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New York Times: “O resgate acabou em Portugal, mas os efeitos perdurarão”

Dois dias após o anúncio da “saída limpa” do programa de resgate em Portugal, o jornal norte-americano dedica uma reportagem sobre a actuação da troika no país, concluindo que os efeitos da austeridade vão perdurar e que o País ainda enfrenta muitos desafios, sendo a redução da dívida um dos principais.

20º Portugal
Negócios 06 de Maio de 2014 às 17:13
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A saída da troika de Portugal e o que ela pode significar no panorama europeu foi esta terça-feira, 6 de Maio, tema de reportagem no "New York Times" (NYT).

 

O jornal norte-americano escreve que a austeridade em Portugal reflectiu-se em profundos cortes nos salários da função pública, na descida de pensões e subsídios e na redução de orçamentos em ministérios que deveriam ser “invioláveis” como o da Educação. A “dor” da austeridade chegou mais perto de cada cidadão através do aumento dos impostos sobre rendimento, o aumento do IVA e a redução de comparticipações médicas, por exemplo.

 

O Governo de Lisboa concluiu que o país já fez o esforço necessário para sair do programa de resgate que se fez sentir nos últimos três anos que termina com uma tranche de 78 mil milhões de euros este mês, sem ser necessário recorrer a uma linha de crédito, sublinha a publicação. Mas Portugal, relembra o NYT, demonstra que há “severos compromissos” a cumprir para retirar as medidas que foram implementadas e retomar o crescimento económico – compromissos que deixam a economia numa posição muito frágil.   

 

Estes temas são debatidos por todo a Europa, ao mesmo tempo que o crescimento económico dá os primeiros passos e os mercados estabilizam. No entanto, esta recuperação é pautada por graves problemas que ameaçam “o descarrilar da fraca economia”. O jornal norte-americano aponta o desemprego que persiste elevado em alguns países, o receio de deflação e a instabilidade geopolítica com a continua escalada da crise entre a Ucrânia e a Rússia como as principais ameaças à recuperação económica do Velho Continente.

 

A Comissão Europeia afirmou ontem, dia 5 de Maio, que o crescimento na União Europeia vai ganhar um importante avanço no decorrer de 2015. Mas alertou também para os desafios no início da recuperação, incluindo as tensões com a Rússia e a desmotivação dos governos em dar continuidade às reformas. “A recuperação está a ganhar força”, assegurou o vice-presidente da Comissão, Siim Kallas. Mas é “importante reforçar as reformas estruturais logo de início para que se possa enfrentar quaisquer desafios que se apareçam pelo caminho”.

 

Estamos consideravelmente melhores do que estaríamos se o programa não tivesse sido implementado
 
Luís Cabral

Terceiro país europeu a recorrer a ajuda externa

 

O resgate - que foi, relembra a publicação, pedido por um governo socialista em 2011, mas implementado por um Governo de centro-direita que chegou ao poder apenas um mês depois do pedido de ajuda externa – teve um grande custo social. As medidas agora adoptadas podem definir se Portugal vai conseguir manter-se neste rumo duramente conquistado, salienta o NYT.

 

Portugal foi a terceira economia europeia a negociar um resgate, após a Grécia e a Irlanda, quando a espiral dos custos com a dívida externa ficaram fora do controlo. No entanto o país não foi assolado por um “boom” na construção como se deu em Espanha ou na Irlanda, nem a confiança nas contas do Governo foi posta em causa como aconteceu na Grécia, onde o programa de resgate ainda está em execução e a supervisão dos credores internacionais é intensa. Em vez disso, Portugal sofreu o que disse o ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, citado pelo NYT, “uma queda sem ter tido uma subida”.

 

Agora o maior desafio para Portugal é controlar a dívida pública, sustenta o NYT. A dívida aumentou cerca de um terço, para 276 mil milhões de euros, 129% do produto interno bruto, sendo que no fim de 2010 representava 94%.

 

Cristina Casalinho, do IGCP, entidade que gere a dívida pública portuguesa, consultada pelo jornal, reconheceu que Portugal ainda está num período de “se livrar do endividamento”. Mas ainda assim, “a economia está a fortalecer-se e a evoluir num modelo que deixou de estar sustentado principalmente pelo consumo interno, para um modelo de crescimento impulsionado pelas exportações, o que é uma mais-valia para o futuro”.

 

A economia está a fortalecer-se e a evoluir num modelo que deixou de estar sustentado principalmente pelo consumo interno
 
Cristina Casalinho

Sinais positivos: exportações

 

Apesar do desemprego começar a recuar, ainda se mantêm acima dos 15%, acima da média da Zona Euro. Milhares de portugueses emigraram para o Reino Unido ou Alemanha, assim como para países de língua oficial portuguesa como Brasil ou Angola, à procura de um futuro melhor, menciona o artigo do NYT.

 

Portugal, assim como outras economias mais frágeis, assistiu ao êxodo de trabalhadores. Cerca de 120 mil deixaram o país em 2012, a maioria deles eram jovens qualificados. As mudanças no mundo laboral não se ficaram pelas alterações fiscais. As novas regras do trabalho reduziram significativamente o custo de contratação e demissão de funcionários.

Estas alterações ajudaram a atrair investimentos estrangeiros. Na semana passada, exemplifica o NYT, a Volkswagen afirmou que investirá 677 milhões de euros para aumentar a produção na Autoeuropa.

 

As exportações representam cerca de 40% do PIB português, acima dos 28% que pesavam em 2009. Enquanto a crise levou a falência muitas empresas, as sobreviventes aproveitaram a capacidade disponível para avançar para mercados no estrangeiro.

 

Ainda assim, o debate da austeridade está longe de acabar – assim como os protestos de rua, figura o NYT. Os cortes nos orçamentos de sectores como o da Educação têm causado danos irreparáveis para Portugal, defendem alguns políticos e analistas consultados pelo jornal norte-americano.  

 

“Sabemos que seria necessária austeridade para controlar as contas públicas, mas o que aconteceu foi um exagero, um completo desastre”, afirmou o ex-ministro socialista, João Cravinho, um dos impulsionadores do manifesto assiando por várias personalidades portuguesas que defende a reestruturação da dívida portuguesa. Como muitos outros críticos da austeridade, João Cravinho, afirma que a disciplina imposta foi influenciada pelo Governo alemão. "Fazer Portugal aparecer como um caso de muito sucesso, provando que a austeridade funciona a curto prazo, é uma mensagem política importante", disse, "não tanto por nós, mas mais para a Alemanha".

 

Recuperação lenta, mas sustentada

 

O país deixa formalmente o programa de resgate, mas necessita de décadas para pagar os mais de 700 mil milhões de euros acumulados em dívidas pública e privada.

 

“Penso que estamos consideravelmente melhores do que estaríamos se o programa não tivesse sido implementado”, considerou o economista português e professor na Universidade de Nova Iorque, Luis Cabral. “A austeridade tem dado um contributo positivo para o crescimento”.

 

Depois de emergir da recessão, Portugal espera crescer mais de 1% neste e no próximo ano, de acordo com as previsões da Comissão Europeia.

 

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