Notícia
Os produtores de vinhos de vinhas velhas precisam de detectores de mentiras?
Pode uma vinha velha produzir vinhos do outro mundo? Pode. Todas as vinhas velhas dão vinhos do outro mundo? Não. Pode o conceito Vinhas Velhas aumentar as vendas? Pode. Todos os vinhos com a designação Vinhas Velhas são provenientes de vinhas velhas? Não se sabe. Existe alguma entidade para controlar este assunto? Nem uma. Sejam bem-vindos a outro mistério cá da pátria.
27 de Outubro de 2018 às 19:00
Este Herdade das Servas Vinhas Velhas 2014 é um tinto com notas vegetais e de bosque, à mistura com casca de cereja e a dar indicação de que a casta Alicante Bouschet está bem presente. Na boca, complexidade e garra. Custa cerca de 25€
A história do registo de Vinhas Velhas nos rótulos é um bocadinho como os secretos de porco preto ibérico. Consta que o efectivo da raça não aumente por aí além, mas o crescimento do número de ementas com aquele corte é exponencial.
Com o conceito de Vinhas Velhas passa-se o mesmo. O sector arrancou um mar de vinhas vetustas para plantar castas mais produtivas e certinhas (nacionais e estrangeiras), mas nunca como agora se viu tanto rótulo com o registo de Vinhas Velhas. Donde, não precisaremos de ter o QI do Einstein para - isto já começa a ser chato - concluirmos que anda por aí muita malandrice.
Quando uma pessoa pega numa garrafa que no rótulo menciona Vinhas Velhas e lê, no contra-rótulo, que esse mesmo vinho é feito "a partir de vinhas parcialmente velhas", ou manda uma gargalhada ou corre à procura dos comprimidos contra a azia. Como o mundo é um lago de vinho e a conquista de um lugar na prateleira é uma odisseia, vale tudo para ludibriar os consumidores.
Este conceito de Vinhas Velhas adquiriu notoriedade porque, de facto, há vinhas velhas que dão vinhos extraordinários, com uma personalidade muito própria, sem paralelo na comparação com vinhos de vinhas novas, mesmo que plantadas com as mesmas castas e em solos idênticos.
Este mistério de vinhos de certas vinhas velhas deve-se ao facto de as videiras, em determinados terrenos e terroir (atenção a este detalhe) e mediante cuidados continuados, originarem produções baixas de uvas, mas muito ricas e equilibradas em diferentes compostos (açúcares, ácidos e substâncias fenólicas), determinantes para vinhos naturalmente complexos. Note-se que, apesar de menos produtiva, uma videira velha é uma máquina genial: perante a seca, defende-se melhor porque as suas raízes longas conseguem ir ao fundo buscar água; e, perante um ano chuvoso, a acumulação de excesso de água nos bagos é menor, também por causa da extensão das suas raízes. Donde, e quando o assunto é qualidade, uma vinha velha pode ser um tesouro a preservar.
Todavia, convém alertar os consumidores para o facto de o conceito de Vinhas Velhas não estar submetido a um processo de controlo por parte das comissões vitivinícolas regionais ou de outra qualquer entidade oficial porque, pura e simplesmente, não existe um regulamento que defina o que é uma Vinha Velha. Ou seja, colocar ou não a designação Vinha Velha num rótulo depende exclusivamente da vontade do produtor.
Como se imagina, a regulamentação desta matéria seria uma dor de cabeça administrativa porque, por exemplo, uma vinha velha no Alentejo não é a mesma coisa que uma vinha velha no Douro. Se na primeira região uma vinha com 35 anos já é velhinha, no Douro, com essa idade, ela está a apalpar o xisto ou o granito.
Por outro lado, nem todas as vinhas velhas dão necessariamente bons vinhos (só a malta dos vinhos naturais acha que uma vinha velha é obrigatoriamente um altar), pelo que, do ponto de vista da certificação, o caso seria complexo. Um vinho seria Vinhas Velhas só porque tinha uvas de vinhas antigas (independentemente da sua qualidade) ou só seria Vinhas Velhas quando fosse aferido, por razões qualitativas, pelos provadores das comissões vitivinícolas regionais? Não há respostas simples.
Eu, que abomino a burocracia e o Estado tutelar, sou sensível ao mecanismo da auto-regulação. Mas uma coisa é aplicar tal conceito na Suíça ou na Dinamarca, outra é aplicá-lo em Portugal, país cheio de artimanhas previamente calculadas pelos legisladores - sempre ternurento com os poderes instituídos e relaxado com os interesses dos cidadãos.
Mas uma coisa parece certa: se este caudal de novos vinhos de vinhas velhas continuar a subir, mais cedo do que tarde as CVR ou o IVV vão ter de pronunciar-se sobre a matéria. Em nome do vinho, dos consumidores e daqueles viticultores que, com seriedade, metem nas suas garrafas vinhos de Vinhas Velhas.
Até lá, o consumidor tem três hipóteses para se defender: 1) confiar nos jornalistas; 2) comprar e ler o trabalho de Luís Antunes e Anabela Trindade (Vinhas Velhas de Portugal, CTT) e 3) dar um salto este fim-de-semana à FIL, em Lisboa, onde decorre mais uma feira da revista Grandes Escolhas. Aqui, Luís Lopes, no capítulo das provas especiais, vai dissertar sobre a magia dos vinhos de Vinhas Velhas.
Não sei se falará do Herdade das Serras Vinhas Velhas 2014, mas meto-o aqui porque, lá está, sei que esta empresa alentejana tem genuína paixão por vinhas velhas, algumas com idades entre os 25 e os 65 anos. Poderia falar de outros produtores, da península de Setúbal a Trás-os-Montes, mas acho fantástico que, em Estremoz, ainda sobrevivam vinhas velhas implantadas em pedra rolada e junto a um curso de água, só porque os irmãos Mira valorizam a riqueza destas plantas menos produtivas. A gente acha que só há disso no Douro, mas é apenas porque não dá bom uso aos sapatos.
A história do registo de Vinhas Velhas nos rótulos é um bocadinho como os secretos de porco preto ibérico. Consta que o efectivo da raça não aumente por aí além, mas o crescimento do número de ementas com aquele corte é exponencial.
Quando uma pessoa pega numa garrafa que no rótulo menciona Vinhas Velhas e lê, no contra-rótulo, que esse mesmo vinho é feito "a partir de vinhas parcialmente velhas", ou manda uma gargalhada ou corre à procura dos comprimidos contra a azia. Como o mundo é um lago de vinho e a conquista de um lugar na prateleira é uma odisseia, vale tudo para ludibriar os consumidores.
Este conceito de Vinhas Velhas adquiriu notoriedade porque, de facto, há vinhas velhas que dão vinhos extraordinários, com uma personalidade muito própria, sem paralelo na comparação com vinhos de vinhas novas, mesmo que plantadas com as mesmas castas e em solos idênticos.
Este mistério de vinhos de certas vinhas velhas deve-se ao facto de as videiras, em determinados terrenos e terroir (atenção a este detalhe) e mediante cuidados continuados, originarem produções baixas de uvas, mas muito ricas e equilibradas em diferentes compostos (açúcares, ácidos e substâncias fenólicas), determinantes para vinhos naturalmente complexos. Note-se que, apesar de menos produtiva, uma videira velha é uma máquina genial: perante a seca, defende-se melhor porque as suas raízes longas conseguem ir ao fundo buscar água; e, perante um ano chuvoso, a acumulação de excesso de água nos bagos é menor, também por causa da extensão das suas raízes. Donde, e quando o assunto é qualidade, uma vinha velha pode ser um tesouro a preservar.
Todavia, convém alertar os consumidores para o facto de o conceito de Vinhas Velhas não estar submetido a um processo de controlo por parte das comissões vitivinícolas regionais ou de outra qualquer entidade oficial porque, pura e simplesmente, não existe um regulamento que defina o que é uma Vinha Velha. Ou seja, colocar ou não a designação Vinha Velha num rótulo depende exclusivamente da vontade do produtor.
Como se imagina, a regulamentação desta matéria seria uma dor de cabeça administrativa porque, por exemplo, uma vinha velha no Alentejo não é a mesma coisa que uma vinha velha no Douro. Se na primeira região uma vinha com 35 anos já é velhinha, no Douro, com essa idade, ela está a apalpar o xisto ou o granito.
Por outro lado, nem todas as vinhas velhas dão necessariamente bons vinhos (só a malta dos vinhos naturais acha que uma vinha velha é obrigatoriamente um altar), pelo que, do ponto de vista da certificação, o caso seria complexo. Um vinho seria Vinhas Velhas só porque tinha uvas de vinhas antigas (independentemente da sua qualidade) ou só seria Vinhas Velhas quando fosse aferido, por razões qualitativas, pelos provadores das comissões vitivinícolas regionais? Não há respostas simples.
Eu, que abomino a burocracia e o Estado tutelar, sou sensível ao mecanismo da auto-regulação. Mas uma coisa é aplicar tal conceito na Suíça ou na Dinamarca, outra é aplicá-lo em Portugal, país cheio de artimanhas previamente calculadas pelos legisladores - sempre ternurento com os poderes instituídos e relaxado com os interesses dos cidadãos.
Mas uma coisa parece certa: se este caudal de novos vinhos de vinhas velhas continuar a subir, mais cedo do que tarde as CVR ou o IVV vão ter de pronunciar-se sobre a matéria. Em nome do vinho, dos consumidores e daqueles viticultores que, com seriedade, metem nas suas garrafas vinhos de Vinhas Velhas.
Até lá, o consumidor tem três hipóteses para se defender: 1) confiar nos jornalistas; 2) comprar e ler o trabalho de Luís Antunes e Anabela Trindade (Vinhas Velhas de Portugal, CTT) e 3) dar um salto este fim-de-semana à FIL, em Lisboa, onde decorre mais uma feira da revista Grandes Escolhas. Aqui, Luís Lopes, no capítulo das provas especiais, vai dissertar sobre a magia dos vinhos de Vinhas Velhas.
Não sei se falará do Herdade das Serras Vinhas Velhas 2014, mas meto-o aqui porque, lá está, sei que esta empresa alentejana tem genuína paixão por vinhas velhas, algumas com idades entre os 25 e os 65 anos. Poderia falar de outros produtores, da península de Setúbal a Trás-os-Montes, mas acho fantástico que, em Estremoz, ainda sobrevivam vinhas velhas implantadas em pedra rolada e junto a um curso de água, só porque os irmãos Mira valorizam a riqueza destas plantas menos produtivas. A gente acha que só há disso no Douro, mas é apenas porque não dá bom uso aos sapatos.