescer nesta componente no resto do ano.
Por outro lado, a descida dos preços do petróleo e de outras matérias-primas face a um ano antes dá gás aos resultados da balança de exportações e importações de bens: "Em janeiro ajudou e em fevereiro, provavelmente, também ajuda".
Já a procura interna dá sinais mistos. No investimento, a construção tem vindo a quebrar, e o consumo público também não deverá dar grande contributo, admite António Ascensão da Costa.
Quanto ao consumo privado, dá alguns sinais positivos, como a forte subida de vendas de ligeiros divulgada nesta semana pela ACAP, que podem ajudar a contrariar a quebra do consumo de bens alimentares pelas famílias. "A variação do consumo privado talvez não seja negativa porque, nomeadamente, a componente automóvel continua positiva", admite o economista do ISEG.
Mas parte dos efeitos agora sentidos não será replicável noutros trimestres, período que continuará a ser dominado pelos efeitos de subidas de juros e da inflação elevada. "Enquanto essa poeira não assentar, e nomeadamente os riscos acrescidos do setor financeiro, parece-nos que este ano continua a ser muito frágil", diz Borges Assunção.