Notícia
Os tesouros da Quinta do Piloto
Nesta herdade de Palmela fazem-se vinhos únicos com a casta Moscatel, quer em matéria de generosos quer em matéria e brancos secos. E um clarete da casta rosada está a caminho.
15 de Julho de 2017 às 13:00
Esta coisa da crítica de vinhos tem piada quando encontramos produtores ou enólogos irrequietos, que olham para as suas uvas como matéria-prima não apenas destinada a fazer caldos com a fórmula do costume.
É certo que as empresas vivem dos desejos do mercado e das estratégias gananciosas da grande distribuição. Assim como também é certo que o grosso das vendas em Portugal nem sequer chega ao valor dos 3€ por garrafa.
Mas isso não devia impedir a criatividade dos produtores. A capacidade de, com as mesmas uvas, criar novos perfis de vinhos. E, em verdade, são poucos os enólogos/produtores que arriscam porque, dizem, não estão para perder tempo com experiências de nicho de mercado.
Ora, do meu ponto de vista, as criações fora da caixa - que alguns rotulam de "brincadeiras" - são importantes porque, primeiro, a inovação enológica/vitícola pode dar origem a um novo perfil de vinho; segundo, os custos de tais experiências são moderados; terceiro, há sempre um nicho de consumidores dispostos a comprar tais "brincadeiras" e, quarto, estes novos vinhos criam ruído comunicacional à volta da marca e do produtor.
É provável que seja injusto por razões de memória, mas neste campeonato da irreverência ocorrem-me agora nomes como Luís Pato, Luís Cerdeira, Duarte Leal da Costa, Domingos Soares Franco, António Maçanita e, claro, Anselmo Mendes. Hoje vamos acrescentar o jovem Filipe Cardoso, da Quinta do Piloto.
Esta quinta de Palmela está na família Cardoso há quatro gerações. Fundada por Humberto Cardoso no início do século XX, as três herdades que se reuniam na marca Piloto chegaram a juntar 500 hectares de vinha.
Durante largas décadas, as uvas estavam destinadas a outras casas e marcas da região. Com a entrada de Filipe Cardoso na gestão da quinta, tudo mudou. Primeiro foram vinhos varietais de castas, digamos assim, da moda: tintos Touriga Nacional e Cabernet Sauvigon.
Só quando chegou ao mercado, há cerca de dois anos, um branco seco de Moscatel Roxo é que a malta da crítica disse: alto lá!, que aqui há coisa séria. Sim, já havia na região quem trabalhasse o Moscatel Roxo sem ser na forma licorosa, mas este perfil de branco da Quinta do Piloto inovava. E desconcertava porque, cheirando e sabendo a Moscatel, era diferente. Era (e é) complexo, desafiante, guloso, gastronómico que se farta e nada enjoativo. O Piloto Collection Roxo 2016 vende-se por aí a €8,5.
Segue-se, este ano, um inusitado branco da casta Síria (Roupeiro no Alentejo), que é único na Península de Setúbal. Fresco, alimonado e mineral, este Piloto Collection Síria 2016 (€8,5) está desenhado para a mesa.
Seguimos depois para dois brancos que contam com uvas de Antão Vaz e Arinto, sendo que, no primeiro (Quinta do Piloto Reserva 2014, €16), temos mais a expressão pura das castas e, no segundo (Quinta do Piloto Colecção de Família 2014, €21), o trabalho da fermentação em madeira.
Temos, depois, em matéria de tintos, um trabalho que qualquer enófilo exigente deveria agradecer ao Filipe Cardoso pelo facto de insistir na casta Castelão de terrenos de areias e, num caso, de vinhas velhas. Falamos dos vinhos Quinta do Piloto Reserva 2014 (€16) e Quinta do Piloto Colecção de Família 2013 (€35).
Sou do tempo de provar castelões com idade e, digo-vos, eram vinhos tão invulgares quanto soberbos. Um Castelão de terras de areia (região de Fernão Pó) não se compara a nenhum outro tinto português. Então quando nos chega, como é o caso destes dois exemplares, com aquelas notas de cinza, frutos vermelhos e ervas secas de serras mediterrânicas, melhor ainda.
Quando saltamos para os vinhos generosos, bom, aqui é necessário fazer-se um intervalo de silêncio, em particular perante o Quinta do Piloto Colecção de Família Moscatel Roxo e o Quinta do Piloto Colecção de Família e do Moscatel de Setúbal.
Estamos perante vinhos com uma complexidade de aromas e sabores que desafiam um especialista em perfumaria, com a boca necessariamente untuosa, mas com acidez para tornar os vinhos vivos e frescos. Há por aqui notas de madeiras exóticas, de especiarias a rodos, de frutos secos e de outras famílias mais químicas.
Estes são vinhos únicos em Portugal, visto que resultam de um processo produtivo parecido com o solera espanhol. Isto é, o primeiro Moscatel de cada um dos vinhos entrou para a barrica nos anos 30 do século XX. Desde então, vários responsáveis da família Cardoso foram engarrafando pequenas quantidades destes dois moscatéis, sendo que, no tal espírito do "solera", a mesma quantidade de vinho que se retirava dos cascos era preenchida com colheitas novas de grande categoria, num processo conhecido por refrescamento. Ou seja, de cada vez que saía vinho com idade, entrava vinho novo. E assim se perpetuava o perfil dos vinhos ao longo de décadas.
De maneira que, quando bebemos um destes vinhos, estamos a apreciar moscatéis de colheitas sem fim, sendo que, no caso do Moscatel Roxo, o último atesto da barrica foi feito em 2005 e, no caso do Moscatel de Setúbal, em 1996. É, claramente, um vinho deslumbrante. Como se imagina, o único defeito destes vinhos é o preço: €650 para o Moscatel Roxo e €900 para Moscatel de Setúbal. É a vida.
Por agora é tudo, mas daqui a dias estaremos a provar outra novidade: o primeiro vinho clarete feito com Moscatel Roxo. Ideias não faltam a Filipe Cardoso.
É certo que as empresas vivem dos desejos do mercado e das estratégias gananciosas da grande distribuição. Assim como também é certo que o grosso das vendas em Portugal nem sequer chega ao valor dos 3€ por garrafa.
Ora, do meu ponto de vista, as criações fora da caixa - que alguns rotulam de "brincadeiras" - são importantes porque, primeiro, a inovação enológica/vitícola pode dar origem a um novo perfil de vinho; segundo, os custos de tais experiências são moderados; terceiro, há sempre um nicho de consumidores dispostos a comprar tais "brincadeiras" e, quarto, estes novos vinhos criam ruído comunicacional à volta da marca e do produtor.
É provável que seja injusto por razões de memória, mas neste campeonato da irreverência ocorrem-me agora nomes como Luís Pato, Luís Cerdeira, Duarte Leal da Costa, Domingos Soares Franco, António Maçanita e, claro, Anselmo Mendes. Hoje vamos acrescentar o jovem Filipe Cardoso, da Quinta do Piloto.
Esta quinta de Palmela está na família Cardoso há quatro gerações. Fundada por Humberto Cardoso no início do século XX, as três herdades que se reuniam na marca Piloto chegaram a juntar 500 hectares de vinha.
Durante largas décadas, as uvas estavam destinadas a outras casas e marcas da região. Com a entrada de Filipe Cardoso na gestão da quinta, tudo mudou. Primeiro foram vinhos varietais de castas, digamos assim, da moda: tintos Touriga Nacional e Cabernet Sauvigon.
Só quando chegou ao mercado, há cerca de dois anos, um branco seco de Moscatel Roxo é que a malta da crítica disse: alto lá!, que aqui há coisa séria. Sim, já havia na região quem trabalhasse o Moscatel Roxo sem ser na forma licorosa, mas este perfil de branco da Quinta do Piloto inovava. E desconcertava porque, cheirando e sabendo a Moscatel, era diferente. Era (e é) complexo, desafiante, guloso, gastronómico que se farta e nada enjoativo. O Piloto Collection Roxo 2016 vende-se por aí a €8,5.
Segue-se, este ano, um inusitado branco da casta Síria (Roupeiro no Alentejo), que é único na Península de Setúbal. Fresco, alimonado e mineral, este Piloto Collection Síria 2016 (€8,5) está desenhado para a mesa.
Seguimos depois para dois brancos que contam com uvas de Antão Vaz e Arinto, sendo que, no primeiro (Quinta do Piloto Reserva 2014, €16), temos mais a expressão pura das castas e, no segundo (Quinta do Piloto Colecção de Família 2014, €21), o trabalho da fermentação em madeira.
Temos, depois, em matéria de tintos, um trabalho que qualquer enófilo exigente deveria agradecer ao Filipe Cardoso pelo facto de insistir na casta Castelão de terrenos de areias e, num caso, de vinhas velhas. Falamos dos vinhos Quinta do Piloto Reserva 2014 (€16) e Quinta do Piloto Colecção de Família 2013 (€35).
Sou do tempo de provar castelões com idade e, digo-vos, eram vinhos tão invulgares quanto soberbos. Um Castelão de terras de areia (região de Fernão Pó) não se compara a nenhum outro tinto português. Então quando nos chega, como é o caso destes dois exemplares, com aquelas notas de cinza, frutos vermelhos e ervas secas de serras mediterrânicas, melhor ainda.
Quando saltamos para os vinhos generosos, bom, aqui é necessário fazer-se um intervalo de silêncio, em particular perante o Quinta do Piloto Colecção de Família Moscatel Roxo e o Quinta do Piloto Colecção de Família e do Moscatel de Setúbal.
Estamos perante vinhos com uma complexidade de aromas e sabores que desafiam um especialista em perfumaria, com a boca necessariamente untuosa, mas com acidez para tornar os vinhos vivos e frescos. Há por aqui notas de madeiras exóticas, de especiarias a rodos, de frutos secos e de outras famílias mais químicas.
Estes são vinhos únicos em Portugal, visto que resultam de um processo produtivo parecido com o solera espanhol. Isto é, o primeiro Moscatel de cada um dos vinhos entrou para a barrica nos anos 30 do século XX. Desde então, vários responsáveis da família Cardoso foram engarrafando pequenas quantidades destes dois moscatéis, sendo que, no tal espírito do "solera", a mesma quantidade de vinho que se retirava dos cascos era preenchida com colheitas novas de grande categoria, num processo conhecido por refrescamento. Ou seja, de cada vez que saía vinho com idade, entrava vinho novo. E assim se perpetuava o perfil dos vinhos ao longo de décadas.
De maneira que, quando bebemos um destes vinhos, estamos a apreciar moscatéis de colheitas sem fim, sendo que, no caso do Moscatel Roxo, o último atesto da barrica foi feito em 2005 e, no caso do Moscatel de Setúbal, em 1996. É, claramente, um vinho deslumbrante. Como se imagina, o único defeito destes vinhos é o preço: €650 para o Moscatel Roxo e €900 para Moscatel de Setúbal. É a vida.
Por agora é tudo, mas daqui a dias estaremos a provar outra novidade: o primeiro vinho clarete feito com Moscatel Roxo. Ideias não faltam a Filipe Cardoso.